sexta-feira, 20 de junho de 2014

Overdose de qualidade no mundial: um aviso para o futuro da seleção

                                                                                                                                                  
Até agora a qualidade média dos jogos do mundial tem sido agradavelmente surpreendente. No lugar de uma competição carregada de equipas com demasiadas preocupações táticas, como tem sido hábito nas últimas edições, em que pouco se arrisca, temos este ano um largo conjunto de seleções que tenta assumir o jogo e procurar o golo.

Aliado a esta atitude mais positiva das seleções participantes, este desporto é cada vez mais um fenómeno universal, e assistimos ao despontar de talentos em países que não são conhecidos pelos seus pergaminhos futebolísticos. Há uns anos, julgaríamos que o Irão, Costa Rica, Honduras, Equador, Argélia ou Austrália seriam seleções para quem perder por menos que 3 seria uma vitória. Neste mundial, temos visto algumas destas seleções a baterem o pé a outras que partiam como grandes favoritas. Curiosamente, as maiores goleadas deste mundial foram impostas à Espanha, Portugal e Camarões.

Esta injeção de qualidade relativamente a mundiais anteriores tem sido uma publicidade fantástica para o futebol, e é também um sério aviso para as ambições de todos nós, que queremos que Portugal esteja sempre presente nas fases finais das grandes competições. A difusão do talento democratizou-se, e cada vez mais os plantéis dos grandes clubes europeus estão abertos a jogadores de todas as proveniências, sejam de países europeus, sul-americanos, africanos ou asiáticos. Ao invés, são cada vez menos os jogadores portugueses que fazem parte de equipas de primeira linha (Ronaldo, Pepe, Coentrão e, vá, Nani, são os que restam).

A FPF e a Liga andam claramente a dormir na sombra do sucesso dos últimos dez anos. Não se compreende como ainda não definiram regras para que os plantéis dos clubes fossem obrigatoriamente compostos com um mínimo de jogadores portugueses, e um mínimo de jogadores da formação. Ou vendo de uma forma inversa, podiam definir um número máximo de jogadores inscritos que não sejam portugueses, formados em Portugal ou da formados no clube. Se a UEFA faz isto na Liga dos Campeões, há algum motivo para não se aplicar uma regra idêntica em Portugal?

Em segundo lugar, a FPF tem que começar a ser menos discriminatória em relação aos clubes pequenos. Salvo raras exceções, jogadores que não alinhem no Benfica, Sporting, Porto (e agora Braga) simplesmente não são convocados. Numa altura em que a maior parte dos clubes de topo não aposta em jogadores nacionais, há que dar oportunidade a jogadores que se vão destacando no campeonato nacional por equipas com menores ambições.

A ironia: o futebol de rua (em que os miúdos se organizavam e jogavam livremente) desapareceu, mas por outro lado as escolinhas de futebol estão espalhadas por todo o país (onde os miúdos são orientados por gente que, teoricamente, deveria ter mais facilidade em desenvolver as suas aptidões). No entanto parece que a base de recrutamento nunca foi tão apertada.

A FPF não pode ficar à espera que os clubes ponham os interesses da seleção em primeiro lugar. O Sporting tem sido, nos últimos anos, o único clube a apostar de forma regular e consistente nos jogadores da formação - quer por uma questão de cultura formativa que nunca se perdeu, quer por uma questão de necessidade. É um desperdício o talento que há nas escolas de Benfica e Porto e que nunca chega a ter uma oportunidade de demonstrar o que vale ao mais alto nível. É um desperdício que não se dê uma oportunidade aos Bebés de agora, assim como não se deu aos Pauletas de ontem, só porque não equipa de verde, vermelho ou azul.

Se nada for feito, daqui a 4 anos dificilmente nos qualificaremos para o mundial. O pior é que, mesmo que se faça alguma coisa já hoje, muito provavelmente já vamos tarde.