terça-feira, 10 de março de 2015

A hipocrisia dominante no futebol português


Ontem, a propósito das infelizes declarações de Rui Quinta, Marco Silva decidiu abrir uma exceção à regra que tem seguido ao longo da época de não comentar as arbitragens. Na análise que fez, referiu três lances em concreto: concordou com a expulsão de Tobias Figueiredo, discordou da 1ª expulsão do Penafiel, e referiu a expulsão injusta de Miguel Lopes contra o Nacional para mostrar que tem sido coerente na sua postura - não comentando as arbitragens mesmo quando tem tido motivos de queixa.

Perante isto, gostaria de destacar três aspetos relacionados com aquilo que o treinador do Sporting disse:

1º: É de louvar a postura de Marco Silva em relação a este tema ao longo da época. É, de longe, o treinador dos grandes com mais razões de queixa de erros de arbitragens. Os critérios que se aplicam ao Sporting não são definitivamente os mesmos que são seguidos para Benfica e Porto. Os números comprovam-no: seja no número de expulsões, na quantidade de adversários expulsos, na quantidade de jogadores ausentes por castigo, nos penáltis contra e a favor, e na enorme facilidade com que os árbitros nos mostram amarelos desde cedo - que contrasta com a impunidade com que outros cometem faltas, começando apenas a ver amarelos quando o jogo já se aproxima do final.

2º: Não vejo ninguém na comunicação social a condenar a atitude recente dos treinadores de Benfica e Porto. Nos últimos meses as conferências de imprensa de Lopetegui e Jesus parecem mais um concurso de carpideiras. Quer tenham razões de queixa, quer não tenham, está garantido um festival de lamentações hipócritas sobre as facilidades de que os outros beneficiam, nunca olhando para aquilo que se passa nos seus próprios jogos.

3º: A atitude de Rui Quinta não é um caso isolado no futebol português. O complexo pedromartinsiano de rebentar de indignação nos jogos do Sporting e manter um silêncio submisso quando são prejudicados contra Benfica e Porto é algo que alastrou a uma enorme percentagem de jogadores, treinadores e dirigentes do futebol português.

Rui Quinta decidiu queixar-se de uma expulsão incorreta de um jogador seu aos 84', mas omitiu o facto de ter sido graças à permissividade do árbitro que acabou a primeira parte com 11. Era esta a análise que o treinador do Penafiel devia ter feito.

É relevante lembrar que Rui Quinta teve bem mais razões para se sentir indignado quando perdeu 3-1 em casa com o Porto. Ainda estão frescos na memória os dois golos irregulares que o Porto marcou e um terceiro que deixou muitas dúvidas. Mas da boca de Rui Quinta apenas saiu isto:


Contra o Benfica, foi a mesma coisa. Tony vê aos 65' um segundo amarelo ridículo por uma falta normalíssima ocorrida junto à área do Benfica...


... e Rui Quinta reagiu assim:


Todos percebem que o futebol português tem dois donos que, direta ou indiretamente, estendem a sua influência tentacular à esmagadora maioria dos clubes profissionais. Não é por acaso que é frequente vermos benfiquistas e portistas a acusarem os adversários de uns e outros de facilitarem nuns jogos e comerem a relva noutros. Assim de repente lembro-me de vários exemplos: este ano já ouvimos os benfiquistas dizerem que Paços, Arouca, Moreirense e Braga ofereceram vitórias ao Porto, e os portistas fazerem o mesmo com o Marítimo e Belenenses.

E na realidade não custa nada acreditar que existe um fundo de verdade nas acusações que se fazem parte a parte: basta ver a diferença do nível de indignação de treinadores, dirigentes e jogadores dos visados quando as coisas lhes correm mal contra um ou outro clube; basta ver as filas que se formam durante os mercados de transferência para pedir jogadores emprestados a Benfica e Porto que depois, nas vésperas de defrontarem esses clubes, arranjam invariavelmente uma lesão que os deixa de fora dessas partidas. 

Se estes clubes, ao defrontarem Benfica e Porto, demonstram níveis de indignação diferentes perante as adversidades e aceitam limitar a utilização do seu plantel (contra as regras em vigor), será que os níveis de empenho que colocam em campo serão sempre os mais elevados quando defrontam os respetivos donos? Não sei a resposta, mas admito que é uma pergunta bastante pertinente.