quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Clubes geridos em outsourcing: a moda chegou ao Dragão?

No post que escrevi na segunda-feira sobre o mundo paralelo em que vive o Porto de Lopetegui, um leitor anónimo fez um comentário extremamente pertinente que merece ser abordado num post específico. Aqui fica o que foi escrito no comentário:

Há uns tempos eu disse que o Porto subcontratou o seu futebol profissional nesta época. Facto que é comprovável pelos negócios que esse clube tem feito, pela proveniência da maioria dos jogadores e, claro, pelo treinador, que foi imposto por quem tem facilitado estas colocações de jogadores no Porto, para estes se valorizarem. E a prova disto é a forma como um treinador sem currículo se comporta, pois sabe que tem as costas quentes. 
Esta nova realidade no Porto, uma espécie de Braga em versão grande, ou "Valência" português (foi o fundo que todos conhecemos que colocou Nuno Espírito Santo em Espanha, um treinador que também não passa pela cabeça de ninguém que pudesse passar de um Rio Ave para um dos maiores clubes espanhóis, sem que houvesse interesses extra-desportivos por detrás disso), é de facto um corte radical com a tradição dos fruteiros, que indicia duas coisas:
  • não há ali nenhuma saúde financeira, pelo contrário, é a fragilidade financeira que os leva a terem de se fazer úteis a terceiros;
  • o protagonismo de Lopetegui só comprova o vazio de liderança que existe actualmente no Porto. Um protagonismo que implica a secundarização, e até a marginalização dos jogadores que já estavam no plantel, porque urge valorizar as novas contratações de espanhóis. Para se saber quem manda no Porto, é só seguir o dinheiro.
Mas é claro que enquanto a equipa for ganhando, os fruteiros não se chateiam nada. Só aqueles que forem um pouquinho mais lúcidos acharão que a "esmola" é grande.

Parece-me que este comentário assenta que nem uma luva ao que é o Porto 2014/15, e levanta uma série de questões muito interessantes.

O fracasso desportivo da época passada teve consequências que se estenderam a outras dimensões da vida do clube: a financeira, fruto de uma política de aquisições desastrosa em que dezenas de milhões foram gastos em jogadores sobre-valorizados (e que poderá ter estado na origem do pedido de demissão de Angelino Ferreira); e a política, pois ajudou a alimentar uma luta pela sucessão que pôs à vista de toda a gente debilidades na liderança de Pinto da Costa que seriam impossíveis de imaginar uns anos antes. Estas questões financeiras e políticas ajudam de facto a explicar esta abertura do clube à "intervenção externa" que estamos a assistir desde maio.

Admito que haja quem possa discordar do diagnóstico, mas creio que há uma coisa que é indesmentível: pela primeira vez na sua longa presidência, Pinto da Costa sentiu não ter condições de inverter uma situação desfavorável sem recorrer de forma tão óbvia a ajudas exteriores à sua "super-estrutura".

Duvido que alguém imaginasse - e muito provavelmente a própria estrutura portista - que as mudanças fossem tão profundas. Já com Lopetegui a bordo, o Porto começou por abordar o mercado na linha tradicional de contratações que caracteriza o clube: Opare, Ricardo, Sami e Evandro foram os jogadores que entraram em maio, a custo 0 ou por valores reduzidos. A partir de junho, tudo se alterou e passámos a assistir a um avalanche de jogadores provenientes de Espanha e altamente subsidiados por terceiros (em que Martins Indi foi a exceção) - todos enquadrados na ideia que o treinador tem para o futebol do clube (onde estão os trincos?), e nenhum tendo em vista a típica rentabilização financeira a médio prazo que tem sustentado as contas do Porto ao longo da última década.

São vários os sinais que indicam que "alguém" aproveitou para tomar de assalto o Porto e, como é evidente, quem investiu nesta equipa de futebol não será afastado facilmente ao fim de um ano de sucesso desportivo. Esqueçam os €35M gastos pelo clube: os 12 jogadores que apareceram desde junho - entre os valores cobertos pelo Porto, pelos fundos, comissões, salários e outros favores que foram cobrados para os trazer para Portugal - valem em conjunto muito mais do que isso.

É natural que se pergunte se não estaremos perante mais um caso de colonização de um clube por parte de entidades externas. O modus operandi é conhecido. Primeiro de forma mais discreta com o Rio Ave e Braga (repositórios de jogadores a aguardarem melhores colocações - é ver a dança de jogadores que tem havido nas últimas semanas), e depois mais ou menos à descarada com o Mónaco e o Valência (destinos apetecíveis enquanto os seus responsáveis estiverem dispostos a investir milhões). No caso destes últimos dois clubes, que também tinham os seus presidentes e respetivas "estruturas", viram aos poucos os cargos de influência a ser ocupados por figuras da confiança do verdadeiro homem do leme (Luís Campos e Leonardo Jardim no Mónaco, Carlos Carneiro e Nuno Espírito Santo no Valência), e os presidentes foram-se transformando progressivamente em figuras mais ou menos decorativas, em que a única coisa que podem controlar é a quantidade de cheques que passam para ajudar a manter o dinheiro a circular. 

Estamos todos a ver o que se está a passar com o Mónaco: no final da época passada, o proprietário quis reduzir o ritmo de investimento na equipa de futebol (e não desinvestir, ao contrário do que se pensa) depois de se aperceber que o mercado monegasco nunca poderia competir com o parisiense, e rapidamente a solidariedade do homem do leme se esfumou - apressando-se a retirar do clube os jogadores de maior valia sem que se esforçasse minimamente em substitui-los por alternativas minimamente comparáveis. Bernardo Silva e Matheus Pereira darão bons substitutos de James e Falcao? Vamos ver onde vai acabar o Mónaco este ano.


Voltando a uma das questões colocadas pelo leitor anónimo que fez o comentário central a este post: será o Porto um Braga on steroids ou uma espécie de Valência B? Pelo que se tem visto, apostaria na primeira hipótese.

Não sei se alguém na estrutura portista pensa que poderá retomar as rédeas do clube sem ter que levar com represálias imediatas, mas cá para mim são capazes de vir a ter uma surpresa desagradável.