sábado, 10 de maio de 2014

As ajudas dissimuladas

Os proveitos que clubes tiram dos dinheiros públicos                                                                                 
Carlos Barbosa da Cruz escreveu o seguinte no Record a propósito das hipotéticas negociações entre a Benfica TV e Boavista:

Quem transmite não joga
Na semana passada foi noticiado que o Boavista estava em negociações com a Benfica TV, para cedência dos direitos de transmissão dos desafios no Bessa, na futura qualidade de participante na 1.ª Liga. Mais se fez saber que essa negociação poderia envolver a cedência de jogadores do Benfica para o Boavista, necessitado que está de reforçar o seu plantel. O Benfica já veio a público esclarecer - e oportunamente - que não há negociações com o Boavista, mas esta situação levanta uma questão muito delicada. Não tenho nada contra a Benfica TV angariar direitos de transmissão de jogos de outros clubes; faz o seu papel de operador e introduz concorrência num sector dela muito carecido. Agora a Benfica SAD não pode, nem deve, intrometer-se ou beneficiar das negociações da Benfica TV. Por uma razão óbvia: a Benfica SAD passaria a dispor de uma vantagem sobre os restantes clubes com que compete, e que não advêm da vertente desportiva, mas de outra atividade. Esta promiscuidade pode conduzir a dependências e conveniências de todo o tipo e que atentam contra a verdade desportiva.
A Liga e a Autoridade da Concorrência têm de estar muito atentas, a bem da defesa da credibilidade e da transparência do futebol profissional em Portugal. O Benfica já beneficiou, no passado recente, de ajudas externas que lhe permitiram diretamente a obtenção de vantagens desportivas. Em 1993, a RTP adiantou verbas ao Benfica para contratar Paulo Futre (não adotando a mesma prática para os outros clubes) e, com o decisivo contributo desse jogador, conseguiu ganhar a Taça de Portugal. Em 2009, a Sagres celebrou um contrato de 12 anos com o Benfica, o que tinha recusado a outros clubes que então patrocinava, nomeadamente o Sporting. Com os fundos que conseguiu levantar contra esse contrato, o Benfica contratou Javi Garcia e Ramires e ganhou o Campeonato.
Assim como os princípios do fair-play financeiro são absolutamente estruturantes para a equidade competitiva, as ajudas dissimuladas devem também ser erradicadas, pois são na mesma nocivas. Nesse tipo de boleias incluem-se, evidentemente, os apoios da Câmara Municipal do Porto na construção do Estádio do Dragão e o escandaloso benefício do complexo de treinos do Olival, concedido pela Fundação Gaia-Porto. Portugal é dos países da Europa em que menos se ganha no campo, por força de um conjunto de conivências, que se foram instituindo e tolerando, a ponto de se achar natural e nada fazer, perante gritantes ilegalidades. Esperemos que nesta história da Benfica TV fique claro que isso não acontece.

Entretanto já saíram notícias da parte do Benfica em como o clube não está a negociar os direitos de transmissão dos jogos do Boavista, o que é um bom sinal. A ser verdade, isso significaria que se tratou de uma jogada de João Loureiro para tentar conseguir um melhor contrato com a Sport TV.

Em relação ao texto de Carlos Barbosa da Cruz, existem duas coisas com que não concordo. A primeira é impossível diferenciar a Benfica TV e a Benfica SAD. A Benfica TV é uma ferramenta da Benfica SAD, o que significa que qualquer iniciativa da Benfica TV terá sempre em consideração os interesses do clube. A segunda é que não vejo problemas em que a Sagres tenha aceite celebrar um contrato de 12 anos com o Benfica. Tratando-se de uma empresa privada, pode fazer os contratos que bem entende.

Mas o resto que Carlos Barbosa da Cruz refere tem toda a razão de ser. A interferência de empresas públicas é inaceitável. Aos casos mencionados (a negociata do Benfica com a RTP, as ajudas da CM Porto e o escandaloso negócio do centro de treinos do Olival), podemos acrescentar outros episódios como a aceitação por parte do Estado de ações do Benfica não cotadas em bolsa como garantia para as dívidas que o clube tinha, ou a associação da Caixa Geral de Depósitos ao centro de treinos do Seixal e ao pavilhão do Porto (cujos contornos não são conhecidos, mas são referidos como parcerias pelos clubes). São demasiados casos, normalmente com os mesmos protagonistas de sempre.