segunda-feira, 18 de julho de 2016

De 'Jorges Mendes' a Aurélios'


Há uns dias, Leonor Pinhão escreveu este texto, em que deixa subentendida uma suposta incoerência dos sportinguistas: os mesmos que costumam acusar a FPF de estar ao serviço de certos interesses de Jorge Mendes, acabaram, após a conquista do europeu, por reclamar uma significativa fatia do êxito para a formação de Alcochete.

Leonor Pinhão pode escrever o que entender, mas não tem razão. Não existe incoerência nenhuma, porque tanto a influência de Mendes nas convocatórias, como a importância dos jogadores formados no Sporting no sucesso do Euro 2016 são factuais, e de forma alguma são incompatíveis. Quando muito, valoriza ainda mais a forma como os jogadores com origem no Sporting conseguiram impor-se na seleção. 

Jorge Mendes é, indiscutivelmente, um empresário capaz de atrair muitos dos melhores talentos do futebol mundial para a sua carteira de clientes, mas isso não implica que todos os jogadores que representa sejam melhores do que aqueles que não representa. E, não colocando em causa a ética de todos os selecionadores e equipas técnicas que estão ou estiveram recentemente na FPF, não acredito que a influência do super-empresário não se faça sentir no seu trabalho de alguma forma, mais ou menos direta.

No Euro 2016, em concreto, todos perceberam que os jogadores atualmente ou recentemente ligados ao Sporting foram, genericamente, segundas opções. Apesar do excelente final de época, rapidamente se percebeu que Fernando Santos não pensava apostar em William, que ficou no banco no jogo inaugural. João Mário foi titular contra a Islândia, mas foi o primeiro a ser sacrificado após o empate com a Islândia - apesar de não ter estado pior que Moutinho ou André Gomes, que se mantiveram no onze durante toda a fase de grupos. Cédric Soares e Adrien só tiveram a sua oportunidade ao 4º jogo, apesar de nem Vieirinha, nem Moutinho, nem André Gomes terem convencido em algum momento nos três primeiros jogos. Cédric e Adrien apenas foram lançados - a frio - porque era fundamental que alguém anulasse Perisic e Modric, dois dos melhores jogadores do torneio na fase de grupos.

Nada disto é novidade. Como esquecer a opção de Carlos Queiroz em deixar João Moutinho de fora do Mundial 2010? Que, recorde-se, também preferiu convocar Daniel Fernandes (quem?, perguntarão muitos), deixando de fora Rui Patrício. Ou as aberrantes escolhas de Paulo Bento para o Mundial 2014, quando decidiu deixar de fora Cédric e Adrien (que tinham realizado épocas brilhantes com Leonardo Jardim) para levar André Almeida e Rúben Amorim. O mesmo Paulo Bento que só lançou William Carvalho no 2º jogo do mundial, quando André Almeida se lesionou e se viu obrigado a colocar Miguel Veloso como lateral esquerdo (já não tinha Fábio Coentrão). O mesmo Paulo Bento que deu a primeira internacionalização a Ivan Cavaleiro (três meses depois do seu 3ª e último jogo como titular do Benfica para o campeonato) e que levou Nélson Oliveira ao Euro 2012, sem que nada no seu rendimento justificasse essa oportunidade.

Ainda poderíamos mencionar outros casos mais recentes, já na época de Fernando Santos: Nélson Semedo foi titular num jogo decisivo na Sérvia, menos de dois meses depois de se estrear na I Liga, e Gonçalo Guedes foi titular num particular com a Rússia ao fim de três meses de utilização regular no Benfica. Gelson Martins e Rúben Semedo, por exemplo, não tiveram direito a benesse idêntica, apesar de não terem demonstrado rendimento inferior em campo.

Isoladamente, podemos sempre encontrar justificações para as decisões acima referidas. Mas em conjunto, é totalmente óbvia a existência de dois pesos e duas medidas nas escolhas dos convocados.

Este tipo de gestão de convocatórias só é possível graças à inexistência de uma comunicação social crítica, que questione verdadeiramente os resultados visíveis destes jogos de interesse. Pior, parte dessa comunicação social é parte do aparelho, funcionando como primeira linha de cobertura destas escolhas: promovendo jogadores, elogiando o rendimento de alguns muito para além do que é justificado, e rebaixando outros - estabelecendo o ambiente ideal para que tudo isto pareça normal. Não me consigo lembrar de melhor exemplo do que este, poucos dias antes de Paulo Bento anunciar os jogadores que iriam ao mundial do Brasil:



Portanto: sim, Leonor, a seleção continua a ser a seleção de Mendes. Os jogadores de Mendes tiveram e continuarão a ter um tratamento preferencial em relação a outros que estejam em igualdade de circunstâncias, assim como os jogadores sportinguistas terão que continuar a provar muito mais do que os outros até terem uma oportunidade. Felizmente, quando os jogos do Euro 2016 passaram a ser de mata-mata e deixou de haver margem para insistir em favoritismos injustificados, Fernando Santos teve bom senso e fez entrar os "Aurélios" até então preteridos. Ajudaram a fortalecer a equipa, e o resto da história já todos conhecem.