quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Quem se deixa corromper por 300 ou 400 euros?


"Nem pensamos nisso. Estamos serenos. Denunciámos o caso Apito Dourado. O que pedimos é que o caso seja rapidamente resolvido. A nossa gestão é transparente. Não queremos ganhar a qualquer preço, queremos ganhar limpo. Acha mesmo que um árbitro se deixa corromper por 300, 400 ou 500 euros?" - palavras de Luís Filipe Vieira ao Correio da Manhã.

Perante esta pergunta retórica feita pelo presidente do Benfica, surgem-me, de imediato, outras duas questões. A primeira é se é essa a grandeza de valor dos kits que ofereceram a cada árbitro, delegado e observador. A segunda é: perante tanta certeza, então quanto dinheiro é necessário para um árbitro se deixar corromper? 750 euros? 1.000 euros? 5.000 euros? 10.000 euros? 50.000 euros? 100.000 euros?

Na realidade, todos sabem que o valor de uma oferta, neste âmbito, é uma falsa questão. Basta recordar que. no caso Apito Dourado. existiram ofertas de bens ou serviços cujo valor seria, seguramente, inferior aos tais 300, 400 ou 500 euros.

No entanto, para mim, a questão dos vouchers não é, nem nunca foi, uma questão de corrupção. Falamos de ofertas que, pela sua natureza, e apesar de não terem qualquer valor limite, não sugerem aos recetores um pedido de favorecimento. E, realisticamente falando, também não vejo que os árbitros, que recebem alguns milhares de euros mensais no exercício da sua atividade, favoreçam um clube devido a uma oferta deste tipo.

A questão dos vouchers é, sobretudo, uma questão de legalidade. Existem regras que estipulam limites às ofertas, e isso acontece por um motivo. Esse motivo é evitar tentações, de uma parte e de outra, e, como tal, entendeu-se que mais vale prevenir e limitar essas ofertas a um nível simbólico. Mesmo assim, as coisas nem sempre são assim tão lineares, porque cada caso é um caso, e o preço de um pode não ser o preço de outro.

Daí que a frase de Vieira, dos 300, 400 ou 500 euros, seja muito infeliz. Por exemplo, as escutas do Apito Dourado deram a conhecer um caso de um juiz, em pleno processo judicial que envolvia um jogador do Porto, meteu uma cunha para dois bilhetes de futebol, cujo valor facial era muito inferior aos tais 300, 400 ou 500 euros.

via @bifeahcasa

O que chamaria Luís Filipe Vieira a isto?

É curioso ver a evolução que tem havido em toda esta novela dos vouchers. Inicialmente, a reação benfiquista foi de negação: nada era oferecido. Mais tarde, passou a dizer-se que o voucher apenas direito ao prato do dia, algo que agora se sabe não ser verdadeiro. A APAF chegou a garantir que as ofertas não ultrapassavam o limite dos 183€. Na segunda-feira, Marco Ferreira revelou ter recebido dois kits cortesia quando arbitrou o Benfica - Sporting da lã de vidro - um na noite em que o jogo foi adiado, e outro na noite em que o jogo se disputou.


Ou seja, paulatinamente, foram sendo revelados factos que foram inflacionando o valor da cortesia para valores que, potencialmente, podem ser bastante superiores ao limite legal existente.

Parece-me normal que a PGR decida arquivar o caso dos vouchers, no âmbito de suspeitas de corrupção. Mas a FPF não pode fechar os olhos (ou podia, porque sempre os teve fechados) ao lado da regulamentar da questão. Apesar de todos sabermos que, para a FPF, é normal haver umas regras para uns que não se aplicam a outros.