quinta-feira, 14 de julho de 2016

Ronaldo, o nosso Eusébio?

A propósito do artigo escrito ontem no Expresso por Pedro Candeias...


... onde se escreve:
"Portanto, quando parti para este texto com a ideia de comparar dois jogadores diferentes e de tempos diferentes, sabia que o faria numa base que não estava errada mas pelo menos condicionada pelo ponto de vista de alguém que só viu um jogar e que construiu a imagem do outro a partir do que lhe foi dito, do que foi lendo, dos VHS dos anos 80 e 90, dos DVD dos anos 2000 e do YouTube. E se ainda não posso dizer que o Ronaldo é melhor do que o Eusébio porque estaria a ser pouco responsável e precipitado, diriam os antigos, posso então dizer que o Ronaldo é o meu Eusébio, o Eusébio da minha geração e da que se segue. Mas quase que aposto que daqui a uns anos estaremos todos a refletir sobre a cobardia e a irresponsabilidade de não termos assumido logo que o Ronaldo é o melhor futebolista português de sempre, um dos três ou quatro melhores da história deste desporto depois do Pelé e do Maradona e de outro qualquer à escolha, todos elevados à categoria de mitos porque ganharam o que havia para ganhar carregando o país e o clube deles às costas. O Ronaldo já fez tudo isso; o Eusébio quase que fez. Ponto."

Existem duas formas de abordar a temática de qual será o melhor jogador português de todos os tempos: ou se recusa a validade desse tipo de análises com o argumento de que não existe nenhuma base fiável para comparar a qualidade de jogadores separados por décadas; ou assumem-se alguns pressupostos que reduzam o campo de análise ao que pode ser comparável.

O futebol que se pratica hoje, enquanto indústria (e também jogo), pouco tem a ver com aquele que existia há meio século. Se, por um lado, os atletas de hoje beneficiam de condições de treino e jogo imensamente superiores - que vão desde as infraestruturas à qualidade dos equipamentos, passando pelo acompanhamento médico, tecnologia e outros conhecimentos entretanto adquiridos que contribuem decisivamente para o seu desenvolvimento físico, técnico e tático - por outro, a exigência física e mental que se exige a um jogador de topo é, atualmente, completamente diferente.

Para além disso, existe o enquadramento competitivo: hoje o futebol é uma indústria global, que permite que determinados clubes açambarquem o melhor talento disponível, em claro contraste com as restrições de movimentação de jogadores que existiam no tempo de Eusébio. Seria possível que Ronaldo fosse campeão europeu se continuasse a jogar no Sporting? Pouco provável, por causa do desequilíbrio de forças que existe hoje entre um clube português e os mais ricos da Europa: a única restrição que os tubarões europeus têm na formação das suas equipas é a concorrência de outros tubarões. Se Eusébio jogasse hoje, nunca teria ficado em Portugal mais do que dois ou três anos, e até é possível que vencesse mais troféus europeus do que aquele que conquistou na sua primeira época no Benfica. Ao nível das seleções, no entanto, já é possível estabelecer paralelismos mais fiáveis: Portugal nunca deixou de ser um país mais pobre e com uma base de recrutamento mais pequena do que as outras potências futebolísticas europeias.

Qualquer comparação terá que ser reduzida, portanto, ao palmarés de cada um dos jogadores, aos números que conseguiram, e ao quão dominantes foram no panorama mundial enquanto jogaram. 

No dia 9 de julho de 2016, Ronaldo já não ficava atrás de Eusébio em nenhum destes parâmetros. Pelo contrário, Ronaldo tinha para apresentar: 
  • 3 Bolas de Ouro (contra 1 de Eusébio, usando-se o prémio equivalente que existia na altura, que no entanto excluia Pelé por não jogar na Europa);
  • 3 Ligas dos Campeões contra 1 de Eusébio; 
  • 4 Botas de Ouro contra 2 de Eusébio (como o prémio foi instituído a partir de 1967/68, eventualmente poderia ter ganho uma 3ª); 
  • foi considerado por 8 vezes um dos dois melhores jogadores do mundo (três 1ºs e cinco 2ºs), enquanto Eusébio foi considerado como um dos dois melhores jogadores europeus (só nos anos 90 a votação foi alargada a jogadores de outros continentes) por duas vezes (um 1º e um 2º lugar);
  • ao nível das seleções, Ronaldo chegou a uma final e a duas meias-finais de grandes torneios de seleções no seu currículo, mas em apenas numa delas era o líder da equipa (em 2012, porque em 2004 e 2006 "colou-se" à melhor geração da história do futebol português, liderada por Figo); Eusébio foi a uma meia-final de um mundial. 

Ou seja, Ronaldo superou Eusébio nos mais significativos prémios individuais e triunfos coletivos, e é um jogador de top mundial há um período de tempo muito mais prolongado do que Eusébio o foi no seu tempo.

No passado domingo, ao vencer o Euro 2016, Ronaldo conseguiu o troféu que termina em definitivo com todas as discussões. Deixaram de existir quaisquer bases objetivas para se continuar a considerar Eusébio como o melhor jogador português de todos os tempos. Pode ser difícil para muita gente aceitar esta mudança de paradigma - que atravessou várias gerações inteiras -, mas considerar Cristiano Ronaldo como o melhor jogador português de sempre já não é, como diz o texto do Expresso, uma questão de coragem ou cobardia, nem de responsabilidade ou irresponsabilidade. É uma evidência, que tem de ser assumida sempre que se fizerem exercícios deste género, e que em nada belisca o tremendo jogador que Eusébio foi.

Mas a verdade é que já não se pode dizer ou escrever algo como "Ronaldo é o Eusébio da nossa geração". O paradigma mudou. Quanto muito, pode-se dizer ou escrever que Eusébio foi o Ronaldo das gerações mais antigas.