terça-feira, 30 de agosto de 2016

Um caso único em clubes de topo na Europa


É indiscutível que, desde que Jorge Jesus chegou, o Sporting realizou uma revolução no seu plantel. Muitas aquisições, algumas vendas e bastantes dispensas fazem com que o onze de hoje pouco tenha a ver com o que terminou a época com Marco Silva. Rui Patrício, William, Adrien são os únicos sobreviventes, já contando com as recentes saídas de João Mário e Islam Slimani.

Nuno Farinha listou os jogadores que foram contratados desde que Jesus passou a ser o técnico do Sporting, chegando a um total de 21 - incluindo Ciani, um óbvio erro de casting que foi corrigido de imediato -, acrescentando que não devem existir casos semelhantes (isto é, com tantas contratações realizadas em tão pouco tempo) em clubes de topo na Europa. 

Aprecio (e, obviamente, concordo com) a opção tomada por Nuno Farinha de, ao estabelecer termos de comparação, colocar o Sporting no patamar dos clubes de topo europeu - imagino que lhe tenha custado -, mas, como a realidade portuguesa é tão diferente dos melhores clubes ingleses, alemães e espanhóis (que já têm plantéis incríveis e têm outra facilidade para atrair os melhores talentos, podendo dar-se ao luxo de gastar várias dezenas de milhões num único jogador), talvez tivesse sido melhor começar por comparar com clubes portugueses, como Benfica e Porto.

Façamos então essa comparação. Nas últimas três janelas de transferência (verão 2015, janeiro 2016 e verão 2016), foram estas as aquisições feitas por Sporting, Benfica e Porto:

Nota: os valores de todos os jogadores contratados pelo Sporting na época passada incluem comissões e prémios de assinatura; no caso do Benfica e Porto, essa informação não é divulgada de forma detalhada, pelo que apenas foram incluídos os valores de comissões e prémios de assinatura que o Football Leaks deu a conhecer.

Como se pode ver, analisando as aquisições pela quantidade, constata-se que a realidade do Sporting não é diferente dos clubes com que compete a nível nacional. O Sporting contratou 23 jogadores (Farinha não incluiu Jug, que já tinha sido contratado antes de Jesus chegar ao Sporting), ou seja, uma contratação a menos que no Benfica (assumindo já a provável entrada de Rafa) e mais três que no Porto. Ou seja, por aqui, estão todos equiparados. Se falarmos em valores, no entanto, é enorme a diferença: o investimento do Sporting é menos de metade daquilo que o Benfica gastou (e faltam aqui as comissões de Carrillo e Zivkovic que, juntas, devem ultrapassar os 15 milhões de euros), e ainda menos em relação ao Porto, caso as opções de compra de Óliver e Jota venham a ser acionadas.

Engraçado também ter etiquetado a despesa de Dost como um "luxo" para a realidade da nossa Liga... quando falamos de valores que são metade do que o Benfica pagou por Jimenez e do que o Porto poderá pagar por Jota e Óliver caso acione a opção de compra, e menos 50% do que o Benfica poderá pagar por Danilo. 10 milhões são um valor alto, sem dúvida, mas que deve ser enquadrado devidamente, face às vendas que o Sporting se prepara para realizar: poderão atingir 70/75 milhões, dos quais quase 60 irão para os cofres do Sporting (que detém 75% de João Mário e 80% de Slimani). Falamos de milhões, e não de mendilhões - é importante não esquecer.

Jesus é, efetivamente, um eterno insatisfeito. Se as direções com quem trabalha não lhe colocarem travão, há sempre espaço para mais uma contratação. É um de três perfis possíveis: há os eternos insatisfeitos, há os que fazem fretes aos empresários que os representam, e há os que aceitam, pacificamente, trabalhar com aquilo que a estrutura lhes dá. Os últimos três treinadores do Sporting encaixam bem, cada qual, em cada um destes perfis. Curiosamente, pelo que me parece, os atuais treinadores dos grandes também. O eterno insatisfeito, se tiver um sistema de jogo bem idealizado e bem identificadas as qualidades de que necessita nos seus jogadores, estará sempre mais próximo de construir uma equipa competitiva, mesmo tendo menos dinheiro à disposição para "luxos".

É, evidentemente, isto que incomoda quem aponta para o número de contratações do Sporting. É incomparavelmente superior a competitividade deste Sporting em relação ao de 2014/15 (mesmo que esse plantel tenha conquistado uma Taça de Portugal). Não faz sentido fazer-se um balanço do mercado de transferências colocando o foco na quantidade de jogadores, em vez de se analisar a qualidade de quem entra e de quem sai, do onze base e da profundidade do plantel. 

E quando um jornalista assenta o seu texto num pressuposto "Não devem existir casos semelhantes", sem se dar ao trabalho de verificar se, efetivamente, existem ou não casos semelhantes, estamos conversados em relação à qualidade da análise.

P.S.: isto foi no sábado. No domingo...



P.S.2: coloquei Rafa na lista do Benfica por ser muito provável a sua contratação e por uma questão de equidade, pois Nuno Farinha também incluiu Bas Dost, que, na altura em que o texto foi publicado, ainda não tinha assinado pelo Sporting. Jogadores como Vera e Saponjic foram incluídos porque não são compras típicas de equipa B, pelo valor envolvido - como todos se lembram, Ryan Gauld, que também teve um custo dessa ordem de grandeza, nunca deixou de ser incluído (e bem) em qualquer lista de aquisições, apesar de ter sido colocado na equipa B do Sporting.