sexta-feira, 15 de abril de 2016

A Fada dos Dentes do futebol português

Quando uma criança perde o seu primeiro dente de leite, existe uma espécie de tradição de se dizer ao pequenito(a) desdentado(a) que coloque o dentinho debaixo da sua almofada para que, durante a noite, a Fada dos Dentes o venha buscar, deixando, em troca, uma moedita ou uma prenda. É uma forma simples de transformar a queda de um dente - que pode ser uma situação um bocadinho assustadora para uma criança - em algo de excitante e misterioso, que acaba por ser vivido de uma forma bem mais alegre.

Vem isto a propósito da capa de hoje do jornal O Jogo.


Pelos vistos, existe gente na redação do jornal que acredita que há-de vir uma qualquer fada deixar uma bela prenda em troca dos jogadores que não têm lugar no plantel Porto. E não fazem a coisa por menos: vão render 30 milhões.

É certo que vivemos num mundo em que existem fenómenos capazes de gerar vendas altamente improváveis (como Jorge Mendes ou o recém-descoberto filão chinês), pelo que até poderá haver uma ou outra surpresa. No entanto, parece-me mais provável que a Fada dos Dentes vá a um quiosque comprar a edição de hoje do jornal O Jogo em troca de uma moedinha, do que o Porto realize os tais 30 milhões e, consequentemente, mantenha os jogadores considerados imprescindíveis na próxima época. Escrevo isto por duas razões.

A primeira é que um jogador excedentário vê automaticamente o seu valor de mercado cair a pique. Se um clube interessado sabe que o vendedor quer despachar o jogador por não ter lugar para ele no seu plantel, fica automaticamente numa situação de vantagem negocial. Para quê dar milhões quando, provavelmente, até o conseguirá por empréstimo? Acresce a isso o facto de poucos dos jogadores excedentários do Porto estarem a fazer carreiras fulgurantes nos clubes onde estão atualmente a alinhar por empréstimo: Ghilas está fora das opções do Levante, último classificado da liga espanhola; Adrián já regressou de uma lesão prolongada mas não é titular indiscutível no Villarreal; os problemas disciplinares de Maicon são bem conhecidos; Quintero foi despachado do Rennes; Kelvin até poderá ter mercado no Brasil, mas não costuma haver por lá muito dinheiro para gastar em contratações. A exceção talvez possa ser Reyes, que tem sido titular na R. Sociedad. Ou seja, ou aparecem vários clubes chineses dispostos a abrir os cordões à bolsa, ou então não vejo como será possível o Porto conseguir encaixar 30 milhões com estes jogadores.

A segunda razão é que, mesmo que o Porto encaixe os tais 30 milhões com os excedentários (o que é diferente de 30 milhões de mais-valias), isso não será suficiente para evitar a venda de jogadores considerados imprescindíveis. Fernando Gomes, administrador da área financeira da SAD, disse que o Porto precisa de realizar €72,5M de mais-valias com vendas de jogadores. No R&C do 1º semestre, pode ler-se que o Porto já conseguiu €27M. Entretanto, em janeiro, a SAD vendeu Imbula, mas essa transação resultará em mais-valias muito reduzidas (se é que, entre o diferencial do que custou e rendeu o jogador, mais comissões e outras despesas, haverá alguma mais-valia). Isto significa que o Porto precisará ainda de realizar €40M ou mais de mais-valias (dependendo das poupanças conseguidas no segundo semestre), o que implicará um valor bem superior de vendas.

Compreende-se a capa, no entanto. É uma forma simples de transformar uma situação que pode ser um bocadinho assustadora, em algo de excitante e misterioso. Ao amanhecer veremos o que terá sido deixado debaixo da almofada.