terça-feira, 21 de junho de 2016

Ser ou não ser Ronaldo, eis a questão

É fatal como o destino: quando há jogo em que Ronaldo não resolve e em que Portugal obtém um resultado aquém das expetativas, aparecem de imediato os haters a questionar o nível do capitão da seleção. E falhando Ronaldo um penálti que poderia ter dado a vitória na partida e uma provável qualificação para a fase seguinte, pode-se dizer que saiu o jackpot a essas pessoas.

Em primeiro lugar, há que dizer que existem razões válidas para se criticar o capitão da seleção. A política instalada na seleção de Ronaldo über alles seca uma boa parte do potencial dos restantes jogadores. Montam-se táticas que favoreçam as características de Ronaldo (o que é compreensível, até certo ponto), Ronaldo é o marcador de penáltis (que também se compreende), Ronaldo é o marcador de livres (o que já não é compreensível), e Ronaldo seria, provavelmente, o marcador de cantos se isso fosse, de alguma forma, uma estatística importante capaz de contribuir para prémios individuais. Ronaldo não tem um discurso adequado nos maus momentos, raramente protegendo o coletivo e chegando algumas vezes a individualizar responsáveis, o que é uma atitude que fica particularmente mal num capitão. Ronaldo tem um tratamento privilegiado em relação aos outros colegas: escolhe os estágios e os jogos em que participa e pode, ao que se diz, levar staff próprio para os trabalhos da seleção. 

Mas Ronaldo não é o principal responsável por isto. Estas benesses apenas acontecem porque toda a estrutura da FPF o permite. Quem critica Ronaldo não pode isentar de responsabilidades aqueles que deveriam controlar o poder de um jogador no grupo de trabalho para além do razoável. Ao contrário do que seria normal, é a própria estrutura liderada por Fernando Gomes que alimenta este culto a Ronaldo (ah, o jeito que dá o dinheiro dos contratos publicitários e dos cachets de amigáveis), com a complacência (e até colaboração) da maior parte da comunicação social.

Perguntou-se a Fernando Santos, na última conferência de imprensa, por que razão continua Ronaldo a marcar livres quando existem outras opções com taxa de eficácia muito superior. O selecionador fugiu à pergunta e limitou-se a dizer que Ronaldo continuará a marcá-los. Parece-me que é um tema que merece ser explorado, mas a generalidade dos jornalistas prefere não insistir no tema, por saberem que isso iria desaguar em questões bem mais incómodas.

Mas a verdade é que Ronaldo é, neste momento, o único jogador de topo do nosso futebol. Não lhe dão tolerância para render pouco. Não tem quem resolva de forma consistente na sua ausência. É o jogador mais internacional de sempre de Portugal, o que significa que já dedicou mais tempo à seleção do que qualquer outro atleta. É o recordista de golos marcados pela seleção. Tem duas meias-finais e uma final em competições internacionais, mais do que qualquer outro jogador português. É, provavelmente (não gosto de entrar nestas comparações), o melhor jogador português de todos os tempos. Por tudo isto, merece o respeito que muita gente não lhe tem dado nos últimos dias.

É pena, efetivamente, que o próprio Ronaldo não tome a iniciativa de se pôr no mesmo patamar dos seus colegas. Se colocasse o seu imenso talento ao serviço da equipa - em vez de esperar que o (mais limitado) talento da equipa o sirva a ele -, se a equipa se habituasse a não ter que viver de Ronaldo para ter sucesso, e se as convocatórias e titularidades fossem atribuídos em função do mérito dos jogadores e da sua utilidade para a seleção, de certeza que não estaríamos numa posição tão frágil ao fim da 2ª jornada da fase de grupos.