segunda-feira, 6 de julho de 2015

Imubula / Doyen Sports: umas voltas divertidas

Tradução do artigo da revista francesa Les Cahiers du Football. Podem ver o artigo original aqui: LINK.



Imubula / Doyen Sports: umas voltas divertidas

As complicações da transferência de Giannelli Imbula entre AC Milan, Inter e Porto tiveram um ponto em comum: o fundo de investimento Doyen Sports, presente em diferentes funções nos três clubes, e que desde de ter chegado em 2011 tornou-se um dos principais atores financeiros no futebol europeu.

Se Giannelli Imbula não foi para o Milan ou Inter, deve-se à Doyen Sports. Se ele foi para o Porto, foi graças à Doyen Sports. Se ele for para o Milan daqui a um ano, será graças à Doyen Sports. Como é que um fundo de investimento consegue esta influência no percurso de um jogador, ainda para mais quando a intervenção de entidades destas (TPO) é proibida desde 1 de maio de 2015? Para percebermos, temos que ir aos bastidores dos contratos de jogadores e das transferências.

A saga Imbula / Doyen Sports começa em meados de junho com a luta entre Milan e Inter por Geoffrey Kondogbia. O jogador do Mónaco, chegado ao principado em 2013, faz parte da carteira da Doyen Sports desde que foi para o Sevilha. O fundo de investimento, que o inclui no seu site na área de "Investimento em jogadores", detém 50% dos seus direitos. Ainda que seja uma prática proibida na Ligue 1. Questionado pela presença de jogadores do Mónaco vindos de Espanha e Portugal no regime de TPO, um eminente jurista de futebol disse-nos: "Justifica-se que existam dúvidas sobre o cumprimento da proibição do uso de TPOs neste clube, devido ao seu ambiente muito lusófono. Mas não o conseguimos provar. Porque neste caso nada aparece nos contratos enviados para a liga. Bastaria que as partes envolvidas estabelecessem um contrato privado ou uma contre lettre [1].

Segunda escolha

Em meados de junho, o Milan quis Kondogbia e o negócio parecia bem encaminhado, já que a Doyen Sports funcionara como conselheira de Bee Taechaubol (bilionário tailandês) na compra de 48% das ações do clube rossonero no princípio de junho. Mas numa reviravolta dramática, foi o Inter de Milão que acabou por conseguir Kondogbia. Inter, cujo dono, Erick Thorir (homem de negócios indónesio) é um acionista da Doyen Sports. Kondogbia acabou nos nerazzurri por 40 milhões de euros, duplicando o valor da transferência que o levou para Mónaco dois anos antes. Parece-nos portanto que entre um jogador da carteira da Doyen Sports, o Inter e o fundo onde o presidente do clube é accionista, todas as partes terão encontrado um entendimento comum.

Neste caso houve um dano colateral, Giannelli Imbula, inicialmente seduzido por uma oferta do Inter. No entanto, uma vez concluída a transferência de Kondogbia, o Inter e o seu treinador Roberto Mancini deixaram pendurado o médio marselhês. Imbula já estava escaldado pela sua desventura com o Valência, onde Jorge Mendes, grande inimigo da Doyen desde há um ano, fechou a compra do brasileiro Rodrigo Caio à última hora, fazendo com que a outra transferência abortasse. Rejeitado pelo Valência, mandado passear pelo Inter, Imbula ficou sem destino. E quem chegou em seu resgate? A Doyen Sports, através do Porto.

Mudança estratégica

O clube português é um dos clientes preferidos do fundo de investimento na Península Ibérica, a par de Atlético Madrid e Sevilha. O Porto partiu o seu mealheiro e com 20 milhões de euros fechou a maior compra da sua história, à frente de Hulk (19 milhões) e Danilo (13 milhões). O clube português recorreu à Doyen Sports, com quem já tinham sido parceiros com Falcao, Mangala, Defour e Brahimi. Mas agora em condições diferentes. Acabaram-se os TPOs, que consistem na cedência de parcelas de jogadores a fundos de investimento, prática banida pela FIFA desde 1 de maio. Foi então na qualidade de financiador do Porto para a transferência, e não como investidor, que Nélio Lucas, o diretor geral da Doyen Sports, estava sentado num restaurante do Porto na terça-feira à noite ao lado de Giannelli Imbula.


Com esta transferência, a mais cara da sua história, o FC Porto mudou de estratégia. Até agora, consistia em financiar compras dos jogadores mais caros através da venda de uma percentagem dos seus direitos aos fundos de investimento. Detendo 100% do passe de Imbula, o clube corre um grande risco. O seu equilíbrio financeiro já era precário devido aos muito significativos juros dos empréstimos que contraíram. Daqui nasce a tese de uma estadia muito curta do ex-marselhês no Porto, em que uma transferência no próximo verão parece ser a hipótese mais plausível.

Inclinação escorregadia

Esta saída já é dada como certa por Gianluca Di Marzio e Luca Marchetti, jornalistas da Sky Sports Itália. Disseram que Nélio Lucas, o diretor geral da Doyen Sports, tinha "colocado" Imbula no Porto prometendo-lhe que no ano seguinte irá para o AC Milan. Será também para compensar o falhanço de Kondogbia? Kondogbia para o Inter no verão de 2015 por 40 milhões, Imbula para o Milan no verão de 2016 por 50 milhões (o valor da cláusula de rescisão)? Imbula espera portanto pela sua vez para entrar na grande máquina de lavar. O ex-jogador do Guincamp ficou à espera, na noite de terça-feira no Porto, enquanto o clube transferia Jackson Martinez para o Atlético Madrid por 35 milhões e Danilo para o Real Madrid por 31 milhões, antes de poder assinar o seu contrato. Duas transferências que Jorge Mendes arranjou entre três (Porto, Atlético Madrid, Real Madrid) dos seus numerosos clubes amigos. Porque o FC Porto é um entreposto* onde, de uma forma tácita, o super agente e a Doyen Sports esquecem as suas divergências.

* Nota de tradução: coloquei "entreposto" como uma tradução livre do termo original do texto gare de triage, que é o local na ferrovia onde os vagões de mercadorias ficam a aguardar pelo comboio que os levará para o seu destino.

Todo um cenário rejeitado por Ndangi Willy, o pai de Giannelli Imbula, que declarou no L' Equipe de 29 de dezembro de 2014: "Um mês antes de Giannelli assinar pelo Marselha tive uma reunião com uma delegação do Chelsea. Mas as pessoas queriam o controlo do jogador por cinco anos. Olhamos para o sistema Kondogbia, Mangala, etc... Recusei o dinheiro (1 milhão de euros) (...) O jogador tem que ser livre, ele deve controlar a sua carreira e salário. Eu não quero que o Giannelli tenha uma trela à volta do pescoço". Ele assinou finalmente com Porto a 30 de junho, o clube que apareceu bem atrás de Valência, Milan e Inter, todos desde o início do mês, e por esta ordem de preferência. Umas voltas bem divertidas.

Quem é a Doyen Sports

Presentes sobretudo no Atlético Madrid, FC Sevilla, Sporting Gijón, FC Porto, AC Milan e Inter de Milão, a Doyen Sports é uma subsidiária do Grupo Doyen, que se apresenta como um investidor privado a operar nos mercados emergentes. A holding está sediada em Istambul, a divisão financeira em Londres (Doyen Capital LLP) e a divisão desportiva (que funciona desde 2011) em Malta (Doyen Sports Investment). Entre os principais investidores dentro do Grupo Doyen estão o turco Fettah Tamince, proprietário da cadeia Rixos Hotels e da Stars Media Group. Tamince é colocado como estando ligado a Recep Erdogan, o presidente turco. Em abril de 2013 Tamince vendeu 50% das suas ações da Stars Media Group à SOCAR, a empresa petrolífera estatal do Azerbaijão. Três meses depois, o Azerbaijão passou a ser o patrocinador das camisolas do Atlético Madrid, sucedendo ao Grupo Rixos Hotels.

O clube de Madrid é uma das estrelas principais da galáxia Doyen Sports. Diego Simeone, o treinador, é indicado pelo site da Doyen Sports como uma das suas estrelas do futebol internacional, a par de Neymar, Xavi e Januzaj. Tevfik Arif (cazaque / turco) é outro investidor do Grupo Doyen. Ele é o fundador do Grupo Bayrock, sediado em Nova Iorque (investimento imobiliário em parceria com Fettah Tamince e Donald Trump). Erick Thorir, o proprietário do Inter de Milão, magnata indonésio da comunicação social, é outro investidor conhecido da Doyen. Todos os outros mantêm-se cuidadosamente no anonimato.



[1] Uma contre-lettre é um acordo oculto que contradiz, seja por anulação ou correção, as estipulações contidas num acordo público.

[2] Nélio Lucas. o diretor-geral da Doyen Sports é de Coimbra. Depois de ter estudado Comunicação nos EUA, trabalhou para a Creative Artists Agency, uma agência que em 2008 se associou à Gestifute de Jorge Mendes. Lucas entrou no mundo do futebol como assistente de Pini Zahavi, o temperamental empresário israelita.

O essencial das informações sobre a Doyen Sports são provenientes do livro Gol Di (edições Clichy) e dos artigos da calciomercato.com de Pippo Russo, académico e sociólogo italiano especialista reconhecido na descodificação do funcionamento da economia do futebol.