segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A entrevista a Jorge Jesus

Há que dar os parabéns aos jornalistas do Record pela entrevista a Jorge Jesus que o jornal publicou na edição de ontem. Dez páginas de perguntas pertinentes e respostas diretas e esclarecedoras que se lêem sem qualquer esforço, dada a relevância e interesse dos temas. Como é evidente, ajuda que o entrevistado tenha interesse em colaborar, respondendo de forma franca sem fugir às perguntas, mesmo as mais delicadas. Praticamente nenhum assunto ficou por abordar - assim de repente só me lembro de uma pergunta que tenha ficado por fazer, mas na realidade serviria apenas para tirar a limpo uma curiosidade sobre a qual tenho uma opinião totalmente formada.

Deixo de seguida alguns comentários que tenho a fazer sobre a entrevista, seguindo a ordem que o Record usou para estruturar a entrevista.


A saída do Benfica

Em primeiro lugar, tenho que declarar que não me incomodam as múltiplas referências feitas ao Benfica. Apesar de muitas dessas referências resultarem de perguntas diretas (que se impunham) sobre a mudança de clube e os vários casos de conflito com o Benfica já com a época em andamento (caso dos SMS e do salário em atraso), também foram várias as ocasiões em que Jorge Jesus usou o Benfica como termo de comparação sem que fosse induzido a isso pelos entrevistadores.

Nada de estranho, na minha opinião. Não se apaga facilmente 6 anos de trabalho de grande dedicação e intensidade que corresponderam, até à data, aos mais importantes da sua carreira como treinador. Para além disso, é o único clube por onde Jesus passou que serve de termo de comparação a um emblema com a história e ambição do Sporting. Será normal que no futuro, à medida que Jorge Jesus vá escrevendo a sua história em Alvalade, que passe a ter menor tendência de recuperar os anos de trabalho no Benfica - que naturalmente neste momento ainda estão bastante frescos.

Quanto ao processo de saída do Benfica, Jesus confirmou na primeira pessoa aquilo que já se sabia. O Benfica não tinha real interesse na sua continuidade, procurando no entanto encaminhá-lo para fora do país. Não tendo convites de clubes de dimensão de topo ao nível europeu, Jesus dava prioridade a permanecer em Portugal. Revelou no entanto que estava sobretudo à espera de um convite do Porto, que no entanto acabou por não acontecer. A oportunidade de assinar pelo Sporting apareceu de forma tão rápida quanto inesperada.

Foi nesta parte da entrevista que na minha opinião ficou a faltar uma pequena pergunta: se efetivamente Godinho Lopes o teria tentado contratar no princípio de 2013.


A Supertaça

Jesus admitiu que havia muito em jogo na Supertaça, pela motivação que poderia gerar no Sporting e pela desconfiança que poderia semear no Benfica. Confirmou que as afirmações feitas na entrevista à RTP e na conferência de imprensa poucos dias antes da partida - nomeadamente a frase o "cérebro" e o aproveitamento das suas ideias por parte de Rui Vitória - eram uma tentativa de levar o treinador adversário a mudar o mais possível em relação à equipa da época passada. Tentativa bem sucedida, na sua opinião.

Revelou também um pormenor em que ninguém reparou: no final não subiu ao palco para receber a sua medalha, por uma questão de respeito para com os jogadores do Benfica.

Em relação ao episódio dos SMS, voltou a afirmar que se tratou de uma ação de contrainformação - tema recorrente na entrevista - levada a cabo pelo Benfica. No caso do salário em atraso, refere que se trata de uma estratégia de desestabilização montada por João Gabriel e Paulo Gonçalves, e que não tem dúvidas que daqui a uns anos irá receber o valor que tem em atraso acrescido de juros.


Os erros de arbitragem

Curiosa a abordagem de Jesus a este tema. Repetiu que os vários erros nas competições nacionais não constituem uma perseguição por poderem ser diluidos por diversas pessoas - fiscais-de-linha, etc. - mas deixa a entender que o que se passou na Liga dos Campeões está diretamente relacionado com a Gazprom e o facto de se tratar de uma equipa russa. Ou seja, para já ainda prefere uma postura de não confrontação com a arbitragem nacional.

Em relação à necessidade de o futebol recorrer ao vídeo-árbitro para melhorar as decisões das equipas de arbitragem, mostrou-se completamente alinhado com Bruno de Carvalho.


A eliminação da Champions

Reconheceu que, para além dos erros de arbitragem, existiram culpas próprias na derrota. Culpas do coletivo, entenda-se. Jesus voltou a referir que não via necessidade de mexer na equipa mesmo considerando que existiam jogadores fisicamente de rastos. Referiu que poderia ter feito uma substituição mais cedo se tivesse no banco algum médio com as mesmas características dos que estavam na altura em campo.


As contratações e o plantel

Assumiu a responsabilidade da contratação de todos os jogadores que entraram no clube após Bryan Ruiz, incluindo o flop Ciani. Pela forma como se referiu a Van Wolfswinkel e Mitroglou, seriam jogadores que lhe agradaria ter caso o clube conseguisse contratá-los em circunstâncias favoráveis - principalmente o holandês. Danilo e Douglas foram os únicos jogadores não contratados que realmente queria ter no Sporting.

Aproveitou a ausência de grande parte do plantel nas primeiras semanas de trabalhos para testar todos os jogadores com vínculo ao clube, de forma a poder tomar decisões informadas sobre quem ficaria e quem seria dispensado. 

Mostrou-se satisfeito com os jogadores que tem à sua disposição, dispensando-lhes palavras encorajadoras em relação à forma como têm assimilado as suas ideias. Referiu que o principal problema dos jogadores que o Sporting já tinha não é a falta de qualidade técnica, mas a falta de uma mentalidade e cultura de exigência compatível com a ambição de ser campeão.

Referiu também que William Carvalho e Ewerton serão duas grandes aquisições para o plantel, assim que fiquem clinicamente aptos.


A relação com Bruno de Carvalho

Ao longo da conversa o treinador foi referindo a existência de uma total sintonia com o presidente. Mas o melhor momento da entrevista, na minha opinião, foi mesmo aquele que foi dedicado à relação entre Jesus e Bruno de Carvalho. que vou deixar aqui ao lado para que quem ainda não teve a possibilidade de ler o possa fazer. Vale mesmo a pena. Tanta coisa dita em tão pouco espaço. E imagino o melão imenso que o que está nestas linhas deverá causar aos Rodolfos & Ritas da vida.


Os objetivos para a época

Em relação ao campeonato, Jesus reafirmou o objetivo de lutar pelo campeonato até ao fim. Pelo que me parece, Jesus considera crítica a primeira metade do campeonato, pois é uma altura em que a equipa estará mais vulnerável: não só porque ainda lhe faltam alguns elementos fundamentais, mas também porque espera que na segunda volta a equipa esteja bastante mais forte.

Segundo Jesus, essa melhoria passará tanto pelas rotinas que se irão criar ao longo do tempo - que evitarão erros como os que aconteceram nos golos do CSKA - mas também pelo trabalho individual que está a ser feito com os jogadores para desenvolver aspetos mais fracos do seu jogo.

Jesus referiu também que tem o objetivo de chegar à final da Liga Europa, apesar de estar consciente da dificuldade da competição.


O futuro

Jesus deixou grandes elogios a Gelson Martins, referindo que é o jogador de formação com mais talento que lhe passou pelas mãos. Não obstante poder ser já útil à equipa em determinadas circunstâncias, antevê uma explosão que fará dele um jogador muito acima da média dentro de um a três anos.

Colocou também Bruno Paulista nesse patamar. A sua contratação foi feita já a pensar no seu desenvolvimento para que num futuro não muito distante possa ser um titular indiscutível da equipa.

Mostrou-se também agradavelmente surpreendido pelo que viu de Rúben Semedo e João Palhinha. Não surpreenderá, portanto, se ambos os jogadores forem integrados no plantel principal na próxima época.