terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O coreano e os outros

Muito se tem falado de Bruno de Carvalho, o coreano: o déspota que não tolera críticas ou vozes dissidentes, o tirano que ataca de forma ruidosa e imediata todos aqueles que se atrevem ter opiniões diferentes das suas, o empresário falhado que apenas quer garantir um tacho vitalício que lhe permita governar a sua vida pessoal.

Nunca cheguei a perceber se o mérito da criação da figura de Bruno de Carvalho, o coreano, deve ser atribuída a benfiquistas, portistas ou a sportinguistas que não suportam vê-lo na presidência. O que sei é que, numa indústria em que existem vários presidentes mais agarrados ao cargo que uma lapa à rocha - e com um historial de tiques absolutistas bem mais recheado -, é extraordinário que haja quem acuse o líder do Sporting de ser um ditador.

Certamente que não devem ter estado atentos ao futebol português nas últimas décadas.


1. Bruno, o coreano

Qualquer pessoa que ocupe o cargo de presidente do Sporting tem que estar preparado para ouvir críticas ao seu trabalho. Bruno de Carvalho levou esse requisito a um novo limite desde que foi eleito: tem sido alvo constante de críticas - de dirigentes e adeptos dos rivais, de uma falange de comentadores que não consegue esconder a aversão em relação a si e, sobretudo, de uma franja de sportinguistas que nunca conseguiu aceitar a sua eleição.

A verdade é que nunca um presidente foi  tão criticado como foi Bruno de Carvalho. Não conheceu qualquer estado de graça. Foi atacado desde os primeiros dias no cargo, de todos os lados, numa altura em que estava sobretudo empenhado em salvar o clube da bancarrota. Depois disso, nunca lhe perdoaram o facto de não dar a outra face perante insultos e ataques ao clube, ao contrário do que era hábito - por feitio ou incompetência - nos seus antecessores. Passados quase três anos, não podendo ser atacado pela qualidade do trabalho desenvolvido nas vertentes desportiva e financeira, qualquer acontecimento negativo é agora aproveitado pela oposição adormecida para o atacar: a gestão do caso Carrillo, a derrota com a Doyen e, pior do que isso, a ressaca dos poucos resultados negativos que a equipa tem obtido. Normalmente fazem-no através entrevistas explosivas na comunicação social, mas até chegámos ao ponto de ver outdoors a mostrar como elas lhe doyen.

A tudo isto, Bruno de Carvalho tem respondido prontamente - seja nos jornais, seja nas rádios, seja nas televisões, seja em conferências de imprensa improvisadas, seja no Facebook. É agressivo nas respostas? Muitas vezes, quer na forma, quer no conteúdo. Dá troco a pessoas que não justificam a sua atenção? Pode dizer-se que sim. Mas, num país livre que dá liberdade aos cidadãos para darem a sua opinião, era o que faltava se Bruno de Carvalho não pudesse defender-se na mesma medida aos ataques pessoais que lhe são dirigidos. Concorde-se ou não com as acusações, goste-se ou não do estilo do presidente, é um direito que tem. 

A única atitude que, até ao momento, pode ser alvo de dúvidas, é o processo que foi aberto a 31 adeptos e sócios - supostamente por difamações nas redes sociais. Mas não me posso pronunciar sobre isso porque não conheço quem são essas pessoas, nem quais as palavras que estiveram na origem dessa atitude.

Não tenho nada contra o facto de haver uma oposição a Bruno de Carvalho. Até acho desejável. Mas, para mim, não é tolerável que essa oposição só apareça nos piores momentos possíveis, usando argumentos completamente populistas - curiosamente, um dos pecados que normalmente apontam (mal) a Bruno de Carvalho -, e nunca medindo as consequências que isso poderá ter nos interesses imediatos do clube.

Falando por mim, oposição que queira ser credível tem que escolher melhor aquilo que deve criticar e, sobretudo, deve escolher melhor os momentos e a forma dessas críticas.


2. Jorge Nuno, o democrata

Qual o nome que se dá a um regime político em que o presidente é o mesmo há 34 anos e cuja eleição é assegurada sem qualquer oposição? Alguém me consegue indicar o nome de um país em que isto se passe e que seja uma democracia?

Já não me lembro da última vez em que Pinto da Costa teve concorrência numas eleições. Sim, é verdade que o presidente do Porto venceria facilmente qualquer opositor, mas não conheço nenhum outro cargo sujeito a sufrágio que registe há tanto tempo um completo deserto de candidaturas alternativas.

Não vivo no Porto, mas não me admiraria que por detrás dessa ausência de candidatos esteja, em parte, um sentimento muito simples: medo. Lembro-me da comparação que Mourinho fez do Porto a Palermo, da associação dos dirigentes do Porto a uma empresa de segurança ilegal, dos rumores que correm por aí sobre o papel que alguns elementos das claques desempenham para além do apoio à equipa, da célebre agressão a Gomes da Silva, ou de ameaças a jogadores em conflito com o clube. E já que falamos de climas intimidatórios, ainda há pouco tempo vi isto no Twitter:


Creio que estamos conversados em relação a esta democracia. Em qualquer cargo, há gente que concorre mesmo sabendo à partida que não tem hipótese de ganhar. É comum haver candidatos que avançam com outros objetivos: ganhar notoriedade, obrigar que se discutam determinados assuntos, ou já a pensar em futuros atos eleitorais. Neste clube... nada.

Estamos em ano eleitoral no Porto. Alguém acredita que, mesmo que o Porto não ganhe nada pela terceira época consecutiva - cenário inédito nos últimos 30 anos -, vá aparecer algum candidato que concorra contra Pinto da Costa?


3. Luís Filipe, o estadista

Quando falamos na democracia do Benfica, é inevitável falar na alteração dos estatutos que Vieira promoveu poucos dias antes do jogo em que o Benfica poderia acabar com um jejum de 5 anos no campeonato. Numa AG em que participaram cerca de 100 sócios, em clima de euforia pela conquista que se adivinhava, foram aprovadas as seguintes alterações ao processo eleitoral do clube:
  • passou a ser obrigatório que um candidato à presidência do Benfica tenha um mínimo de 25 anos ininterruptos de sócio após os 18 - ou seja, é impossível candidatar-se com menos de 43 anos -, o que excluiu imediatamente da corrida vários potenciais candidatos que na altura se falavam;
  • as centenas de Casas do Benfica (que foram renovadas num mega-projeto que teve Vieira como patrono) passaram cada uma a ter direito a 50 votos e as filiais e delegações a 20 votos;
  • alteração da duração dos mandatos de 3 para 4 anos;
  • deixou de haver número limite de reeleições.

Ou seja, não só Vieira conseguiu eliminar grande parte da potencial oposição, como praticamente garantiu a sua perpetuação no poder.


Sendo o Benfica um clube em que, apesar da sua história recente, ainda existe mais massa crítica que no Porto, é possível que apareçam candidatos dispostos a tentarem a missão impossível de destronar Vieira. Candidatando-se, já se sabe que é provável que aconteça uma de duas coisas: ou acabam por receber um convite para se juntar à lista do atual presidente - como aconteceu com Moniz - ou terão que suportar a maior campanha negativa das suas vidas. A máquina de propaganda, muito bem oleada, não facilitará.

Mas o que mais me chocou nos últimos tempos, foi o que Ricardo Araújo Pereira contou há poucas semanas no programa Governo Sombra. Falamos de uma figura pública cuja paixão pelo clube está acima de qualquer suspeita, e que nunca deu qualquer indicação de um dia querer concorrer a qualquer cargo no clube. Mas como é uma pessoa que pensa pela sua cabeça e cometeu o pecado de discordar publicamente da dispensa de Jorge Jesus, acabou por provocar algumas reações inesperadas:



Se a estrutura dispensa insultos a um adepto que não quer nada do clube que não seja apenas as vitórias da sua equipa, nem imagino o que serão capazes de fazer se aparecer algum candidato às eleições com hipóteses reais de os tirar de lá.

Por isso, continuem. Continuem a falar de Bruno, o coreano, esse ditadorzeco que mancha a saudável democracia que se vive no futebol português. Ficarei a aguardar com interesse como decorrerão as eleições de 2016 de Porto e Benfica.