sexta-feira, 18 de março de 2016

O negócio Brahimi

Ao longo dos últimos meses, o Football Leaks foi revelando uma série de documentos que permitem entender o quão complexo é o negócio Brahimi. Aquilo que parece, à primeira vista, ser um simples negócio de compra e posterior venda de parte do passe a um fundo, tem, na realidade muitas outras ramificações. Nada que surpreenda quem tem acompanhado os leaks com detalhe, no entanto. De seguida fica uma cronologia de todo o negócio, que se baseia na informação constante dos contratos que foram publicados.


I. Antes da transferência

O passe de Brahimi era partilhado por duas entidades:

  • Granada, o clube onde jogava o argelino;
  • Fifteen Securisation, uma empresa com base no Luxemburgo.

A forma como o passe estava dividido entre as duas partes não é conhecida. O Granada é um clube detido pela família Puzzo. Da Fifteen Securisation sabe-se pouco, mas um dos seus administradores é conhecido: Raffaele Riva, que é também o presidente do Watford, clube inglês que é detido... pela família Puzzo (LINK).


II. A transferência para o Porto

Assim que ficou decidida a transferência de Brahimi para o Porto, houve uma movimentação à formalização da venda do jogador. A Doyen e a Fifteen Securisation chegaram ao seguinte acordo: a Fifteen Securisation abdicava da sua percentagem de direitos económicos de Brahimi em favor do Granada (que passava a ser detentor de 100% do passe); em contrapartida a Doyen pagava 3 milhões de euros à Fifteen Securisation.


Paralelamente a esta cronologia, para melhor compreensão dos direitos e dos custos suportados por cada uma das entidades envolvidas neste negócio, irei atualizando um pequeno quadro-resumo:


A 22 de julho de 2014, o Granada vende os direitos federativos e 100% dos direitos económicos de Brahimi ao Porto, por €6,5M.



Numa carta paralela assinada na mesma data, o Porto compromete-se a ceder ao Granada 20% das mais-valias de uma futura venda. O valor a considerar para o cálculo dessa mais-valia é o excedente da transferência a partir dos €10M, deduzindo-se adicionalmente o valor a suportar do mecanismo de solidariedade e o custo de comissões até um máximo de 5% do valor da venda.



Numa segunda carta, também datada de 22 de julho de 2014, o Granada informa o Porto que cedeu os direitos das mais-valias referidos na carta anterior à Doyen. Não há nenhum leak que indique que tenha havido um pagamento adicional da Doyen ao Granada por esta transferência de direitos. No entanto, é possível que a Doyen tenha recebido este direito como contrapartida do pagamento de €3M que tinha feito anteriormente à Fifteen Securisation em favor do Granada.



A 23 de julho, Porto e Doyen assinam o ERPA, o típico contrato de TPO que regula as obrigações e deveres de cada uma das partes. O Porto cede 80% do passe de Brahimi à Doyen por contrapartida de um pagamento de €5M.

Fica definido que, na eventualidade de uma futura venda, a Doyen deverá receber pelos seus 80% um montante nunca inferior a €8,5M mais 10% de juros ao ano. Por seu lado, o Porto fica com o direito de recomprar até 55% do passe de Brahimi (que, juntando-se aos 20% com que o clube ficava inicialmente, significava que o Porto poderia vir a ter até 75% dos direitos económicos). Os valores estipulados para essa recompra são:
  • 20% por €2,3M, a acionar até 01.05.2015;
  • 10% por €1,2M, a acionar até 01.05.2016;
  • 10% por €1,5M, a acionar até 30.06.2015; ou por €3M após essa data, até 01.08.2017;
  • 10% por €2M, a acionar até 30.06.2016; ou por €3M após essa data, até 01.08.2017;
  • 5% por €1,5M, a acionar até 01.08.2017.


A 24 de julho, a Doyen assina um acordo com a Denos, uma empresa de consultoria, em que se compromete a pagar €1,5M pelos serviços prestados pela consultora em todo o processo da transferência de Brahimi.



A 24 de setembro de 2014, ou seja, dois meses depois de a transferência estar concluída, o Porto concordou pagar à Vela (empresa do universo Doyen) 5% das mais-valias de uma transferência futura (considerando o valor que o Porto receberá e não o total do negócio) pelo papel da empresa na intermediação do negócio. Para além disso, o Porto concordou pagar mais 5% de mais-valias caso seja a Vela a intermediar o negócio da venda.


Para efeitos de simplificação, e perante a mais que provável participação da Vela/Doyen no negócio de venda de Brahimi do Porto para o seu futuro clube, assumirei no quadro resumo que a Doyen terá direito a mais 10% de mais-valias.



III. O Porto recompra 30% do passe

Em junho de 2015, o Porto recomprou 30% do passe de Brahimi por €3,8M, acionando o 1º e o 3º ponto do call option.



IV. A renovação de Brahimi

A 1 de setembro de 2015, o Porto comprometeu-se a pagar €500.000 à Vela caso o processo de renovação de Brahimi se concluísse com sucesso durante o mês seguinte. O jogador acabaria por renovar contrato dentro desse período.

Para além disso, a Doyen concordou suportar a parte do aumento salarial de Brahimi caso, no momento da venda, o fundo detenha ainda 50% dos direitos económicos do jogador.



V. A futura venda de Brahimi

Resta saber se o Porto irá exercer a opção de recompra dos 25% dos direitos económicos que ainda estão previstos no contrato com a Doyen, tendo para isso que pagar €4,7M. A partir daqui, é especulação minha. Em teoria deverão fazê-lo, pois o valor adicional que terão a receber da venda de Brahimi seguramente compensará essa despesa. No entanto, não estou tão seguro que isso irá acontecer. Por outros leaks, sabemos que o Porto tem pedido vários tipos de ajuda à Doyen, nomeadamente um empréstimo para fazer face a obrigações fiscais prestes a vencer. Para além disso, a cláusula de ressalva dos 50% colocada na renovação, dá a entender que não é certo que o Porto irá exercer o direito dos tais 25%, caso contrário essa cláusula seria desnecessária - o Porto simplesmente assumiria a responsabilidade pelo aumento salarial.

Para ficarmos com uma ideia genérica daquilo que Porto e Doyen ganharão com o negócio, depois de todas as contas feitas, vou apresentar dois cenários. Um em que o Porto mantém os 50%, outro em que recompra os 25% e fica com um total de 75% dos direitos económicos de Brahimi.

Mais uma vez, para efeitos de simplificação, não vou considerar valores amortizados de passe nem comissões de intermediação adicionais ou outras despesas relacionadas com a transferência. Também não vou considerar a responsabilidade do aumento salarial após a renovação de contrato.

a) Porto 50% / Doyen 50%


O Porto dificilmente não terá lucro com toda esta operação, mas as mais-valias que obterá não serão muito significativas. Se Brahimi for vendido por €50M (um montante bastante improvável, apesar de não ser impossível - remember Mangala), o Porto fará uma mais-valia aproximada de €13M. Muito curto para um jogador que não foi assim tão caro. A Doyen, por seu lado, terá um lucro de cerca de €26M. Ou seja, o dobro.


b) Porto 75% / Doyen 25%



Neste cenário, os ganhos do Porto são mais significativos, subindo quase aos €18M caso o jogador seja vendido por €50M. Mas mesmo tendo o Porto 75% dos direitos económicos, a Doyen conseguirá sempre um ganho líquido superior àquele que o clube terá.