quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O ano do futebol feminino

Está a acontecer. O futebol feminino tem tido, nos últimos dias, um nível de destaque inédito e inteiramente merecido, face à proeza alcançada com o primeiro apuramento para a fase final de um europeu. Algo que acontece na sequência - mas não como consequência - de um significativo crescimento da visibilidade da renovada Liga Allianz, que, esta época, abriu portas aos clubes da Liga NOS que se mostraram interessados em abraçar o desafio: Sporting, Braga, Belenenses e Estoril (o Boavista já estava na competição).
Este despertar da profissionalização é um fator que, seguramente, contribuirá decisivamente para o aumento da competitividade do futebol feminino em Portugal ao longo dos próximos anos. Mas existe ainda um grande caminho a percorrer, até estarem estabelecidas as bases de trabalho ideais para atletas e equipa técnica.

Vale a pena ver a entrevista feita ontem por telefone pela Sport TV+ a Mariana Cabral, coordenadora de formação e treinadora dos sub-19 femininos do Sporting, onde se fala de forma breve, mas bastante interessante, da história recente e do panorama atual do futebol feminino em Portugal - e que ajuda a perceber tudo aquilo que representa a qualificação alcançada na última terça-feira.


Este feito é, em primeiro lugar, um prémio que deverá encher de orgulho todos os técnicos, jogadoras e dirigentes que mantiveram o futebol feminino vivo durante os anos e anos em que não havia sequer uma fração da atenção que começa hoje a existir. Milhares de pessoas que jogando, treinando, organizando, informando e formando, sem quaisquer expetativas de mediatismo ou de recompensas que não fossem a evolução e afirmação da modalidade que praticavam ou acompanhavam. 

Papéis diversos e igualmente fundamentais que, curiosamente, se reunem na pessoa da coordenadora de formação do Sporting. Enquanto jogadora, Mariana Cabral foi três vezes campeã nacional, participou na Liga dos Campeões, conquistou três Taças de Portugal e foi campeã da 2ª divisão por duas ocasiões. Terminou a carreira prematuramente, mas chegou a ser colega de equipa de várias jogadoras que na terça-feira estiveram em campo. Como treinadora, liderou os sub-17 femininos do Estoril na conquista do campeonato distrital (neste escalão não existia campeonato nacional). Acompanha há muitos anos o futebol feminino como jornalista e blogger. E agora, para além de ser treinadora dos sub-19 femininos, desempenha a já referida função de coordenadora de formação no Sporting. Não é difícil, portanto, perceber a felicidade que o apuramento para o Euro lhe terá provocado.

Esta qualificação, só por si, não é garantia de que o futebol feminino tenha subido para um patamar superior de meios e mediatismo. Relembro a qualificação da seleção de Râguebi, em 2007, disputado em França, que gerou um enorme entusiasmo à volta da modalidade. Infelizmente, passados quase dez anos, conclui-se facilmente que isso acabou por não representar o salto desejado para a modalidade em Portugal. No caso do futebol feminino, tão ou mais fundamental que a qualificação para o Euro, é que continue a haver um empenho sistemático da FPF e dos clubes, nomeadamente aqueles que têm uma massa de apoio mais considerável. Obviamente que o Sporting, neste contexto, terá um papel importantíssimo a desempenhar.

Para além do forte investimento realizado na equipa sénior, contratando um naipe de jogadoras portuguesas de qualidade e de grande futuro, o Sporting também está a fazer uma aposta inequívoca na formação, com os escalões de sub-19 e sub-17, tendo recrutado algumas das maiores promessas nacionais que, no futuro, poderão formar uma espécie de núcleo da seleção nacional - no fundo, aquilo que é o ADN deste clube.

Têm sido meses muito positivos para o futebol feminino. As audiências televisivas do duplo confronto com a Roménia foram uma surpresa agradável, e o Braga - Sporting, uma partida importante entre os dois favoritos ao título, será transmitido em direto pela TVI24. Que o ritmo de crescimento se mantenha, e que estes meses positivos se convertam em anos. Quem sabe se, daqui a uma década, as qualificações para europeus e mundiais não serão algo tão rotineiro quanto as do futebol masculino? Seria muito bom sinal.