sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Caiu o mito dos 14 milhões de benfiquistas

Pois é... a vontade de ir ao pote foi tão grande e tanto o excesso de confiança, que acabou por ser o próprio Benfica a dar o empurrão decisivo para que o mito dos 14 milhões de benfiquistas, que tanto se esforçou para criar, fosse definitivamente destruído.


O mito foi criado a 29 de abril de 2005 numa apresentação feita à comunicação social por responsáveis do clube. Nesse dia, em pleno estádio da Luz, foram divulgados os números que hoje são um dogma para qualquer benfiquista. No entanto, os dirigentes benfiquistas tiveram o cuidado de colocar uma espessa cortina de fumo sobre as fontes utilizadas para a obtenção desses resultados: não referindo qualquer obra ou estudo em concreto, atribuindo a responsabilidade a um(a) tal de Vox Populi - que no mundo das sondagens e estudos de opinião é um termo encontrado recorrentemente -, e envolvendo múltiplas entidades de forma que a confusão fique lançada sobre quem exatamente obteve que números.

O objetivo desta manobra parece claro: colocando uma única fonte, concreta e bem identificada, seria fácil chegar até ela e questionar os dados divulgados. Havendo várias fontes metidas ao barulho, algumas das quais oficiais, e não se entrando em grandes pormenores, todo o nebuloso arranjo ficava com um ar suficientemente robusto para não ser questionado por qualquer uma das entidades envolvidas no futuro mais imediato. Uma vez passados alguns anos, seria virtualmente impossível esclarecer a origem de tal número.

Para além disso, o momento da divulgação deste estudo não foi escolhido ao acaso. À semelhança da polémica mudança de estatutos que Vieira usou para blindar o acesso à presidência - votada em AG por cerca de 100 sócios 2 dias antes do jogo do título de 2009/10 -, também o mito dos 14 milhões de benfiquistas foi lançado numa altura em que as distrações no mundo do futebol eram mais que muitas. O Porto estava mergulhado no escândalo do Apito Dourado (poucos meses antes Pinto da Costa tinha fugido para Vigo para escapar à prisão), o Sporting estava concentrado na luta pelo campeonato e Taça UEFA, e o Benfica estava, a quatro jornadas do fim, numa posição privilegiadíssima para conquistar um campeonato ao fim de onze anos de jejum.

Resultado: não foi dada na altura grande importância à descoberta de 14 milhões de benfiquistas, com exceção de uma ou outra paródia pontual.


Os anos passaram e foram-se perdendo os (poucos) detalhes da rastreabilidade do estudo. Os 14 milhões transformaram-se numa espécie de lenda que passa de boca para boca, sem que alguém soubesse exatamente qual era a real origem desse número.

E assim continuou até que, há duas semanas, os advogados e dirigentes do Benfica meteram a pata na poça. Tanta foi a vontade de desestabilizar Jesus e o Sporting, que decidiram passar para a Sábado os detalhes do processo que irão interpor contra o treinador - incluindo a base da fundamentação da indemnização de 14 milhões de euros. Finalmente, ao fim de tantos anos, surgiram nomes. De um livro, de empresas concretas, de pessoas. O Benfica tinha acabado de especificar aquilo que nunca antes tinha sido especificado. Uns dias depois, Pedro Guerra, com a preparação zelosa que se lhe reconhece, fez no programa Prolongamento um longo e eloquente discurso laudatório das bases científicas do estudo, da credibilidade dos institutos públicos envolvidos, e da reconhecida competência dos coordenadores do projeto.


Uma vez havendo algo por onde pegar, a Sporting TV não perdeu tempo e encontrou um dos autores do estudo, Jorge de Sá, que não só afirmou categoricamente que o seu estudo não inclui qualquer capítulo sobre o número de benfiquistas existentes no mundo, como também disse de forma clara e inequívoca que os números apresentados pelo Benfica não têm qualquer base científica sólida.




Também Rui Oliveira e Costa, especialista em sondagens - e que não é pessoa para inventar conversas só para chatear rivais -, acrescentou no passado domingo alguns dados novos a toda esta questão.



Concluíndo: é impossível demonstrar quantos benfiquistas, sportinguistas, portistas ou vimaranenses existem pelo mundo fora. Os 14 milhões de benfiquistas são comprovadamente uma farsa criada pelos dirigentes benfiquistas, presumivelmente com o objetivo de inflacionar o valor da marca do clube. Da mesma forma que durante anos reclamaram ter um número de sócios inexistentes, ou da mesma forma que inflacionam o número de espectadores no estádio quando as assistências ficam aquém do desejável. Há que reconhecer que a mentira funcionou.

P.S.: perante o trabalho feito pela Sporting TV no esclarecimento do tema, não consigo compreender por que motivo José de Pina não confrontou Pedro Guerra com as palavras de Jorge de Sá - precisamente um dos autores que o próprio Guerra tinha usado na semana anterior para legitimar a existência de 14 milhões de benfiquistas. Pina tinha a papinha toda feita, só tinha que puxar dos talheres. Desperdiçar argumentos destes na altura em que as relações entre os dois clubes são o que são, foi de um amadorismo atroz. É não compreender o que os sportinguistas pensam e sentem. Alguém acredita que, se os papéis estivessem invertidos, algum paineleiro benfiquista deixaria de utilizar uma arma deste calibre? Esperava (e espero) mais de José de Pina. Gostava muito de o ver no Futebol de Perdição, mas tem que perceber que se quer defender convenientemente o Sporting, terá que se preparar bastante melhor daqui em diante.