segunda-feira, 30 de junho de 2014

Os motivos do fracasso da seleção


Não deve haver um único português que tenha considerado positiva a campanha no mundial da seleção portuguesa. Não nos qualificarmos para os oitavos de final num grupo como o nosso é uma desilusão, mesmo que no papel o Gana seja uma seleção com alguns jogadores fortes e os EUA tipicamente organizarem o calendário das suas competições internas de forma a poderem aparecer no mundial na melhor forma possível.

Paulo Bento diz que o jogo com a Alemanha marcou muito negativamente a equipa, mas a verdade é que o destino se encarregou de nos dar algumas ajudas - a combinação dos resultados dos jogos EUA - Gana e Alemanha - Gana voltou a pôr-nos dependentes de nós próprios, e os problemas no estágio no Gana colocaram-nos à frente uma equipa psicologicamente destroçada - que nós não soubemos aproveitar.

Ouvir Paulo Bento dizer que é o único responsável por tudo o que de mau se passou é preocupante. Não só não corresponde à verdade, como leva a duvidar que a FPF vá fazer uma avaliação séria de todos os aspetos que falharam - e que não se resumem apenas ao selecionador. Que Paulo Bento não se importa de dar o corpo às balas, já todos sabíamos. Foi assim no Sporting durante vários anos. O problema é que ao fazê-lo está mais uma vez a dar cobertura a outras pessoas que não fizeram o seu trabalho de forma competente, e que merecem também ser julgadas pelo insucesso da campanha no Brasil.

Foram vários os erros cometidos. Tentando não ser demasiado exaustivo, aqui fica a minha opinião sobre quais os motivos principais que contribuíram para a nossa eliminação prematura.


A convocatória

Não foram convocados os 23 jogadores que poderiam dar o melhor contributo no mundial. Paulo Bento foi fiel ao seu núcleo duro, independentemente do estado seu estado físico e de forma. Compreendo que se levem alguns jogadores que façam bom balneário, mas nunca pode ser esse o principal critério de escolha.

A aposta na polivalência foi excessiva: não faz sentido levar apenas 2 laterais de raíz e deixando opções bem mais válidas para várias posições em Portugal.

É verdade que os nossos 10/12 melhores jogadores estavam lá. Mas olhando agora após o facto consumado, parece evidente que alguns dos que ficaram de fora dos 23 poderiam ter tido um papel importante, com Antunes, Adrien, Quaresma e Bebé à cabeça. Muito provavelmente teria sido o suficiente para seguirmos em frente para os oitavos de final.


O calendário de preparação

Paulo Bento focou ontem o facto de a Alemanha ter chegado ao Brasil apenas três dias antes de Portugal. A questão é que a Alemanha fez o estágio no Estado da Bahia, onde se realizou o primeiro jogo. Estiveram, portanto, a treinar oito dias no clima em que disputariam o primeiro jogo.

A passagem pelos EUA teve o mérito de adaptar os jogadores ao fuso horário da competição, mas os benefícios desportivos ficaram-se por aí. A seleção viajou para Campinas (que do ponto de vista de clima é diferente dos locais dos dois primeiros jogos) apenas cinco dias antes da estreia no mundial. Teria sido bem mais produtivo viajar-se mais cedo para o Brasil, e de preferência num ambiente mais reclusivo do que aquele estado de festa permanente que se viveu.

Neste caso parece-me que a responsabilidade será da direção, pois este tipo de decisões envolvem questões financeiras relevantes que ultrapassam as competências do selecionador.


Desaproveitamento dos jogos de preparação e persistência no erro

Paulo Bento utilizou os jogos de preparação com a Grécia e México para experimentar novos sistemas de jogo, em vez de verificar como respondiam os jogadores no sistema tradicional para perceber quem está em melhor forma. Quando começaram os jogos a doer, o selecionador optou pelo sistema do costume, com os jogadores do costume.

A resposta com a Alemanha foi má, mas contra os EUA Paulo Bento apostou exatamente nos mesmos jogadores (excetuando as alterações forçadas devido a lesões). A entrada de William deveu-se apenas à lesão de André Almeida, e nesses 45 minutos William demonstrou aquilo que todos já sabíamos: era a melhor opção para o lugar.

Também era evidente que Meireles há muito que já não tem a intensidade de jogo que o caracterizava no auge da carreira. Dentro do lote de selecionados, Rúben Amorim parecia estar em melhores condições de fazer aquele papel. Infelizmente foi preciso esperar pelo jogo com o Gana para o ver jogar.

Rui Patrício terminou cedo a época no Sporting, mas apenas foi utilizado no jogo com a Irlanda. Ou seja, chegou ao jogo contra a Alemanha apenas com 90 minutos de utilização no espaço de um mês. Para um guarda-redes presumivelmente titular, não se justificava que tivesse sido mais utilizado durante os jogos particulares?

E finalmente Ronaldo. Sendo um jogador que raramente participa no processo defensivo e com as limitações que eram conhecidas, não faria mais sentido jogar a 9? Se é verdade que foi o próprio a recusar-se a jogar nessa posição, o caso é ainda mais grave.


As lesões

Foram demasiadas para se poder atribuir exclusivamente à falta de sorte. A convocação foi, neste sentido, o 1º prego no caixão: foram escolhidos demasiados jogadores em más condições físicas. Depois alguma coisa deverá ter sido mal calculada na preparação, pois as lesões musculares sucederam-se.

Como é evidente, aqui as responsabilidades terão que estar situadas algures entre a equipa médica e os preparadores físicos.


O que se segue

Existiram outras coisas que na minha opinião não correram bem, mas parece-me que as que mencionei são as principais. 

É agora imperioso iniciar um processo de renovação dos jogadores, trazendo jovens com mais fome de bola, que tenham algo a provar e que queiram marcar o seu espaço, e deixar de fora jogadores que estão claramente na fase descendente das suas carreiras. Infelizmente, Paulo Bento não parece ser uma pessoa com o perfil indicado para esta tarefa - as suas declarações reafirmam a lealdade para com aqueles que o acompanharam ao longo dos quatro anos em que está no cargo - pelo que nos resta desejar que a estrutura FPF consiga dar a orientação necessária ao selecionador para que os interesses da seleção sejam defendidos. Algo me diz que é melhor esperarmos sentados.