terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Os anjinhos e os espertalhões

Não há volta a dar: mesmo numa situação em que aparentemente existiam condições para haver um entendimento relativamente ao adiamento do jogo, às medidas a tomar para resolver o problema da cobertura, e à marcação de uma nova data para a sua realização, o futebol português conseguiu transformar tudo numa imensa confusão.

E na minha opinião não há inocentes neste processo: Sporting, Benfica, PSP e Liga têm responsabilidades.


Evacuar ou não evacuar? Eis a questão.

Ao contrário do que os jornais noticiaram, a evacuação não correu de forma exemplar. É verdade que 95% do público deslocou-se para um local seguro ao fim de 4 minutos, mas não se compreende a demora em tomar a decisão de evacuar o estádio. É que, segundo as últimas versões que ouvi sobre o caso, às 17h50 já era possível ver que as placas estavam em vias de se soltar. A comunicação no estádio a pedir ao público para abandonar os seus lugares foi feita apenas às 18h35. 45 minutos depois! Calhou bem que as placas se tenham aguentado uns minutos mais.

Aqui a responsabilidade é toda do Benfica, que deveria ter técnicos próprios ou consultores disponíveis para avaliar a situação de forma imediata. O facto de ninguém se ter magoado acabou por ser um golpe de sorte.


O que fazer com os enjaulados?

Segundo o Sporting e Mário Figueiredo, todas as partes concordaram, ao decidir o adiamento do jogo, que os adeptos sportinguistas que estavam na jaula deveriam dirigir-se para os corredores interiores do estádio, o que seria suficiente para ficarem em segurança até que existissem condições para os conduzir para o exterior.

Aparentemente a decisão de não o fazer terá sido da PSP, que achou que seria suficiente deslocar os adeptos sportinguistas para umas filas mais acima, de forma a ficarem mais perto da cobertura, sob o pretexto de diminuir as hipóteses de serem atingidos por destroços transportados pelo vento.

Diminuir não é a mesma coisa que eliminar totalmente as hipóteses de haver uma tragédia, e como tal não é admissível que se tenha tomado a decisão de não evacuar também os adeptos sportinguistas.

É verdade que o problema da cobertura era no lado oposto a essa bancada, mas não deveriam as autoridades assumir que, se uma parte da cobertura cedeu ao temporal, seria possível que outras partes também cedessem a qualquer momento?


A marcação da nova data

Parece evidente para todos que, do ponto de vista estritamente competitivo, o Benfica tem todo interesse em que o jogo se realize já, e que para o Sporting seria mais favorável adiar o jogo para as calendas.

O Benfica vai ter um calendário preenchidíssimo, quase sempre com dois jogos por semana até Abril, que inevitavelmente causarão desgaste mais lá para o final da época. O Sporting, não jogando agora, poderia conseguir recuperar Jefferson, e até de trabalhar com muito mais tempo os novos reforços Heldon e Shikabala.

No entanto, foi correta a postura do Sporting em colaborar de forma a realizar o jogo o mais rapidamente possível, partindo do princípio que todas as condições de segurança estariam garantidas.

Para todos os efeitos, o Benfica não causou propositadamente a situação. Houve certamente negligência na manutenção da cobertura, pois nem sequer se trata de uma situação nova, mas não foi propositado, pelo que se justificou totalmente a colaboração do Sporting na resolução do problema.

E não é o facto de o Benfica ter recusado, há dois anos, a adiar um jogo quando o Sporting jogou a uma sexta-feira contra o Videoton (era para ser na quinta-feira mas foi adiado 24 horas devido ao mau tempo), que nos deve levar a responder na mesma moeda. As ações ficam com quem as toma, e a atitude certa era contribuir de todas as formas possíveis para que o jogo se realizasse assim que possível, pelo que se deve louvar a direção do Sporting.


A vistoria e reparação

A atitude do Sporting foi de louvar, o que não quer dizer que se deveriam ter colocado nas mãos de Liga e do Benfica. Todos sabemos que a Liga não vai querer antagonizar o Benfica numa altura em que estão em pé de guerra com o Porto, e que Luís Filipe Vieira é um oportunista que não olha a meios para atingir os seus fins, pelo que o Sporting deveria de imediato ter emitido um comunicado a exigir a vistoria por uma entidade oficial e independente.

Não foi isso que aconteceu. O presidente da AG andou a desfazer-se em auto-elogios sobre a atitude tomada e a direção permaneceu na expetativa confiando que Vieira faria o que era correto. E o Sporting tramou-se.

Colocar a Martifer a fazer a vistoria ao estádio é a mesma coisa que um juíz ser chamado a decidir um caso em tribunal em que o seu filho é uma das partes interessadas. Então a Martifer, que participou na construção do estádio, que era responsável pela manutenção e, portanto, responsável pelo sucedido, iria alguma vez reconhecer que existem problemas estruturais na cobertura? E, atendendo que o Benfica pediu à Martifer para fazer a vistoria, que o Benfica paga à Martifer para fazer a vistoria, alguma vez a Martifer iria dar um veridito contrário aos interesses do próprio Benfica?

O Sporting fiou-se na virgem. E sabemos como estas histórias normalmente acabam.


Moral da história

Eu sei que esta direção é nova e tem muito que aprender perante Vieiras e Pintos que andam nisto há décadas. E não pode confiar que a Liga e a FPF alguma vez mexerão uma palha para garantir que as coisas decorrem de forma justa para todos.

Volto a dizer que gostei que o Sporting procurasse colaborar de forma que o jogo se realizasse já na terça-feira. Mas devem partir sempre do princípio que os outros vão tentar sempre aproveitar-se de todas as facilidades que lhes concedermos.

Colaborar em nome do que é correto, confiando que os outros agirão em conformidade --> CORRETOS E ANJINHOS
Colaborar em nome do que é correto, procurando antecipar a forma como os outros se poderão aproveitar --> CORRETOS E INTELIGENTES

Já com o Porto para a Taça da Liga foi a mesma coisa. Fomos corretos, aparecemos a horas, mas não antecipámos o que os outros poderiam fazer. Ou se antecipámos, não fizemos nada para evitar que os outros se atrasassem.

Espero que aproveitemos estas lições para evitar abusos da nossa boa vontade no futuro.