quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Potenciação do negócio, demagogia e número de sócios

Há cerca de uma semana, o MaisBastidores debruçava-se sobre o acordo milionário de direitos televisivos do Benfica com a NOS, e a conversa acabou por se direcionar para aquilo que Porto e Sporting poderiam fazer para tentar melhorar os seus contratos.

Rui Pedro Braz, com a delicadeza que lhe é habitual quando fala do Sporting, apontou de imediato o caminho a seguir: 


Para o comentador da TVI, o caminho a seguir passa por potenciar a dimensão de negócio, de forma que se abram determinadas portas que atualmente estão fechadas para o Sporting. A partir destas palavras subentende-se que o que Rui Pedro Braz quer dizer é que o Sporting precisa de ser um emblema institucionalmente mais sério e credível, implicando necessariamente o fim da demagogia que existe no clube. E usa como exemplo de demagogia a comparação que Bruno Carvalho fez do número de sócios de Sporting e Benfica.

Vamos por partes.


Potenciar a dimensão de negócio

Aqui tenho que dar razão a Rui Pedro Braz. Se há aspeto em que o Sporting está muitos furos abaixo do Benfica é na relação com o mundo empresarial, e isso reflete-se nos valores de receita obtidos em rubricas como os patrocínios ou a venda de camarotes e business seats. E aqui há que fazer justiça ao Benfica, que durante a última década tem sabido construir e vender a sua marca. Como é óbvio, isso sustentou-se em grande parte nos êxitos desportivos que reapareceram com Jorge Jesus, mas é inegável que existe no Benfica uma estrutura ampla e profissional que não descura nenhum pormenor na relação com potenciais clientes e parceiros.

Como é evidente, ninguém pode exigir à atual direção do Sporting replique num único mandato aquilo que o Benfica demorou uma década a conseguir. Até porque a principal prioridade que esta direção teve que assumir ao entrar em funções - e que acaba por limitar todos os planos de crescimento que possam existir -, foi garantir que continuaria a haver clube. Assegurada a sobrevivência, seguiu-se a criação de condições de aumentar a competitividade da equipa. E a partir daí, passou-se para a luta pela conquista de troféus. Todo um percurso em que não havia margem para errar e onde não era possível saltar etapas.


O fim da demagogia

A questão da demagogia não tem a influência que Rui Pedro Braz refere. A melhor prova disso é o próprio Benfica. Não há no futebol português dirigente mais demagogo que Luís Filipe Vieira, um presidente que garantiu que se demitiria se não atingisse os 300.000 sócios, que prometeu uma equipa para lutar com os colossos europeus (ainda há dois anos disse que ambicionava ir à final), que ameaçou boicotes a competições, que prometeu a espinha dorsal da seleção, que garantiu que tinham acabado os contentores de jogadores a chegar à Luz, que assegurou que tinham acabado as compras de 8 e 10 milhões, que frequentemente renegou e reatou amizades com outros players do mundo da bola em função de interesses nem sempre claros.

Bruno de Carvalho é um presidente frontal, sem medo do conflito, mas em termos de demagogia e populismo é um aprendiz em comparação com Luís Filipe Vieira. Aliás, Bruno de Carvalho de populista e demagogo tem pouco. Nunca prometeu nada que não pudesse cumprir, nunca deixou de dar as más notícias aos sportinguistas sem dourar a pílula, e não deixa de exigir aos sportinguistas que cumpram a sua obrigação de apoiar ativamente a equipa (lembro-me bem, por exemplo, das justas críticas que fez aos sócios por causa da fraca assistência do Sporting - Nacional para as meias-finais da Taça de Portugal da época passada).

Luís Filipe Vieira nunca criticaria uma assistência fraca na Luz. Mandaria simplesmente ajustar a assistência oficial para o dobro, para não parecer mal. A marca Benfica também se construiu muito à base de expedientes deste tipo - outro bom exemplo é o famoso estudo dos 14 milhões, supostamente com a chancela do INE e da Secretaria de Estado das Comunidades, e que hoje sabemos ser uma enorme mentira.

Por cá há o hábito de se confundir demasiado conflitualidade com demagogia. Uma coisa não implica necessariamente a outra.


A comparação do número de sócios de Sporting e Benfica

Aqui temos uma performance vintage de Rui Pedro Braz, recheada de incorreções, omissões e falta de honestidade intelectual, que no fundo são a sua imagem de marca quando sai em defesa da sua dama, o Benfica.

Não me lembro se Bruno de Carvalho disse que a diferença de sócios entre Sporting e Benfica era apenas de 10.000. Mas vou dar de barato que Bruno de Carvalho disse isso. Os números de associados são do conhecimento público e o presidente não quereria mais que apontar a grande aproximação que existe entre os dois clubes.

De facto a diferença no número de sócios é superior a 10.000. Mas não é assim tão superior como se quer fazer querer.

Rui Pedro Braz falou na renumeração dos sócios do Benfica que foi realizada neste defeso, mas esqueceu-se de referir que o Sporting também fez uma renumeração este verão. A diferença é que a renumeração do Sporting foi rápida e eficaz, com os sócios a receberem rapidamente a informação do novo número e o novo cartão em casa. No Benfica este processo ainda está em curso, mas sabe-se que o número de sócios caiu de cerca de 270.000 para 157.000.

Rui Pedro Braz referiu também que os valores de quotizações revelados nos relatórios e contas demonstram que a diferença de sócios é maior. Mais um erro. Se o comentador tivesse olhado para o relatório e contas do Sporting, teria visto isto:


Na realidade, não existe qualquer referência às quotizações no relatório e contas do Sporting. Isto é assim porque a SAD recebe 0: a totalidade das quotizações dos associados fica no clube. O Benfica seguiu recentemente o exemplo do Sporting, mas até 30 junho de 2015 a SAD do Benfica ficava com 25% das quotizações - e os restantes 75% ficavam no clube. No relatório de 30 de junho, o Benfica declarou os seguintes valores de quotizações:


Ou seja, o total das quotizações do Benfica em 2014/15 foi de €10,308M. No Sporting só é possível saber o valor tendo acesso ao relatório e contas do clube. De qualquer forma, o último relatório e contas do Sporting (clube) nunca poderia servir para uma comparação fiável de número de sócios com o Benfica. Isto por causa do enorme sucesso que foi a campanha Sócio num Minuto, que arrancou em novembro de 2014, e também a existência de uma modalidade recente de quota intermédia (€6 mensais, ou seja, metade do valor da quota normal) desde o final de 2013.

Em novembro de 2014, quando a campanha arrancou, o Sporting tinha 116.000 sócios. Entretanto realizou-se a renumeração, que eliminou das listas cerca de 6.000 sócios. Em dezembro de 2015 o Sporting já ultrapassou os 131.000 sócios. Ou seja, em 13 meses, o Sporting angariou pelo menos 21.000 sócios (pode ter recuperado outros antigos sócios a quem foram atribuídos números em função da sua antiguidade), muitos dos quais seguramente optaram pela modalidade intermédia. Como é evidente, estes novos sócios não pagaram quotas a época inteira, pelo que o valor do relatório e contas anual do clube não poderia servir para perceber quantos sócios existiam à data.

O orçamento do Sporting (clube) para 2015/16 prevê um total de quotizações de €7,3M, mas se se cumprir a norma das últimas épocas a previsão pecará por defeito, pois as receitas reais de quotização têm superado sistematicamente o valor orçamentado. E considerando a contínua resposta dos sportinguistas à campanha de novos sócios, não será arriscado pressupor que o Sporting ultrapassará esse valor. Nunca esquecendo que o valor de quota média do Sporting é inferior à do Benfica, o que significa que o Sporting precisará de mais sócios que o Benfica para atingir um valor de quotização idêntico.

É possível que Rui Pedro Braz não se tenha apercebido, mas naquilo que depende diretamente dos sócios e adeptos, o Sporting obteve números idênticos aos do Benfica. Por exemplo, em 2014/15 o Sporting faturou mais dinheiro em lugares de época que o Benfica. Na bilheteira normal o Benfica foi superior, mas beneficiou de uma liderança isolada no campeonato durante uma grande parte da época. Ao que tudo indica, se a época desportiva atual mantiver as tendências registadas até agora, os valores de bilheteira serão bastante mais equilibrados.

Concluindo: eu ainda sou do tempo em que o Benfica afirmava ter mais que o dobro dos sócios do Sporting. Que raio, até um bebé de seis meses é do tempo em que o Benfica tinha o mais que o dobro dos sócios do Sporting. Hoje, o Sporting pode não ter menos 10.000 sócios que o Benfica, mas a diferença não é assim tão superior. E a tendência é para diminuir.