quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Sporting CP: o 4-1-3-2 duplamente compacto de Jorge Jesus (premièretouche)

Para quem souber ler francês, recomendo vivamente este post do blogue premièretouche (LINK), escrito por Victor Lefaucheux (@Premieretouche), onde é feita uma análise extremamente detalhada da forma como Jorge Jesus abordou as partidas para o campeonato contra Benfica e Porto.

Destaco, em particular, os três vídeos que o post apresenta. São imperdíveis, mesmo para quem não esteja à vontade com o idioma francês (não é falado, aparecem apenas comentários escritos, que acabam por ser fáceis de perceber). Os dois primeiros mostram as dinâmicas da equipa em trabalho defensivo no jogo para o campeonato contra o Benfica, e a adaptação dessas mesmas dinâmicas no confronto com o Porto, em função das características do adversário. O terceiro aborda as dinâmicas ofensivas do Sporting, com exemplos das partidas contra o Porto e o Setúbal.

Fiz a tradução do artigo completo para português, não deixando de recomendar a quem for proficiente em francês que leia o artigo original. Os vídeos devem ser vistos em ecrã completo, pois incluem comentários escritos que não serão totalmente percetíveis numa janela pequena.

O artigo é extremamente longo, mas vale bem o tempo que consumirá a quem o ler. Os leigos da tática, como eu, irão seguramente passar a ver os jogos do Sporting de outra forma.

(obrigado, @baavin e @tonicasubtonica!)



Sporting CP: o 4-1-3-2 duplamente compacto de Jorge Jesus


Qualificado na Liga Europa, líder do campeonato português e vencedor dos dois clássicos nacionais, o Sporting tem feito até agora uma excelente época em termos de resultados. Em campo, a equipa de Jorge Jesus distingue-se por um pressing intenso em todo o terreno, e por um bloco extremamente compacto na fase defensiva.


Brilhante no seu jogo aéreo e hiper-agressivo no pressing, Islam Slimani é o símbolo de um Sporting bem sucedido esta época

Compactidade vertical: abandono da lateral oposta


Primeiro grande golpe dado pelo Sporting esta época, a vitória por 3-0 no Estádio da Luz frente ao Benfica permitiu pôr em evidência o primeiro princípio defensivo do antigo treinador benfiquista: uma enorme densidade de jogadores do lado da bola, e um bloco lateralmente muito compacto.

Começando através da atitude dos atacantes (nesse dia, Slimani e Téo) que constantemente carregavam sobre a zona central do Benfica. Regra geral, a maior parte das estratégias defensivas delineadas pelos treinadores deixa a sua linha atacante em inferioridade numérica (-1 jogador) para permitir uma superioridade noutras zonas (+1), normalmente atrás. Não é assim com Jorge Jesus, que procura constantemente criar um 2 contra 2 com os centrais adversários. Partindo do princípio que os defesas centrais são normalmente os jogadores com menos técnica de uma equipa, essa pressão (verdadeiramente) total do Sporting coloca muitas vezes os adversários em dificuldades desde o pontapé de saída, que consiste numa bola longa, seguido desse famoso pressing de dois contra dois.

O centro da defesa do Benfica a ser incomodada: o duo atacante do Sporting pressiona constantemente em 2 contra 2

Contra o 4-2-2-2 do Benfica, é no meio que o Sporting faz valer o seu ambicioso pressing. Estando William Carvalho no vértice baixo desse 4-1-3-2, a linha [Bryan Ruiz (nesse dia na meia esquerda) - Adrien Silva - João Mário] tem de controlar 4 adversários a toda a largura do terreno: os 2 laterais do Benfica e outros 2 jogadores no centro do terreno. Nesse momento, o princípio de Jorge Jesus é claro: ele abandona a lateral oposta:
  • O extremo do lado da bola pressiona o lateral do lado da bola
  • Adrien Silva pressiona o médio do lado da bola
  • O extremo oposto aperta o médio oposto
  • O lateral oposto dos adversários fica livre

Mais atrás, William Carvalho fica em cobertura; se está um 10 à sua frente, William Carvalho marca-o enquanto estiver na sua zona (ou nas vindas atrás de Jonas, no exemplo do Benfica). Dito isto, se o adversário utiliza verdadeiramente bem a largura, e se Adrien Silva estiver em dificuldades, Carvalho pode sair ao portador, com a cobertura a ser feita então por Silva, que ocupa o lugar de "líbero" do centro do terreno.

A lateral oposta está constantemente livre com este plano lateralmente compacto mas, em contrapartida, é muito difícil criar um circuito de mudança de flanco, para o espaço de rutura, para onde possa progredir o portador da bola, já que não existem soluções nas suas imediações. 

O esquema de pressing do Sporting contra o Benfica: 2x2 nos centrais adversários, 3 médios para controlar a largura, e Carvalho como líbero do centro do terreno

Compactidade vertical: aposta ambiciosa mas arriscada no fora-de-jogo

Para além desta enorme agressividade na frente, o Sporting distingue-se por jogar com uma linha defensiva particularmente alta, e uma armadilha de fora-de-jogo ambiciosa. Ao permitir deixar livres - em teoria - somente o guarda-redes e o lateral oposto adversários, Jorge Jesus posiciona a sua defesa bastante alta - quase a 40 metros da sua baliza nas fases de pressão - e aposta num cerco eficaz ao portador que permita à sua linha defensiva reorganizar-se.

Nas fases de pressão alta, a linha defensiva posiciona-se numa linha imaginária, 5 metros atrás da linha de meio-campo, tangente ao ponto mais recuado do círculo central. Assim, os defensores verdes e brancos impedem o guarda-redes adversário de "usufruir da sua liberdade" para lançar imediatamente na profundidade, como fez Ter Stegen face ao pressing total do Bayern (os defensores bávaros posicionavam-se na linha de meio-campo) na ocasião de Suarez no início do jogo.

Vimo-lo logo no princípio da partida contra o Benfica: numa mudança rápida de flanco da direita para a esquerda solicitando Eliseu, os benfiquistas chegaram a criar uma situação de desequilíbrio: o lateral português numa primeira fase avançou sobre João Mário (que não está posicionado) e pôde lançar Guedes (extremo esquerdo) nas costas de João Pereira (lateral direito) (ver o vídeo mais abaixo).

Está aqui o risco: se o adversário rompe o pressing antes de a defesa se reagrupar em bloco, o Sporting tenta forçar o fora-de-jogo no limite, enquanto o portador não estiver perfeitamente enquadrado. João Pereira fez essa ação muito perto do limite, deixando Guedes em fora-de-jogo. 

Mesmo quando o pressing do Sporting é quebrado por um drible ou uma mudança de flanco, e a defesa recua, a linha defensiva recomeça a subir para o fora-de-jogo assim que a bola é aliviada.

Mais uma vez, a dupla compactidade do bloco oferece liberdade aos laterais adversários. No entanto, a subida da linha foi sempre eficaz, apesar de arriscada: tanto Eliseu, contra o Benfica, como Maxi Pereira, contra o Porto, foram apanhados em posição de fora-de-jogo no meio-campo do Sporting aquando da subida da linha defensiva - enquanto o portador não estava enquadrado, e o recetor fora do alcance da defesa estava ainda em posição regular. 

Isto porque, antes de fazer chegar a bola até lá, é necessário efetuar a mudança de flanco, que não se consegue facilmente quando existe um pressing total à volta da bola.



Variações contra o Porto: adaptação ao 4-2-3-1 e à saída curta

Contra o FC Porto de Lopetegui, Jorge Jesus teve de fazer face a outros problemas: desta vez um meio-campo de 3 (posicionados em 2-1) [Danilo - Neves / Herrera]; e - contrariamente ao jogo contra o Benfica - uma equipa que tinha vontade de sair curto, utilizando a largura e a descida de um dos médios.

Para resolver esta equação face à identidade de jogo de Lopetegui, o treinador português adaptou o seu esquema defensivo, e propôs um esquema de pressing específico face à saída curta do FC Porto.

Esse pressing funcionava em 2 tempos, com um esquema para cada situação:

Primeiro um esquema clássico, em 4-1-4-1, para reagir à perda de bola face ao 4-2-3-1 do Porto:
  • Bryan Ruiz (parceiro de ataque de Slimani em fase ofensiva dentro do 4-1-3-2) vinha ocupar um lugar de ligação à esquerda, à frente de Danilo Pereira
  • Adrien Silva (sozinho, uma linha acima de Carvalho em fase ofensiva dentro do 4-1-3-2) posicionava-se à direita nas perdas de bola e a pressionar Rúben Neves
  • Atrás deles, William Carvalho ficava com a marcação a Herrera (vértice adiantado do triângulo), quando estava na sua zona
  • À frente, Slimani encontrava-se em 1 contra 2, frente a Maicon e Martins Indi

A transição defensiva do Sporting na perda de bola, passagem do 4-1-3-2 para 4-1-4-1: Ruiz que sai da sua posição no centro-esquerdo do ataque para dar apoio a Adrien Silva face ao duo Danilo - Neves

Problema: fora do quadro de ardósia, uma equipa treinada por Lopetegui não vai passar o jogo em 4-2-1-3, a enviar bolas longas para os seus extremos e para o seu 9.

Vai ser preciso forçá-lo.

Deixando Slimani em 1 contra 2, utilizar a largura seria fácil para Maicon e Martins, que poderiam beneficiar de um 2 contra 1 que um plano de pressing "clássico" como este 4-1-4-1 (face a um 4-2-3-1) lhes teria oferecido frente ao 9 adversário.

Jorge Jesus montou um plano especial face à saída curta do Porto. Criou sistematicamente um 3 contra 3 face à saída lavolpiana de Lopetegui. O Porto forma um trio no início de construção com os seus 2 centrais e um dos seus médios defensivos, o Sporting criou um trio pressionante como resposta.

Nas saídas (sistematicamente) curtas do Porto, Adrien Silva vinha fazer a marcação individual ao médio que desce (Danilo ou Neves), enquanto Slimani e Bryan Ruiz isolavam Maicon e Martins Indi para criar um 3 contra 3 que impede toda a possibilidade de jogo curto. Uma vez forçando o Porto forçado a jogar longo, a linha alta descrita acima e a superioridade numérica (+1) atrás permitiu ao Sporting controlar a profundidade.

O Sporting bloqueia a saída curta do Porto: Adrien pressiona o médio que baixa, e os atacantes são 2 contra os centrais

Inevitavelmente, para se dar ao luxo de beneficiar do "+1" atrás e de se libertar do "-1" à frente, Jorge Jesus teve de adaptar inteligentemente o seu esquema de pressing. Uma vez mais, a resposta está na compactidade lateral:

Era no lado oposto que J. Jesus escolhia para mexer no seu "-1": com o extremo oposto numa posição intermédia entre o 2º médio (o que não está ocupado com a saída curta) e o lateral oposto, que - em definitivo - era o jogador "abandonado" para permitir esse pressing total, tudo enquanto se controlava a profundidade.

Para além do 3 contra 3 face à saída curta, o treinador português criava duas outras situações de 1 contra 1 do lado da bola:
  • o médio ala do lado da bola em marcação ao lateral do lado da bola
  • o lateral do lado da bola em marcação ao extremo do lado da bola (seguindo-o mesmo quando este baixa em campo)

Uma gestão numérica que faz lembrar a famosa frase de Guardiola sobre a zona: "Não marques um jogador, ocupa o espaço entre dois jogadores".

Dentro desse espírito, a marcação de William Carvalho a Herrera não era estritamente individual. Se o médio mexicano derivava para o flanco em profundidade, então Carvalho deixava-o livre, e iria criar densidade à volta do portador para ajudar a uma recuperação da bola que se pretendia a mais rápida possível.

Com este cerco eficaz ao portador, impedindo qualquer possibilidade de jogo curto, a defesa poderia subir em bloco para deixar Aboubakar em fora-de-jogo, e assim privar também o Porto do jogo longo e direto que Slimani, Ruiz e Silva forçavam aos defesas de Lopetegui.

A saída curta do Porto bloqueada pelo Sporting: 3 contra 3 para a recuperação, uma linha alta, o "+1" atrás, e o "-1" no lado oposto à bola (e não na frente)

Neste sentido, a dinâmica defensiva de Jorge Jesus é particularmente rica: ela adapta-se inteligentemente à dinâmica ofensiva do adversário, para além do seu esquema. Ao trocar as marcações de forma inteligente e ao conservar a estrutura do bloco (alto e compacto) o Sporting impediu o Porto de sair curto, e assim ganhou a batalha do meio-campo.

No sistema de Bielsa, Gignac e Payet eram torturados por 3 construtores parisienses. Jorge Jesus coloca mais um jogador na saída de bola adversária, e escolhe posicionar o seu "-1" - não de uma forma sistemática à frente, mas sobretudo no lado oposto à bola, libertando quase totalmente Miguel Layun quando a bola estava próxima de Maxi Pereira, por exemplo.



O ataque em 4-1-3-2: desmarcações e diagonais cruzadas

Na fase ofensiva, o 4-1-3-2 confunde-se com um 4-2-3-1. No centro do terreno, Adrien Silva - William Carvalho comportam-se como um duplo pivot, enquanto o 2º avançado se movimenta lateralmente no sentido da bola. Nesse momento, o Sporting envolve 4 jogadores na construção de jogo por esse lado, sem contar com a profundidade ou o apoio oferecidos por Slimani:
  • O lateral do lado da bola
  • William Carvalho ou Adrien Silva
  • O extremo do lado da bola
  • O segundo avançado (que se transforma numa espécie de 10 de um 4-2-3-1)

Dentro desta fórmula com duplo pivot, os ângulos de passe são relativamente fechados e a dinâmica é bastante vertical. As diagonais cruzadas dos verdes e brancos necessitam de ser complementares: se João Mário se oferece a um passe vertical, procurando uma posição interior; então Bryan Ruiz baixa e pede a bola no pé. Dentro do mesmo espírito, se João Mário se movimenta para criar um triângulo com João Pereira e William Carvalho (ou Adrien Silva), então Bryan Ruiz vai atacar a profundidade, e tentar uma desmarcação. Esta complementaridade de movimentações é igualmente válida para os laterais, que procuram espaços interiores em relação aos seus alas, quando estes ficam colados à linha (mais frequente com Mané e Matheus do que com João Mário e Bryan Ruiz).

A dinâmica ofensiva do Sporting em 4-1-3-2: muitas opções para cada jogador entre a largura e o eixo, entre baixar ou desmarcar, em função da movimentação dos colegas

Inevitavelmente, com uma dinâmica ofensiva que necessita que uma alteração de ritmo aconteça rapidamente, o jogo de desmarcações com um toque de bola (não necessariamente de cabeça) é uma parte preponderante da dinâmica ofensiva do Sporting, que também assenta na capacidade técnica dos seus jogadores para fazer estas desmarcações inteligentes e estas combinações rápidas. Especialmente quando a defesa adversária está fechada, e em que os 5 jogadores ofensivos (o 3-2 do 4-1-3-2) se encontram todos dentro do último terço (mais o lateral), é necessário decidir rapidamente e triangular ao primeiro toque em espaços muito reduzidos.

Para além destes aspetos do jogo do Sporting, é impossível dissociar totalmente a estratégia defensiva da estratégia ofensiva, como vimos no jogo contra o Benfica no vídeo mais acima. Muitos dos conceitos defensivos são reutilizados no jogo ofensivo: quando Téo marca ao Benfica, o 2 contra 2, que ele cria em fase defensiva com Slimani contra Luisão e Jardel, é útil na fase ofensiva no momento da transição. Uma boa parte da identidade ofensiva deste Sporting está ligada à sua identidade defensiva, com um esquema defensivo que convida a uma transição extremamente vertical: a equipa não tem uma estrutura posicional rígida, com 4 médios no espaço de 5 metros à volta da bola no momento de passar ao ataque.

Com os ângulos de passe nem sempre bem abertos, o sistema assenta no talento do seu meio-campo: a eficácia de William Carvalho, e a sua capacidade de saber orientar o jogo, e a mobilidade de Adrien Silva e a sua capacidade de criar sozinho o tempo para avançar em drible e as suas projeções.

Com um ponta-de-lança puro como Slimani na frente, o Sporting não tem nenhum "terceiro homem" para sair com a bola. É por esta razão que a mudança de ritmo costuma acontecer relativamente rápido. Em contrapartida, o atacante argelino oference um ponto de apoio útil para sair da pressão. O seu perfil abre igualmente a possibilidade de um jogo interior interessante com o 2º atacante, o extremo oposto e Adrien Silva, que nunca está longe no momento de definição dos lances.



Um sistema rico, baseado no pressing e nas variações

Cruyff dizia: "Não se pode jogar com 4 atrás e 4 no meio-campo, porque os triângulos desaparecem". É verdade que o Sporting tem, muitas vezes, que jogar longo ou mudar de ritmo rapidamente, dentro desta fórmula. Quando o circuito de rutura é uma linha reta, a circulação rápida da bola assenta na qualidade individual de Carvalho e Adrien Silva.

No entanto, o Sporting aplica bem o conceito do terceiro homem, mesmo jogando em 4-4-2. Quando um defesa tem a bola nos pés, e não tem uma linha de passe próxima, a profundidade - de Slimani, de Ruiz, ou de um dos dois extremos - faz o papel de terceiro homem para o Sporting nesta configuração. Ela abre oportunidades interessantes no último terço, como os cruzamentos. A opção do jogo longo poderá ser útil para sair do pressing do Leverkusen, num jogo que se antevê explosivo entre duas das equipas mais pressionantes da Europa.

Variações do ritmo e combinações no ataque, variações das dinâmicas e dos esquemas ao defender: ao adaptar-se perfeitamente ao esquema do Benfica, bem como ao do Porto, Jorge Jesus obteve 2 sucessos nos primeiros 2 clássicos da época, nos quais a sua equipa não consentiu nenhum golo, graças a um espetacular pressing a todo o campo e às eficazes micro-adaptações.

Victor