sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Luís Filipe Vieira, o presidente e o milionário

Retirado de slbenfica.pt

"Chegou à presidência com a responsabilidade de devolver o Clube às suas glórias passadas, tendo-o conseguido com sucesso". É assim que o site do Benfica apresenta o seu líder ao mundo. 

Os seus poucos detratores argumentam, com alguma razão, que o presidente do Benfica faz uso de velhas táticas estalinistas para se perpetuar no poder: culto da personalidade, silenciamento e hostilização das oposições, e uma máquina de propaganda pronta a exaltar os seus feitos e a lançar suspeitas sobre qualquer movimento alternativo que se afigure no horizonte.

Vieira tem conseguido manter-se na liderança do Benfica de forma quase incontestada, pelo menos a avaliar pelas vitórias esmagadoras que conseguiu nas várias eleições em que participou, apesar de estes dez anos de presidência corresponderem ao período da história do clube em que menos títulos no futebol foram conquistados.

Não partilho da teoria que Vieira seja um agente infiltrado do Porto. Acredito que gosta do Benfica, e que vai tentando (sem grande esforço pessoal) combater o sistema que domina atualmente o futebol para que possa substitui-lo pelo seu próprio sistema. Mas também acredito que Vieira, acima de tudo, gosta de Vieira. E este post é sobre isso: procurar perceber o que Vieira deu ao Benfica e comparar com aquilo que o Benfica deu a Vieira.

Peço desde já desculpa pela excessiva dimensão do post, mas teve que ficar assim para conseguir transmitir a minha opinião sobre o presidente do Benfica de uma forma completa.


A ilusão da obra feita

É preciso admitir que Vieira tem obra feita ao longo da sua presidência. O novo estádio, o complexo de piscinas, o campo sintético, os pavilhões, o centro de estágios e o museu são obras que orgulharão todos os benfiquistas. 

E Vieira promete não ficar por aqui. Já se fala na compra do estádio do Estrela da Amadora e da ampliação do centro de estágios do Seixal. 

Apesar de não ser comum uma infra-estrutura como o centro de estágios atingir os limites da sua capacidade ao fim de apenas sete anos de existência, Vieira e a comunicação social que o apoia preferem pôr o enfoque no crescimento do clube, em vez da falta de planeamento e visão estratégica que foram evidentes neste caso.

De qualquer forma, é de cimento que estamos a falar. Não é preciso ser-se um iluminado da gestão para conseguir apresentar obra. Liderando um colosso como o Benfica, qualquer aprendiz de gestor conseguiria o financiamento necessário para arrasar o Colombo e construir uma pirâmide que envergonharia as que existem no Egito. É uma questão de taxas de juro. Se o banco recusar empréstimos a taxas de 5%, proponha-se 10% ao ano e no dia seguinte o dinheiro necessário está na conta.

Não é por acaso que os sócios do Benfica aprovaram um empréstimo obrigacionista de €80M. Desses €80M, €45M foram colocados em Abril a uma taxa de 7,25%, num prazo de 3 anos. Ou seja, significa que o Benfica, em 2016, terá que devolver esses €45M mais €10,5 milhões em juros.

Não é por acaso que o passivo consolidado do Benfica é superior a €400M. Pedir dinheiro emprestado e gastá-lo é fácil. O problema é pagá-lo depois a juros proibitivos. O tempo do dinheiro barato já passou.


Sucessos desportivos

Não me vou alongar muito neste aspeto, visto que não há no currículo de Vieira sucessos desportivos que dêem para preencher mais do que umas linhas. Dois campeonatos e uma taça em futebol em 10 anos é péssimo para um clube como o Benfica. 

Nas modalidades, o panorama é bem mais agradável para os benfiquistas, mas convenhamos que não é difícil para um clube com esta dimensão manter-se vitorioso quando os outros grandes seguem estratégias de desinvestimento significativo. Hajam 2 ou 3 milhões extra para se injetar nas modalidades, e é o suficiente para limpar a maior parte das competições nacionais que existam em disputa.


O fascínio do camarote presidencial

O futebol é uma paixão que liga o mais humilde dos cidadãos até ao mais poderoso homem de negócios. Qualquer benfiquista dos sete costados, seja um empresário, juíz ou político, deve ficar fascinado perante a perspetiva de poder assistir a jogos da Liga dos Campeões uns lugares ao lado de figuras históricas do clube como Eusébio ou Rui Costa.

No entanto é óbvio que, apesar de ser um sonho para muitos, estamos a falar de um dos locais de acesso mais exclusivo que existem em Portugal. Naquele camarote só entra quem LFV quiser.

Não me parece que Rui Costa esteja no Benfica apenas pelas suas reconhecidas capacidades de prospeção de talentos na Sérvia e Argentina. Tal como Eusébio que, sendo a grande figura que é na história do clube, não é um assalariado para andar a dar conselhos aos jogadores sobre como fazer remates à baliza. Acredito que os dois estão lá, para além de outras funções que possam ter, para aparecerem no camarote presidencial em dias de jogos. Chamem a isso presenças, chamarizes para o aperto de mão, ou o que quiserem.

E nem é preciso ir tão longe, acredito que 90% dos gestores de topo portugueses devem ficar com o coração aos pulos perante a perspetiva de ter um almoço com LFV para fazerem o aperto de mão sobre um negócio já alinhavado pelos respetivos acessores.

Também as dezenas de negócios de transferências de jogadores em que o Benfica se mete todos os anos parecem incluir alguns casos de duvidoso interesse para o clube. Temos um excelente exemplo na recente contratação de Luis Fariña, despachado umas semanas depois para o Dubai, sobre a qual já fiz um post (aqui).

Ao contrário de Vale e Azevedo, Vieira parece ter percebido que é muito mais rentável (e judicialmente seguro) utilizar o posto de presidente do Benfica (e as figuras históricas que vai mantendo por perto) para promover os seus negócios pessoais, do que estar a aproveitar-se de transferências de jogadores para meter ao bolso umas centenas de milhares de euros.

Não deve ser por acaso que a ascensão de Vieira à lista dos mais ricos do país coincide com os anos da presidência do Benfica.


O escudo da presidência

Foi ontem divulgada uma notícia (obrigado, Whiplash!) que fala sobre uma dívida incobrável de €17M de uma empresa de Vieira que o Estado terá que assumir.

in jornaldenegocios.pt

É uma pouca vergonha ver mais um caso em que uma personalidade conhecida de todos beneficia de milhões que depois terão que ser cobertos à custa das reformas e salários dos contribuintes. Infelizmente, é "apenas" mais um que se junta à legião de políticos e figuras públicas que se encheram à custa de um banco que nunca hesitou em dar uns milhões a ganhar aos amigos que lhe pudessem oferecer outros favores em troca.

No entanto, a notícia fala também de investigações ao presidente do Benfica e a um sócio seu por burla. Estas investigações já vêm pelo menos desde 2010, altura em que a casa de Vieira e a sede da sua empresa (Grupo Inland / Promovalor) foram alvo de buscas pela PJ.

Junte-se a isto mais esta notícia de 2006...

in dn.pt

... ou esta de 2003...

in publico.pt

...e ainda é possível encontrar mais algumas referências a investigações judiciais onde o nome de Vieira aparece no meio.

Como é evidente, qualquer cidadão é inocente até ser dado como culpado em tribunal, mas não é menos verdade que existe sabedoria no velho ditado popular que diz que "não há fumo sem fogo".

O que ninguém poderá negar é que o cargo de presidente do Benfica é o melhor escudo possível contra investigações e processos judiciais que Vieira possa ter contra si.

A melhor prova disto é Vale e Azevedo. Durante os anos em que foi presidente do Benfica existiram fortes suspeitas sobre burlas em que estaria envolvido, mas foi preciso esperar que saísse do clube para que pudesse sentir na pele algum tipo de consequência. Não foi preciso esperar mais que dois meses após a tomada de posse de Manuel Vilarinho, para que a PJ batesse à porta de Vale e Azevedo e o levasse para a prisão.

Se Vieira se sentir apertado por algum ramo da justiça, basta vir com o discurso da "conspiração contra o Benfica e contra o seu presidente" para ter o clamor indignado de milhões de portugueses. Perante isto, não haverá governante que não terá a tentação de fazer um telefonema ao procurador geral para dar prioridade a outros processos menos mediáticos, a par com uma promessa de reforço de verbas para essas outras investigações. Aliás, com Pinto da Costa passa-se exatamente a mesma coisa. Enquanto for presidente do Porto pode estar seguro que nada lhe acontecerá.


A perpetuação no poder

Lembram-se dos discursos de Vieira sobre estar a preparar Rui Costa para o suceder como presidente a curto/médio prazo? Tretas, como é evidente.

Vieira sabe que está sentado numa das cadeiras de maior poder em Portugal e não acredito que esteja a pensar em cedê-la a outra pessoa. Escrevo isto porque determinadas ações de Vieira têm apontado nesse sentido.

Em 2010, poucos dias antes de o Benfica se sagrar campeão nacional, numa AG com a presença de cerca de 100 sócios, foram aprovadas alterações muito discutíveis aos estatutos:
  • passou a ser obrigatório que um candidato à presidência do Benfica tenha um mínimo de 25 anos ininterruptos de sócio após os 18, ou seja, é impossível candidatar-se com menos de 43 anos -- Rui Costa, por exemplo, não podia candidatar-se às eleições passadas mesmo que quisesse, e Moniz e Veiga, na altura os maiores opositores de Vieira, também deixaram de ter hipótese de apresentar a sua lista
  • as Casas do Benfica (que foram renovadas num projeto que teve Vieira como patrono) passaram a ter direito a 50 votos e as filiais e delegações a 20 votos
  • alteração da duração de mandato de 3 para 4 anos
  • deixou de haver número limite de reeleições

Passou a ser mais difícil reunir-se os requisitos para se ser presidente do Benfica do que para se ser Presidente da República.

Para além disso, Vieira não hesitará em utilizar a sua máquina de propaganda sempre que for necessário. Como exemplo muito recente temos as reportagens que o Record fez sobre os 10 anos de presidência de LFV, que apresentaram níveis de bajulação que envergonhariam qualquer jornal que se preocupe com a sua reputação.

A Benfica TV, o jornal Benfica, a parceira com a Cofina, diretores de jornais amigos como Serpa e Manha, são meios que estão à distância de um telefonema. Seja para louvar a ação de Vieira, seja para denegrir a imagem de um potencial opositor.


Benfica: um meio para atingir o fim

Goste-se ou não de Vieira, creio que todos estaremos de acordo numa coisa: o sucesso pessoal de Vieira enquanto homem de negócios tem sido infinitamente superior ao sucesso desportivo do Benfica durante a sua presidência.

Vieira nunca se mostrou particularmente incomodado perante o domínio do Porto. É um homem que prefere olhar para a frente do que a perder tempo para perceber o que falhou na estratégia do Benfica. Daí aquelas frases emblemáticas como "daqui a uns anos vamos ter a espinha dorsal da seleção" ou "demito-me se não tivermos 300.000 sócios daqui a 2 anos" ou, mais recentemente, "vamos ganhar 3 campeonatos em 4" e "sonho chegar à final da Liga dos Campeões".

A estratégia é simples:
  • Atirar para o ar uns objetivos a roçar o irrealista;
  • Beneficiar do devido destaque nos órgãos de comunicação social sempre ávidos em vender notícias que agradam ao segmento da massa adepta mais crédula do Benfica;
  • Ao mesmo tempo vai apresentando as obras de cimento que enchem sempre o olho aos seus sócios e adeptos (funciona em qualquer clube);
  • Apresentar dezenas de contratações que demonstram que se formou o plantel mais forte dos últimos tempos;
  • Manipular números para salvar a face e aconchegar os espíritos benfiquistas (venda de Roberto ao fundo espanhol, jogos com pouco público que têm assistências oficiais de 30.000 pessoas, evolução muito duvidosa de assinantes da Benfica TV).

Haveria muito mais para dizer sobre promessas não cumpridas, desaparecimentos da ribalta quando os resultados não são bons e declarações atrás de declarações quando a equipa tem uma dinâmica de vitória, discursos contraditórios, apoio a figuras como Fernando Gomes para a presidência da FPF, a sua amizade com Pinto da Costa nos tempos do Alverca, os boatos sobre falsificação do número de sócio, mas isso daria material para vários posts -- e este já vai demasiado longo.

O que me parece evidente, e que queria partilhar convosco, é que na minha opinião o Benfica tem um presidente que se preocupa mais consigo do que com o clube que lidera. Felizmente não é problema meu, mas estranho que tão poucos benfiquistas se sintam incomodados. Num clube que se arroga ter 6.000.000 de adeptos e uma massa crítica incomparável em Portugal, como é possível que não apareçam alternativas credíveis que combatam um presidente que não vive para o clube? Quem souber que responda.