terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Quem mandatou a Liga?

As Ligas portuguesa e espanhola emitiram ontem em simultâneo um comunicado onde anunciam a contestação na Comissão Europeia da decisão da FIFA e UEFA em banir a partilha de passes de jogadores com fundos (TPO's). Nada de novo - a imprensa internacional já tinha dado a notícia há cerca de uma semana - mas por algum motivo desconhecido só agora foi confirmada oficialmente.

Os textos utilizados nos dois comunicados são praticamente coincidentes, com apenas alguns ajustes à realidade de cada país, mas a argumentação apresentada é absolutamente surreal, com especial destaque para estes parágrafos:
Esta proibição prejudica os clubes, principalmente aqueles com menos recursos económicos, impedindo-os de partilhar as receitas obtidas com os direitos económicos resultantes das transferências dos jogadores profissionais que são da titularidade dos clubes, e gerir assim da forma mais prudente as suas obrigações financeiras. Esta proibição também prejudica a formação de dezenas de jogadores, cujas carreiras profissionais se apoiaram nos recursos humanos, técnicos e económicos de terceiros.
Por último, esta proibição afasta a possibilidade das Ligas Profissionais, como a portuguesa, de terem jogadores que no futuro passam a ser reconhecidos como os melhores jogadores do mundo, diminuindo assim o valor competitivo e financeiro das próprias Ligas.  

Segundo a Liga de Luís Duque, a proibição de partilhas e passes não só prejudica a formação de jogadores como também nos impedirá de termos de jogadores que futuramente poderão ser reconhecidos como os melhores do mundo. 

Luís Duque deve andar distraído: que papel tiveram os fundos no desenvolvimento dos melhores jogadores portugueses da história recente? Nenhum! Quanto muito só atrapalham, pois ao colocarem jogadores estrangeiros nos clubes portugueses apenas estão a tapar o caminho aos jovens da formação que aguardam por uma oportunidade para se imporem nos plantéis principais. Ou seja, só pode estar preocupado com a formação de países que não o nosso.

E está por demonstrar que esta medida afaste a possibilidade de os clubes portugueses poderem contar com jogadores estrangeiros que no futuro possam ser reconhecidos como os melhores do mundo. É verdade que com a atual valorização de jogadores promissores da América do Sul os clubes portugueses não têm meios próprios para os contratar, mas isso deve-se em grande parte ao inflacionamento dos passes em função da ação dos próprios fundos. Com os fundos fora de cena, a procura destes jogadores reduz-se e o mercado acabará inevitavelmente por se ajustar para valores mais razoáveis.

Quanto à argumentação de que esta medida prejudica os clubes: depende dos clubes, não? Será que o Guimarães ou o Paços de Ferreira sentem que é justo ver o Braga ou o Rio Ave a receberem constantemente jogadores que lhes seriam inacessíveis sem a benção de Jorge Mendes? Ou será que para esta liga há clubes que são filhos e outros que são enteados? (pergunta retórica, todos sabemos a resposta)

Há também um outro fator que desaconselha totalmente a utilização dos fundos: a sustentabilidade financeira. Não há clube português que não apresente sistematicamente défices operacionais nos seus R&C's, e apenas conseguem resultados minimamente equilibrados quando obtêm mais-valias através de vendas de jogadores. Ou seja, o que os clubes portugueses precisam é de formar, desenvolver e valorizar os seus próprios ativos para garantir o seu equilíbrio financeiro. Estar a apostar em ativos de terceiros pode compensar desportivamente no curto prazo, mas representa um enorme risco financeiro - e consequentemente desportivo - no médio / longo prazo.

Olhemos para o Porto, que é considerado um exemplo de boa utilização dos fundos: este ano apresentou um orçamento para o futebol a rondar os €71M. Considerando o histórico das contas do Porto, e já contando com a participação na Liga dos Campeões, para não apresentarem prejuízo este ano terão que obter cerca de €55M em mais-valias (números por alto). €25M estão garantidos por Mangala e Defour, faltando ainda €30M. Isto significa que terão que vender mais dois jogadores cujo passe lhes pertença na maioria. Olhando para o 11 do Porto, só poderão ser Jackson, Danilo ou Alex Sandro (Herrera não deve estar ainda suficientemente valorizado), sendo que os dois brasileiros estão a pouco mais de um ano do fim do contrato - provavelmente renovarão, mas à semelhança de Fernando ficarão com um salário milionário, obterão um prémio de assinatura chorudo e eventualmente terão direito a uma percentagem de uma futura venda.

De resto, os habituais titulares do Porto com maior potencial de valorização não pertencem ao clube. Oliver, Casemiro e Tello são emprestados e Brahimi pertence 80% a um fundo. Indi chegou há pouco tempo e Quaresma já está na fase descendente da carreira. E mais cedo ou mais tarde terão que indemnizar um fundo pelo dinheiro que investiram em Reyes, um jogador caríssimo que não se consegue impor na equipa.

E depois de venderem Jackson e Danilo / Alex Sandro, no ano seguinte onde irão arranjar os €50M / €60M de que necessitarão?

Com isto quero demonstrar que se a prioridade dos clubes portugueses não for valorizar os seus próprios ativos, é uma questão de tempo para se colocarem numa situação financeira extremamente delicada. O Sporting, que tão mal utilizou os fundos na era de Godinho Lopes e... Luís Duque, que o diga. Aliás, ainda hoje estamos a pagar por esses erros.

Voltando ao comunicado da Liga, o que eu gostava de saber é quem é que mandatou Luís Duque para tomar esta atitude. Tanto quanto sei, não houve recentemente qualquer reunião dos clubes. Ou já se assume que esta Liga deverá agir sempre como primeira defensora dos interesses de determinados clubes, empresários ou fundos?