sexta-feira, 30 de maio de 2014

A preocupação de Vieira com o passivo do Sporting

Quando Luís Filipe Vieira fez referência ao facto de o passivo do Benfica não ser o maior de Portugal, só podia estar a referir-se ao Sporting. É fácil concluir isso por exclusão de partes, pois o Porto tem apresentado contas consolidadas e o passivo é significativamente inferior ao do Benfica.

No caso do Sporting, as contas apresentadas referentes ao 1º semestre de 2013/14 não são consolidadas, dizem respeito apenas à SAD. Em relação à Sporting Património e Marketing, empresa detentora do estádio e responsável pelos empréstimos bancários associados à sua construção, as últimas contas referem-se ao exercício de 2012/13:


Contas preocupantes que, somadas às contas mais recentes da SAD do Sporting, apontam para números assustadores mas ainda abaixo do passivo do Benfica. Para além disso, há uma parcela de cerca de €20M do passivo da SPM que se referem a dívidas a outras empresas do grupo, o que significa que desapareceriam num cenário de contas consolidadas.

Aparentemente, quando Vieira falar no passivo do Sporting como o maior dos clubes portugueses, saberá de mais alguma coisa que ainda não é do conhecimento público -- conforme escreveu ontem Pedro Santos Guerreiro no Record:
"A questão é simples e é complexa. O Benfica consolida todo o seu passivo na SAD, o Sporting não. Por isso, quando se olha para o passivo de 450 milhões de euros da Benfica SAD, está a ver-se o perímetro completo da SAD e clube. Já quando se vê o passivo da Sporting SAD não se está a ver a totalidade do clube. Ora, e esta é a novidade, os auditores do Sporting escreveram uma reserva no relatório às contas segundo a qual, além do passivo do clube de cerca de 210 milhões, há mais quase 300 milhões de passivo. Este relatório de auditoria não é ainda público mas os valores circulam junto de várias fontes do sistema financeiro. Era certamente a este valor que Vieira estaria a referir-se: a dívida do Sporting (clube) somará, neste caso, quase 500 milhões. Sendo assim, é superior à do Benfica."

Se estes €300M se tratam de rumores ou se têm um fundo verdadeiro não sei, mas tenho Pedro Santos Guerreiro como um jornalista sério e que está bem informado dos assuntos das finanças dos clubes. Tratam-se de números (ainda) mais preocupantes que deveriam merecer um esclarecimento por parte da direção do Sporting. Aliás, não havendo novidades sobre a reestruturação financeira há alguns meses, seria bom que fosse feito um ponto de situação de todo o processo, bem como da auditoria de gestão -- estará o rumor associado a algo que a auditoria de gestão terá descoberto?

Voltando a Vieira, as repetidas referências que fez indiretamente ao passivo do Sporting revela que é um assunto que o preocupa. Não pelas dificuldades históricas que o Sporting atravessa (com o mal dos outros pode ele bem), mas sim com o perdão de divida bancária que supostamente está definido no acordo da reestruturação.

E isso não é novidade. Em março de 2013, quando o Sporting negociava o plano de reestruturação com os bancos, Vieira e Domingos Soares Oliveira (administrador da SAD do Benfica para a área financeira) já tinham vindo a público reclamar idêntico tratamento:


A preocupação do Benfica estava, acima de tudo, no facto de o BCP estar a fechar a torneira do crédito aos clubes de futebol, perdoando uma parcela da dívida ao Sporting pelo meio. Sendo assim, o Benfica passaria a estar apenas dependente do BES. Isto foi confirmado por Pedro Santos Guerreiro num artigo escrito para o Record em setembro de 2013:
Já na Luz dinheiro parece não ser problema. Não porque o tenham a rodos, mas porque o mesmo banco que aperta o Sporting dá largas ao Benfica: o Banco Espírito Santo. Esta semana, o BCP confirmou oficialmente uma notícia do “Jornal de Negócios” de há uns meses, de que vai deixar de financiar o futebol, depois das perdas acumuladas em vários clubes. Um deles foi o Sporting, onde BCP e BES foram sucessivamente forçados a reestruturar a dívida, perdendo dinheiro. Mas o BES é gato que não se escalda. E estará a amparar tanto Luís Filipe Vieira que este afirmou, sem medo, na entrevista de há duas semanas à Benfica TV que, se fosse preciso, aumentaria a sua dívida. Foi preciso. Este ano o Benfica comprou mais do que vendeu.

Estes desenvolvimentos mostram que o Sporting afinou e está a ser financeiramente disciplinado; que o Benfica não tem medo do risco e assume mais dívida; e que o BES ou não aprendeu nada ou está com carências afetivas depois da hecatombe do Sporting.

Junte-se a isto as notícias que falam nos buracos que andam a ser descobertos no BES e a mudança da administração do banco, é normal que Vieira tenha receio que a última grande torneira de crédito bancário de que dispõe se feche definitivamente.

Estou muito longe de ser um especialista nestes assuntos, mas parece evidente para todos que o crédito fácil é coisa em vias de extinção. O Benfica continua a viver acima das suas possibilidades, conforme os prejuízos acumulados testemunham. A dívida bancária tem vindo a acumular-se, os empréstimos obrigacionistas são cada vez mais recorrentes (sinal que os bancos já não emprestam dinheiro a juros baixos), e o rumo de um porta-aviões não se muda de um dia para o outro.

Vamos ver o que as contas do 3º trimestre de 2013/14, a apresentar brevemente por Sporting e Benfica, vão revelar.