sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Como transformar uma paródia nacional num embaraço sem fronteiras

O dia de ontem demonstrou que, com um pouco de criatividade e habilidade, é possível transformar uma paródia nacional num embaraço de dimensão internacional.


Este vídeo feito pelo @captomente, que, posteriormente, foi colocado no Reddit pelo Sa_Pinto, tornou-se, numa questão de poucos minutos, num fenómeno viral que atravessou redes sociais e deu a conhecer ao mundo aquilo que é hoje o debate futebolístico em Portugal.

Há que reconhecer, em primeiro lugar, que a matéria-prima era de enorme potencial para alastrar instantaneamente. A perícia na construção da legendagem (o que me ri com a tradução do murro na mesa!) e a oportunidade com que se colocou o vídeo no Reddit, uma rede social propensa a espalhar este tipo de material, fizeram o resto. 

Mas a triste realidade é que, numa base semanal, seria possível recolher, sem grande esforço, outros clips igualmente embaraçosos, com estes ou outros protagonistas, com maior ou menor emissão de decibéis. A única coisa em comum entre todos estes episódios que, recorrentemente, nos envergonham a todos, é a ausência de conteúdo e uma distorção total daquilo que deveria ser rivalidade entre adeptos, amplificados em nome das agendas que os clubes já nem se dão ao trabalho de camuflar, e das audiências dos canais, que fazem tudo o que estiver ao seu alcance para os alimentar iterativamente.

A polémica e a rivalidade fazem parte do futebol. É legítimo que se discutam erros de arbitragem, é normal que se questionem atitudes e decisões polémicas de jogadores, treinadores e dirigentes dos adversários, mas algures no tempo perdeu-se completamente a noção do que é razoável. Começaram a surgir, como protagonistas, algumas personagens que alguém - não se sabe bem quem nem como - entendeu que representavam a generalidade dos adeptos dos clubes. Pior ainda, usaram-nos para alimentar todo um circo ultra-deprimente de narrativas de desestabilização que surgem, fatalmente, às segundas-feiras - independentemente do que tenha acontecido nos dias anteriores - e que se arrastarão, penosamente, até ao dia do próximo jogo.

Chegámos, inclusivamente, ao ridículo de termos direito a programas em que o tema principal em debate são as polémicas levantadas pelos programas anteriores, em que comentadores comentam os comentários de outros comentadores, cujos nomes são proferidos com muito maior frequência do que o dos jogadores que, nos dias anteriores, mais se destacaram dentro das quatro linhas.

Isto não é mais do que uma réplica da degradação da qualidade da imprensa desportiva, forçada a inventar conteúdos e a encher chouriços para preencher, diariamente, dezenas e dezenas de páginas que cativem os (cada vez em menor número) potenciais leitores. Com o aparecimento de quatro canais de notícias a transmitir 24 sobre 24 horas, a degradação do comentário televisivo tornou-se inevitável. O problema é que, no caso do comentário televisivo, a base de onde se partia já era particularmente má antes desta onda de massificação.

Apesar de existirem uns que são mais responsáveis do que outros no atual estado de coisas - não é difícil perceber, cronologicamente, quando e por quem começou a profissionalização do comentador -, isso já nem é o mais importante, pois todos entraram no jogo e foram cavando um buraco de tal forma profundo, sinuoso, e com tantas encruzilhadas, que agora, simplesmente, já não se consegue ver uma luzinha que seja que nos oriente de volta para a superfície: os canais televisivos não vão querer acabar com estes programas, pois trazem-lhes melhores audiências do que os sensaborões debates de política em que as vestes se rasgam de forma mais discreta; os clubes não vão deixar de alimentar os comentadores com novas polémicas, pois o contrário de estar ao ataque é ter que estar à defesa - uma posição em que ninguém quer ficar; não estou a ver os comentadores, enquanto classe, a recusarem-se a fazer o papel de correias de transmissão dos departamentos de comunicação dos clubes, porque, certamente, o cheque que recebem em troca é bastante compensador para o tempo que investem nessa atividade.

Neste universo de interessados sobra... o público para o qual, supostamente, estes programas são produzidos. Há sempre a opção de não ver, e há sempre a opção de blogues, páginas e contas de redes e sociais não divulgarem as coisas que ... mas, convenhamos, é difícil ignorar muitas das acusações que vão sendo feitas e das mentiras que vão sendo ditas. Eu, pecador, me confesso, apesar de já ter perdido a paciência para estes programas, e limitar-me a ver os excertos para os quais me chamam a atenção. É alguma coisa, mas não é suficiente. Não consigo explicar racionalmente este comportamento, mas faz parte da natureza humana: o fascínio que causa um acidente aparatoso numa estrada continuará sempre a abrandar o fluxo de trânsito na outra faixa de rodagem.