quinta-feira, 1 de setembro de 2016

"No Benfica por 2,8 milhões €, não jogou e 'retirou-se' do futebol: Lavagem de dinheiro?"

Tradução do artigo de Jorge Torres Romero, publicado hoje para o jornal paraguaio Hoy. Podem ver o artigo original aqui: LINK



Não sem motivo, diz-se que o futebol paraguaio reune as condições para operações fraudulentas como a evasão de impostos e a lavagem de dinheiro. Lacunas legais, um sistema de controlo frágil e a cumplicidade de algumas autoridades sustentam a obscura trama de que muitos falam, mas poucos conhecem.

Há exatamente um ano, em 1 de julho de 2015, concretizava-se uma das contratações mais sonantes para o futebol português, pois o Benfica, um dos clubes mais poderosos da Europa, contratava os serviços do avançado paraguaio do Rubio Ñu, Francisco Vera González, por quem pagou nada menos que 3.140.000 dólares (cerca de 2,8 milhões de euros), uma verba astronómica se se tiver em conta os passes de outros jogadores com muito maior rodagem no futebol paraguaio, como por exemplo o internacional Almirón, do Cerro Porteño, por quem o Lanús pagou US$ 2 milhões.

No entanto, Vera González, de 21 anos, não jogou sequer um minuto na equipa principal do Benfica e foi utilizado no Benfica B, onde jogou 16 partidas e marcou apenas um golo.

Hoje, o jogador que foi contratado por mais de 3 milhões de dólares pelo Benfica (pelo que lhe coube receber US$ 600.000) voltou ao Paraguai, e dedica-se a um pequeno negócio de venda de artigos desportivos em Ciudad del Este, segundo apurou a investigação feita para o programa "La Caja Negra" do Unicanal.

O contrato está assinado pelo presidente e pelo administrador do Benfica, Luís Filipe Vieira e Domingos Soares Oliveira, respetivamente, assim como por Rubén Ruiz Diaz e Carlos Alberto Gamarra, respetivamente presidente e dirigente do Rubio Ñu. A imprensa portuguesa colocou algum ênfase no passado de jogador de Gamarra, que teve uma passagem pelo clube lusitano.

Leaks na Internet

Segundo se pôde observar no contrato divulgado pela página Football Leaks, o acordo para a transferência realizou-se com a seguinte modalidade de pagamento:

A soma de US$ 140.000 a 15 de abril de 2015, pago por intermédio de uma transferência bancária para a conta que o Rubio Ñu indicou por escrito ao Benfica, mediante receção da fatura.

Outros US$900.000 a 30 de abril de 2015; US$ 100.000 após a receção do passe internacional entre 1 e 15 de julho de 2015. Depois, outros US$ 500.000 a 40 de outubro de 2015; totalizando US$ 1.640.000 recebidos por Rubio Ñu em 2015. Depois outras três prestações de US$ 500.000, com vencimento a 30 de abril de 2016, 30 de julho de 2016 e 30 de dezembro de 2016, completando assim os US$ 3.140.000.

As cláusulas do contrato prevêm que em caso de incumprimento dos prazos por parte do Benfica, haja uma penalização de US$ 100.000 por cada atraso nos pagamentos.

Os US$ 3.140.000 incluem os mecanismos de solidariedade previstos pela FIFA e qualquer outra indemnização por direitos de formação de jogadores.

Índicios de evasão e lavagem

O que chama a atenção no caso é que dos US$ 1.640.000 já recebidos, o clube Rubio Ñu, não declarou um único guarani ao fisco, segundo consta nos registos da Secretaria de Tributação (SET). Estamos a falar de um valor estimado em G. 9.184.000.000; só em impostos à fazenda deviam ter sido tributados 10%, o equivalente a cerca de G. 900 milhões; apesar disso, em 2015 apenas declarou como receitas brutas G. 3.144 milhões e outros G. 2.995 milhões como perdas.

O site Football Leaks foi criado o ano passado à imagem e semelhança da Wikileaks - entidade responsável pela divulgação de milhares de documentos diplomáticos americanos desde 2010 -, os seus impulsionadores dizem centrar a sua atenção no que ocorre nos bastidores do mundo do futebol. A ideia surgiu num momento crítico, coincidindo com os escândalos na FIFA.

A partir destas revelações, iniciaram-se uma série de investigações policiais em Portugal, e os responsáveis do site admitiram estar "preocupados" pela possibilidade de terem de prestar contas perante a justiça.

Paraguai debaixo da lupa

O Paraguai figura como um dos países "altamente suspeitos" de lavar dinheiro sujo através de transações desportivas.

Um relatório do Departamento de Estado dos EUA (2015), indica o nosso país no mesmo espetro que o Afeganistão, Austrália, Áustria, Bahamas, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, China, EAU, EUA ou Colômbia, como os países com maior atividade de lavagem de dinheiro.

Existem várias modalidades de misturar dinheiro legal com ganâncias obscuras. Neste sentido, as transferências de futebolistas para ligas exóticas como as da Índia, China, Japão, Azerbaijão, ou para as maiores do velho continente (Calcio, Liga BBVA, Premier League, Ligue 1, Bundesliga, etc.), ou mesmo a Major League Soccer (MLS), Liga Águila (Colômbia) ou a mais próxima Primera División argentina estão na mira das autoridades nacionais.

Leis estéreis

No ano passado, o deputado liberal Édgar Acosta apresentou um Projeto-Lei que pretendia modificar os artigos 13º, 24º, 25º e 28º da Lei Nº 1015/97, que regula as funções da Secretaria de Prevenção de Lavagem de Dinheiro (Seprelad). Essa modificações incluem uma maior atenção da Seprelad às uniões, federações, confederações e associações das distintas modalidades desportivas dentro de todo o território nacional.

Isto significa que os bancos, financiadoras, casas de câmbio, etc., que trabalhem com instituições desportivas com um volume de negócios superior a US$ 10 mil estão obrigados a informar tais transferências ou qualquer fração de depósitos suspeita.

O exemplo mexicano

Em março passado, uma investigação jornalística realizada por Aristegui Notícias deixou exposto o aparecimento do temível Cartel de Juárez no mundo do futebol. Como? Através de um "intermediário", uma empresa fantasma, que permitia branquear os seus ganhos na Liga MX y Ascendo do México. Assim se explicam os valores siderais, inclusivamente superiores aos europeus, que muitas vezes se movimentam no futebol azteca, onde também existem paraguaios.

O Grupo Comercializador Cónclave, uma parte do braço "legal" do cartel da droga, geriu num período entre julho e dezembro de 2012 os passes de Diego Reyes, Jackson Martínez e Hector Quiñones do Porto, da Liga NOS de Portugal.

A operação, segundo a versão de Aristegui, significou a participação de outro grupo "Northfield Sports", que permitiu o branqueamento e saída do México de pelo menos 10 milhões de dólares (9.092.320 euros).