quarta-feira, 22 de julho de 2015

Simplesmente lamúrias de despeitados?


Ao longos das 6 épocas em que Jorge Jesus foi o treinador do Benfica, não foram muitos os casos de jornalistas e comentadores que se atreveram a criticar de forma continuada aquele que para a maioria era o Mestre da Tática. Existiram alguns, é certo, mas muito longe da legião de profissionais da comunicação social que agora vasculha arquivos e os cantos mais recônditos da memória para encontrar as falhas que foram sendo cometidas pelo novo treinador do Sporting.

Parece evidente que se encontra em curso uma espécie de processo de redefinição da história dos últimos 6 anos do futebol português, na qual se identificam os seguintes objetivos primordiais:

  • Responsabilizar o treinador pelos inúmeros flops que passaram pelo Benfica durante a sua liderança técnica - a peça escrita por António Varela no Record é disso um excelente exemplo.
  • Minimizar a importância do técnico na valorização dos jogadores vendidos por quantias elevadíssimas, atribuindo-as sobretudo ao talento inato dos atletas e menos à evolução que registaram com Jesus como seu treinador.
  • Atribuir a falta de aposta da formação do Benfica nos últimos anos unicamente a algum tipo de aversão de Jorge Jesus em relação aos jovens do Seixal, apesar dos desejos em sentido inverso do presidente.
  • Passar a ideia que o bicampeonato foi sobretudo obra da estrutura benfiquista, quase como se Jesus não fosse mais que um figurante que calhou estar no clube no momento certo - e não há melhor exemplo que as peças propagandistas de Nuno Luz e da SIC sobre Luís Filipe Vieira.

O engraçado é que não demorou para que a própria atualidade começasse a contradizer esta nova narrativa. Por exemplo, se foi Jesus que correu com Ivan Cavaleiro do Benfica, por que motivo os responsáveis encarnados não o resgataram logo no momento em que o Corunha não acionou uma das tais cláusulas que para lá andavam? Ou então, se era Jesus que forçava Vieira a contratar em quantidades industriais a ponto de o Benfica parecer mais um entreposto do que um clube de futebol, que dizer do facto de (para já) existirem 4 jogadores (Dálcio, Pelé, Murillo e Diego Lopes) que entraram e saíram do clube sem sequer fazerem uma partida amigável para amostra?

Isto, claro, para não falar nas operações estratégicas para o clube como aquela que esteve na origem da contratação de Fariña, que vai agora cumprir o terceiro ano consecutivo de empréstimo sem sequer ter tido hipóteses de treinar com Rui Vitória. Também era Jesus que as impunha?

E onde entra o tão elogiado departamento de prospeção do clube? Será que esse departamento é responsável apenas pelos casos de sucesso como Ramires, Di Maria, David Luiz, Witsel, Gaitan ou Enzo, e não tem nada a ver com as toneladas de entulho que foram chegando ao clube todos os anos?

A mim parece-me que a verdade estará algures pelo meio. Jesus não é a máquina infalível que muitos tentaram fazer crer (e começando pelo próprio treinador, diga-se de passagem), mas não é seguramente o incompetente que os fiéis comentadores e jornalistas andam agora a tentar convencer-nos que é. A minha esperança (e convicção) é que Jesus é um treinador muito acima da média - seguramente o melhor que o Sporting poderia aspirar a contratar - com uma lista de defeitos bastante inferior à lista de qualidades, da qual a realização de milagres não faz parte.

Durante 5 anos foi tremendamente conveniente a Vieira colocar os holofotes do protagonismo em Jorge Jesus. Foi sempre aparecendo nos momentos bons para capitalizar a sua quota-parte de mérito, mas aproveitou a visibilidade do treinador para se esconder nos maus momentos e ir manobrando nos bastidores de forma a consolidar o seu poder: primeiro no Benfica, blindando os estatutos numa altura em que os sócios estavam (justificadamente) embriagados pelo grande futebol que a equipa praticava e em vésperas da conquista do segundo título em 16 anos; depois, no futebol português propriamente dito, conquistando uma rede de influências aproximada àquela de que o Porto desfrutou durante décadas.

Parece-me que no final de 2013/14, depois de o Benfica limpar todos os títulos nacionais e de se ter consolidado como poder principal nos bastidores do futebol, Vieira sentiu-se suficientemente confiante para assumir o estrelato como figura principal e incontestada do Benfica. O efeito imediato foi a tal razão que Jesus deu como principal motivo pela não renovação: já não se sentia tão desejado. Porque Vieira sentia-se pronto para testar a robustez da máquina que montou, provando que consegue ganhar independentemente do treinador. O último passo que lhe falta para ser o Pinto da Costa dos próximos 20 anos. A história do pupilo que um dia supera o seu mentor.

E é essa a narrativa que deveremos esperar durante os próximos meses. Retirar a Jesus o protagonismo que lhe foi dado com efeitos retroativos, em favor de Vieira e da estrutura. Muito por causa da inesperada desfeita que o treinador fez a Vieira e aos benfiquistas ao optar por seguir a carreira num rival, também para reconfortar os sócios e adeptos de que a fórmula da vitória afinal se mantém intacta, mas sobretudo porque é essa a ambição do presidente. Tivesse Jesus seguido para o médio oriente e estaríamos a assistir ao mesmo, mas de uma forma mais discreta e menos descarada.

Os portistas têm o seu NGP. O ego de Vieira não exige menos que isso em relação aos benfiquistas.