sexta-feira, 9 de setembro de 2016

As contas do Sporting

Ficam aqui alguns comentários em relação aos resultados apresentados pela SAD do Sporting. Quando Benfica e Porto apresentarem os seus, farei o habitual exercício comparativo.


31,9M de prejuízo

É um valor que, sinceramente, não esperava. O Sporting apresentou, no final do 3º trimestre, um prejuízo que rondava os 17 milhões de euros. Mesmo considerando que o 4º trimestre é tradicionalmente fraco em receitas (a não ser que se vendam jogadores), tinha ideia de que o prejuízo apresentado ficasse mais na ordem dos 25 milhões.

Uma notícia desagradável que, no entanto, pode e deve ser enquadrada com os fatores extraordinários que afetaram este exercício: começando pelos quase 15 milhões que a SAD teve de provisionar por causa da derrota em 1ª instância do caso Rojo, e pelo facto de as vendas de jogadores terem sido realizadas já após o dia 30 de junho.


Impacto no Fair Play Financeiro

Estes 31,9M de prejuízo seguem-se a dois anos em que a SAD apresentou lucro: em 2013/14 de 0,4M, e em 2014/15 de 19,3M. A soma dos três exercícios resulta num prejuízo acumulado de cerca de 12,2M, o que fica acima do limite considerado aceitável pela UEFA no contexto das regras do Fair Play Financeiro. 

No entanto, a UEFA permite que, para cálculo do break even, os clubes possam deduzir custos com infraestruturas e formação, o que significa que não se pode concluir nada apenas pela simples soma dos resultados dos últimos três exercícios. Segundo o relatório divulgado na noite de ontem pelo Sporting, o cumprimento das regras do Fair Play Financeiro está assegurado.



Custos com pessoal

O Sporting apresentou um total de custos com pessoal de 48,8M, ou seja, quase o dobro em relação à temporada anterior (25,1M). Nada de surpreendente, pois essa tendência já podia ser observada no relatório 3º trimestre, e que resultou no aumento de competitividade da equipa que todos pudemos testemunhar.

Apesar do aumento, há que observar que o Sporting continua com custos salariais bastante inferiores aos rivais. Para se ter uma noção, no final do 3º trimestre, o Benfica já registava custos na ordem dos 44M e o Porto na ordem dos 53M. Suponho que o Benfica deverá terminar a época ligeiramente acima dos 60M de custos, enquanto o Porto deverá mesmo chegar perto dos 70M.


O salário de Bruno de Carvalho e os retroativos

Já disse o que tinha a dizer sobre isso aqui: LINK.


Endividamento

Notou-se um aumento significativo do recurso ao factoring (antecipação de receitas) para suprir falhas de tesouraria.


No entanto, de um ponto de vista global, os níveis de endividamento mantiveram-se estáveis. Aquilo que aumentou em factoring acabou por ser compensado pela redução de outras formas de financiamento.


No espaço de um ano, registou-se um aumento de endividamento de 2 milhões de euros. De relembrar que em julho de 2017 (ou seja, no 1º trimestre de 2017/18), o Sporting irá abater consideravelmente a sua dívida bancária, com o reembolso dos montantes referentes à participação na LC 2016/17 e à venda de João Mário e Slimani.


Receitas

2015/16 foi uma época bastante positiva em termos de receitas. A renegociação com a PPTV permitiu fazer disparar os ganhos com as transmissões televisivas em quase 50%. Houve um aumento significativo nas receitas de bilhetes anuais, mesmo tendo o preço descido em relação a 2014/15, fruto da não participação na Liga dos Campeões. A bilheteira também subiu consideravelmente, o que seria expectável em função do recorde de assistência média que Alvalade registou.

Apenas houve uma queda nas receitas de patrocínios, que se explica pelo facto de o Sporting não ter tido publicidade nas camisolas durante metade da época.

De assinalar também um aumento das receitas do merchandising e do segmento corporate, mas este é um setor onde o clube pode e deve trabalhar mais para se aproximar do nível em que estão o Porto e, principalmente, o Benfica.

De qualquer forma, com aquilo que sabemos hoje, tenho a expetativa de que todas estas rubricas aumentarão significativamente em 2016/17.


Aquisições de jogadores

Uma das surpresas mais desagradáveis tem a ver com os valores de aquisição de Alan Ruiz. Para além dos 4,8M que já se conheciam, ficámos a saber que houve também custos adicionais de 3,2M: 2,2M de prémio de assinatura do jogador, e 1M em comissões (dos quais 0,3M são para Costa Aguiar). Costa Aguiar, que também é o empresário de Jesus que, por sua vez, foi quem indicou o jogador. Este é, na minha opinião, o aspeto mais negativo de se ter Jorge Jesus como treinador: uma promiscuidade dispensável, que abre (justificadamente) lugar a algumas suspeitas sobre se os interesses do clube serão a prioridade nº 1 no momento em que se definem os alvos de mercado. Nada que não acontecesse no Benfica, diga-se, mas ainda assim, totalmente dispensável.

Outras notas, recolhidas não só do R&C, mas também da tabela de aquisições publicada pelo jornal Sporting:
  • André custou 1M por 50% do passe. O Sporting tem opção de compra dos restantes 50% por 2,5M. Considerando o passado do jogador, parece-me que a direção protegeu de forma competente os interesses do Sporting. Se resultar, poderá adquirir a totalidade do passe e tirar total partido da valorização desportiva e financeira do atleta. Se não resultar, não será uma perda significativa.
  • Dost, apesar de ser a compra mais cara da história do clube, não trouxe quaisquer encargos adicionais com comissões. Uma notícia agradável.
  • Elias custou 2,5M, por 50% do passe. Os outros 50% já eram do Sporting.
  • Spalvis custou 1,6M, mais 0,125M de comissão.
  • Ao contrário do que se pensava, a opção de compra de Meli é de 2,4M, e não de 2,7M.
  • Petrovic custou apenas 1M (100% do passe), e não os 2M de que se falou na imprensa. Poderá, no entanto, custar mais 0,5M em função de objetivos.
  • Castaignos custou 2,5M, havendo mais 0,5M por objetivos.
  • Douglas custou 1M.

Adicionalmente, ficámos a saber que a renovação de Adrien custou ao clube cerca de 1,2M. Este valor não deverá estar dissociado da recuperação da percentagem do passe que estava na sua posse.

Mais uma vez, nunca é demais elogiar a direção pela total transparência que demonstra ao apresentar o quadro de todas as compras, vendas e empréstimos, com o detalhe do valor e percentagem do passe, dos prémios de assinatura, das comissões pagas, e ainda de quem recebe as comissões. Tudo feito às claras, de forma pública, que permite aos sportinguistas poderem, com todos os dados na mão, escrutinar e avaliar devidamente os negócios do clube.

Imaginam o Benfica a detalhar as comissões dos negócios que faz? Aposto que 99% dos benfiquistas preferem nem saber.


Vendas de jogadores

Em 2015/16, as vendas foram pouco significativas. O principal fica reservado para o 1º trimestre de 2016/17, quando entraraem nas contas o resultado das vendas de Slimani, João Mário e Naldo. Mas ficámos a saber hoje, através do jornal, que...


... o Sporting não pagou nada (0, zero vírgula zero) de comissões nas vendas de João Mário e Slimani. Isto é absolutamente notável, considerando a prática geral de mercado e o valor das duas transferências. Uma chapada de luva branca em todos aqueles que dizem que preferem viver dependentes de Jorge Mendes por ser a única forma de realizar vendas consideráveis.

Segundo notícias de hoje, o Sporting registará 54 milhões de euros de mais-valias com a venda de João Mário e Slimani. Isto é já o valor líquido após a dedução das percentagens de passes que pertenciam a outras entidades. Mais: confirma-se que houve a negociação com o empresário de Slimani para a recompra dos direitos de 20% das mais-valias por 4 milhões, conseguido assim o Sporting ganhar 2 milhões adicionais com essa operação. Mais uma vez, notável!


Considerações finais

Nunca é positivo apresentar um prejuízo tão elevado, mas também não se pode desligar este resultado de toda a conjuntura, pois sabemos que, após o fecho deste exercício, registaram-se vendas consideráveis que acabam por ser o reflexo do bom trabalho que foi realizado em 2015/16.

Podemos, definitivamente, falar numa mudança de estratégia em relação ao início de mandato. O clube sente-se hoje em condições de aumentar o investimento de forma a poder perseguir as suas ambições de forma melhor apetrechada. Há um risco assumido, como é evidente, mas não deixa de ser um risco calculado: as receitas operacionais têm subido de forma sustentada e o Sporting, dos três grandes, continua a ser, de longe, aquele que está menos dependente das receitas extraordinárias das vendas de jogadores. Esse risco parece ter compensado: a competitividade da equipa disparou, o plantel valorizou significativamente, e o clube acabou por realizar vendas inéditas na sua história. 

Sabemos também que são 32 milhões de prejuízo, mas que são MESMO 32 milhões de prejuízo. Sem vendas empoladas, sem compras inexplicáveis, sem mendilhões, com total transparência. Conhecemos as dificuldades por que passa o clube, mas também sabemos exatamente os resultados daquilo que tem sido feito.

Há coisas a melhorar? Com certeza. Se não houvesse, não teríamos tido um prejuízo tão elevado. Mas o clube está no caminho certo. Subiu o patamar do seu jogo e da força que exibe no panorama desportivo nacional. Quem diria que tal seria possível, quando ainda há pouco mais de três anos o tema que estava em cima da mesa era a sua sobrevivência?