quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Não apareceu a chuva, sobrou a serenata

É difícil decidir por onde começar a comentar o jogo de ontem, tal foi o brilhantismo da exibição do Sporting no Bonfim. Domínio absoluto e sufocante a partir dos dez minutos, recheado de movimentações dinâmicas e trocas de bola rápidas e incisivas que tornavam aparentemente fácil a tarefa de entrar na área adversária e causar ocasiões de grande perigo. Resultado: marcaram-se 6 golos, mas podiam ter sido mais. Bastantes mais. 

Do outro lado do campo, Rui Patrício foi um espectador privilegiado. O Sporting conseguia recuperar a bola quase sempre no meio-campo do Setúbal. Nas poucas vezes em que a equipa da casa chegou com a bola controlada às imediações da área do Sporting, a linha defensiva esteve sempre concentrada e coordenada, matando as iniciativas através de antecipações bem medidas ou colocando os avançados adversários em posição de fora-de-jogo. Tirando os primeiros 5 minutos - em que o Setúbal ainda chegou perto da baliza de Rui Patrício com algum perigo -, o Sporting não deu qualquer chance ao adversário de acreditar sequer que era possível marcar um golo.

Foi uma exibição empolgante, imprevisível e personalizada, a roçar a perfeição.



Positivo

A nota artística - não há como discordar: assistimos a uma avalanche de bom futebol. Foi uma autêntica delícia ver aquilo que os jogadores nossos criavam com a bola nos pés. O mais extraordinário é que essa criatividade raramente se revelou através de iniciativas individuais. Foi sempre em equipa que se procurou causar desequilíbrios, e foi em equipa que o jogo se resolveu.
16'53'' - William ganha um duelo aéreo ➜ mete na direita em João Pereira ➜ adianta para João Mário ➜ temporiza e mete no meio para Adrien ➜ atrasa para William ➜ abre longo na esquerda em Jefferson ➜ de primeira faz um volley para Bruno César ➜ entra na área e cruza ➜ Slimani encosta ➜ 1-0, aos 17'14''. A bola passou por sete jogadores nestes 21 segundos. 
O segundo golo surge a partir de uma iniciativa de João Mário, que faz uma triangulação perfeita com Slimani, com um toque de calcanhar acaba por não conseguir evitar um adversário que é obrigado a aliviar como pode. A bola foi parar aos pés de Bruno César que faz um pontapé fulminante. 
50'55'' - Jefferson interceta um passe comprido rasteiro de um jogador do Setúbal ➜ coloca para trás para Naldo ➜ atrasa para Rui Patrício ➜ alivia para a frente, onde Bryan Ruiz amortece para Adrien ➜ corta para o meio e passa para Bruno César ➜ de primeira, faz um passe para o flanco esquerdo para João Mário ➜ espera pela progressão em velocidade de Ruiz e mete-lhe a bola junto à área ➜ Ruiz centra de primeira para o 2º poste ➜ Slimani cabeceia ➜ 3-0, aos 51'17''. A bola passou por oito jogadores durante esses 22 segundos.
O quarto golo surgiu a partir de uma iniciativa individual de João Mário. Esperava a subida em velocidade de João Pereira pela direita, mas perante a queda do seu marcador direto, decidiu rematar à baliza. Grande pontapé, grande golo. 

O quinto golo surgiu a partir de um canto marcado por João Mário. A bola atravessa a área, sofrendo apenas um pequeno toque em William Carvalho, e Bruno César remata de primeira à entrada da área.
84'05'' - Naldo interceta um lançamento lateral, na linha de meio-campo ➜ faz um passe curto para Aquilani ➜ avança com a bola controlada na direção do flanco esquerdo e solta para a frente para João Mário ➜ rodopia pelo marcador direto e avança na direção da área, com Matheus a acompanhá-lo mais pela esquerda e Aquilani mais atrás ➜ entra na área, vê Aquilani a aparecer à sua direita, fixa o adversário e solta a bola para o italiano ➜ pica a bola pelo lado do guarda-redes ➜ 6-0, aos 84'18''. 

Melhor estreia era impossível - uma assistência e dois golos não é de todo uma má forma de um jogador se apresentar aos adeptos da sua nova equipa. Se houvesse alguém que estivesse a assistir pela primeira vez a um jogo do Sporting esta época, certamente que não imaginaria que Bruno César estava a fazer o seu primeiro jogo, tal foi o nível de entrosamento demonstrado com os seus companheiros. Não se podia pedir melhor estreia.

João Mário - mais um grande jogo do nº 17, na sequência do que já tinha feito no último sábado contra o Porto. Hoje marcou um golo, fez duas assistências, e teve uma atitude muito bonita ao não festejar por respeito ao clube onde alinhou durante seis meses.

Slimani a bisar, mais uma vez - está em grande forma. No espaço de quatro dias marcou quatro golos. Já leva 12 golos marcados em 15 partidas (falhou um jogo por suspensão), e está apenas a 3 de Jonas - tendo o argelino o handicap de não ser o habitual marcador de penáltis.

Uma bancada cheia de sportinguistas - apesar das péssimas condições atmosféricas que se adivinhavam, foram muitos os sportinguistas que demonstraram toda a sua devoção ao clube ao comparecerem no Bonfim. Foram justamente recompensados: não só a chuva deu tréguas durante o jogo, como a única tempestade que se abateu sobre Setúbal foi a do irresistível futebol ofensivo do Sporting.


Negativo

Não havia necessidade - Jorge Jesus tem a personalidade que tem. Não mudou quando assinou para o Sporting. Desde esse momento, tem sido massacrado diariamente pela máquina de propaganda do Benfica. Como tal, o nosso treinador tem o meu apoio (não que ele queira saber disso para alguma coisa, mas ainda assim...) sempre que responde aos que o têm atacado de forma cobarde e desonesta - liderados pelas mesmas pessoas que quiseram afastá-lo do clube e desterrá-lo nas arábias. No entanto, Jesus foi excessivo na resposta que deu ontem a Rui Vitória. Não que Rui Vitória seja um inocente - já teve a sua dose de tiradas infelizes e despropositadas -, mas ninguém sai a ganhar quando determinados limites são ultrapassados. E ontem, na minha opinião, Jesus foi demasiado longe no ataque ao seu colega - porque o é - de profissão. As melhores respostas de Jesus, felizmente, têm sido dadas dentro de campo. E são essas que realmente contam, pelo que não há necessidade de rebaixar Rui Vitória como o fez ontem. Aliás, Jesus acaba por prejudicar mais a sua própria imagem do que a do alvo que procurava atingir.



Como se esta magnífica exibição não fosse suficiente, o Porto acabou por providenciar a cereja no topo do bolo ao empatar inesperadamente em casa com um desfalcadíssimo Rio Ave. Temos agora 4 pontos de avanço sobre os rivais, o que significa que neste momento somos a única equipa dependente de si própria. É agradável saber que passámos a ter uma pequena margem de erro no longo percurso que ainda há para fazer. Que saibamos aproveitar essa margem de erro para cimentar a confiança de uma forma saudável. A próxima prova de fogo é já daqui a três dias.