terça-feira, 26 de abril de 2016

A dupla almofada

Bruno de Carvalho referiu a existência de uma dupla almofada para fazer face ao pagamento de 14 milhões de euros à Doyen: a provisão colocada nas contas do último semestre e a solicitação feita pela Doyen à UEFA para cativar os prémios das competições europeias que o Sporting receberá no futuro. Segundo o presidente, a existência dessa dupla almofada faz com que o Sporting não precise de vender jogadores.

Compreendo que o presidente diga que não tem necessidade de vender jogadores - admiti-lo seria estar automaticamente a enfraquecer a posição negocial do clube -, mas não estou a ver como isso será possível.

Independentemente de haver almofadas para arranjar o dinheiro (através de reservas próprias - já agora, a simples existência de uma provisão, por si só,  não é garantia de que tais reservas existam - ou do congelamento dos prémios da UEFA), o Sporting tem um outro problema para além da questão de tesouraria: não pode apresentar prejuízos no final desta época, devido ao que ficou acordado com a UEFA, há um ano, por causa do Fair Play Financeiro. Se o Sporting não alcançar o break-even (semelhante ao apuramento dos resultados do R&C, mas em que o clube pode deduzir certos tipos de despesa, como custos de formação e investimentos em infra-estruturas), terá que pagar à UEFA uma multa de €2M.

Considerando que a SAD apresentou um prejuízo de €18,2M no final do primeiro semestre, não será nada fácil atingir o tal break-even sem a obtenção de mais-valias com a venda de atletas. Normalmente, o segundo semestre é mais penalizador para as contas de uma SAD do que o primeiro (em termos de operações correntes excluindo transações de jogadores), mas é preciso considerar uma série de fatores que poderão influenciar as contas finais:

  • as contas do primeiro semestre até ficariam relativamente equilibradas caso o Sporting não tivesse que colocar a provisão de €14,2M por causa da perda no TAS do caso Rojo;
  • no segundo semestre já será contabilizada a venda de Montero;
  • no segundo semestre já poderemos contar com os proveitos da publicadade das camisolas - acredito que seja um valor bastante significativo, pois terá sido uma forma de contornar a cláusula que garantia ao Benfica uma revisão dos seus valores dos seus direitos televisivos com a NOS;
  • no segundo semestre, a folha salarial já estará limpa dos encargos de uma série de excedentários, como Labyad ou Viola, mas em contrapartida haverá que contar com os vencimentos dos reforços de inverno.


Considerando tudo o que foi exposto, parece-me, portanto, que é inevitável a venda de jogadores até 30 de junho. Mas, ao contrário dos nossos rivais, a maior parte dos nossos atletas renderá mais-valias muito próximas do seu valor de venda, pelo que um jogador bem vendido será suficiente para que o Sporting apresente lucro no final da época. Se tivesse que adivinhar que jogador será esse, arriscaria o nome de Slimani: tem mercado em Inglaterra - onde uma cláusula de rescisão de €30M não é um enorme obstáculo - e, fazendo 28 anos em junho, provavelmente estará agora no seu pico de valorização.

É esta a grande vantagem do saneamento financeiro que foi levado a cabo no Sporting por esta direção: mesmo num ano em que não houve receitas da Liga dos Campeões e houve um encargo extraordinário com a decisão do TAS no caso Rojo (de relembrar que o Sporting teria tido lucro na época passada mesmo se não tivesse entrado em litígio com a Doyen), a ausência de gorduras faz com que seja possível resolver estes dois problemas sem haver necessidade de provocar uma revolução forçada no plantel.

Na realidade, a dupla almofada que Bruno de Carvalho referiu não está na provisão nem no congelamento dos prémios da UEFA. Está no notável trabalho de equilíbrio das contas ao longo dos últimos três anos (aumento significativo das receitas e redução quase total em custos supérfluos) e no upgrade competitivo que permitiu uma valorização exponencial dos seus ativos.

P.S.: quanto à "notícia" dada pelo Correio da Manhã sobre a incapacidade alegada pelo Sporting, perante o Tribunal Federal Suíço, em pagar à Doyen, é apenas mais uma tentativa de desestabilização que não tem qualquer correspondência com a realidade. Esta "notícia" nem sequer é novidade, pois já outros jornais a tinham avançado há mais de uma semana. É normal que o Sporting use todos os argumentos possíveis para adiar / suavizar / reverter a obrigação de pagamento ao fundo - incluindo a dramatização dos efeitos da sentença. Qualquer exercício de transposição para a realidade financeira do clube é apenas e só mais uma forma de meter carvão.