terça-feira, 27 de setembro de 2016

Capas que não fizeram história, nº 55: São fontes, Senhor, são fontes!

Terça-feira, 20 de setembro: o país desportivo é agitado pela revelação de que Pep Guardiola, treinador do Manchester City, se deslocou propositadamente a Lisboa para assistir, ao vivo e a cores, à prestação de Grimaldo contra o Braga. A notícia foi dada apenas no dia seguinte devido ao facto de o treinador ter conseguido, contra todas as probabilidades, não ser detetado por qualquer um dos 50.000 espectadores presentes no estádio. No entanto, não escapou ao olho clínico das fontes de José Marinho que, no estilo que lhe é peculiar, tratou logo de esfregar a boa-nova na cara dos "assanhados" e "totós" que se atrevem a escarnecer das suas figuras ou do seu glorioso:


A partir daí, foi uma questão de tempo até a notícia se propagar. Quer o Mais Futebol, quer o Record, parecem ter conseguido acesso às mesmas fontes e publicaram a notícia.



A partir daí, o tema dominou a atualidade. E, na quarta-feira, como não poderia deixar de ser, lá veio a capa que faltava para dar o justo destaque ao acontecimento.


Tudo isto foi um autêntico furo jornalístico, pois nem no dia do jogo nem no dia seguinte circularam, na imprensa ou nas redes sociais, quaisquer imagens do treinador espanhol em Lisboa. Apesar de, hoje em dia, qualquer pessoa munida de um telemóvel poder fazer de paparazzo e captar as mais inconvenientes imagens ou vídeos, não houve sequer uma foto desfocada, um tweet ou um post no Facebook a denunciar em tempo real a presença na Luz de Guardiola - que é uma das figuras mais famosas do futebol mundial. Estavam todos muito concentrados no jogo, pelos vistos.

De qualquer forma, o essencial parecia ter sido alcançado: armar a backstory para mais um conto épico de valorização exponencial de um jovem talento da formação do Seixal (hey, se Nelson Semedo é da formação encarnada, então Grimaldo também pode ser, pois estrearam-se com a camisola do Benfica sensivelmente com a mesma idade). 

Claro que, perante a ausência de provas palpáveis, houve quem colocasse a notícia em causa, o que desencadeou zelozas argumentações em defesa da veracidade da notícia: umas mais in your face...


... outras mais românticas, como uma em que se colocou a hipótese de Guardiola não ter sido reconhecido por se ter sentado no meio do público de peruca, chapéu e óculos escuros (I kid you not).

Infelizmente, os ecos desta notícia bombástica não tardaram a chegar a Inglaterra, de onde surgiram desmentidos da deslocação do treinador a Lisboa. Depois apareceram fotos de Guardiola a passear, nesse mesmo dia, no centro de Manchester. Daí até ao desmoronamento deste castelo de cartas foi um estalar de dedos. Nuno Farinha, subdiretor do Record, foi o primeiro a atirar a toalha para o meio do ringue e contou a história por detrás da história:

(via @captomente)

Depois disso, o próprio José Marinho veio admitir que foi induzido em erro.


Uma atitude que, sem ironias, fica bem aos envolvidos.

A culpa foi, portanto, das fontes, que não foram nem uma, nem duas, mas sim um total de três (assumindo que pelo menos uma delas era comum ao Record e a José Marinho, caso contrário falamos de, pelo menos, quatro fontes).

Assumindo que existiram, de facto, três fontes diferentes a confirmar a mesma versão dos acontecimentos, sem qualquer relação aparente entre si, então compreendo a publicação da notícia. Mas como sabemos que a história é falsa, isso significa que o engano apenas pode ser explicado de duas formas possíveis:

1. Não existiram três fontes - o que não é, de todo, uma hipótese descartável, dada a proximidade que se conhece entre quem deu maior destaque à notícia e um dos potenciais beneficiários da mesma -, e então este mea culpa é apenas uma simples tentativa de limpeza de reputações.

2. As três fontes existem e enganaram os jornalistas e comentadores que publicaram a notícia, o que significa que estamos perante um enorme esforço concertado para plantar uma notícia falsa. Nesse caso, quem terá organizado todo este embuste? Por uma questão de lógica, só pode ter sido quem beneficia com a notícia. Neste caso, só há duas hipóteses: o Benfica ou o jogador.

De qualquer forma, tenham existido uma, duas ou três fontes, sabemos bem que, em notícias desta natureza, as mesmas fontes continuarão a poder segredar ao ouvido de determinados jornalistas as criações que bem entenderem. Afinal, não foi nem a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que interesses infundados sobre jogadores daquele clube são noticiados com enorme destaque. Pelo contrário, para os diários desportivos nacionais, há muito que é um modo de vida. Ah, as costas largas das fontes...