terça-feira, 20 de dezembro de 2016

20 notas pouco soltas sobre o plantel do Sporting

O que não podia ser evitado

1. As vendas de Slimani e João Mário, concretizadas poucos dias (ou horas) antes do fecho da janela de transferências, com a época já em pleno andamento, condicionaram a formação do plantel. Não só pelo facto de o clube ter deixado de contar com dois jogadores fulcrais, mas também por ter provocado uma corrida ao mercado nos últimos dias de agosto - face às necessidades do plantel e ao dinheiro que finalmente tinha na mão.

2. Depois de uma pré-época atípica - em que Jesus praticamente não pôde contar com os quatro campeões europeus e Slimani -, entraram vários jogadores com a época já em andamento. Pior, numa fase em que já havia compromissos europeus a meio da semana, alternadas com pausas para as seleções. 

3. Nem o timing das vendas - controlado por quem tem o dinheiro - nem o das compras - a que se sujeitam os clubes que necessitam de vender para comprar - podiam ser controlados pelo Sporting. A direção fez aquilo que tinha a fazer: negociar as vendas nas condições mais favoráveis para o clube. Não podia recusar-se a vender: era um imperativo financeiro, mas também havia que considerar as expetativas dos jogadores e o estabelecimento do Sporting como um clube capaz de vender caro. Isso foi alcançado de forma equilibrada - convém lembrarmo-nos que Adrien também podia ter sido vendido -, registando o Sporting as duas maiores vendas da sua história, e com o bónus de nem sequer haver comissões a pagar.


O que podia ter sido evitado

4. A pré-época do Sporting foi desastrosa. Rapidamente se percebeu que havia imenso trabalho a fazer com os novos jogadores. Também rapidamente se instalou a (justa) desconfiança na capacidade que alguns jogadores teriam para estar ao nível das exigências de um candidato ao título.

5. A pré-época, face à ausência dos campeões europeus e, durante algum tempo, de Slimani, acabou por dar muito tempo de jogo a jogadores que estavam na porta de saída - Ewerton, Aquilani, Barcos, Carlos Mané - e a jogadores novos - contratados ou da formação - ou pouco utilizados na época anterior: Jug, Stojkovic, Jefferson, Esgaio, Petrovic, Meli, Iuri Medeiros, Ryan Gauld, Podence, Matheus Pereira, João Palhinha, Spalvis e Alan Ruiz.

6. A exigência dos adversários - quase todos de Champions e com a preparação mais adiantada -, misturada com circunstâncias anormais de jogo (como expulsões prematuras ou frangos dos guarda-redes), fizeram com que muitas das partidas se tornassem em experiências penosas. Poucos - desde os habituais titulares até aos reforços - mostraram boas indicações.

7. No final da pré-época, Jorge Jesus teve que decidir quais os jogadores que iriam ficar no plantel. A preferência foi clara: os jogadores provenientes da equipa B foram preteridos em favor dos reforços. Percebe-se a ideia: Jorge Jesus preferiu apostar na experiência, considerando o nível dos desafios que se avizinhavam. Podence, Iuri, Gauld, Palhinha (e ainda Francisco Geraldes e Domingos Duarte) foram colocados em clubes de primeira divisão para ganhar rodagem. Matheus ficou, mas sem contar para o treinador.

8. É fácil, neste momento, criticar Jesus por ter optado pela experiência em detrimento da juventude. No entanto, nada nos garante que Podence, Iuri, Gauld, Palhinha, Domingos ou Geraldes fizessem a diferença em relação aos que ficaram no plantel. Estes seis jogadores impuseram-se, com maior ou menor dificuldade, nas equipas a que foram cedidos, e estão a ganhar ritmo e experiência que acelerarão o seu desenvolvimento - certamente mais do que se ficassem no Sporting para serem utilizados esporadicamente. Uma ressalva: a situação de Iuri é diferente da dos colegas, pois já fez a rodagem suficiente na primeira divisão em épocas anteriores, e o seu jogo não ganha nada com o empréstimo ao Boavista. Mas também não foi pelo seu jogo que Jesus o dispensou - terão sido questões de falta de aplicação nos treinos.

9. É assim tão estranho que Jorge Jesus tenha preferido apostar na experiência? Olhando para os últimos anos, contam-se pelos dedos de uma mão os jogadores da formação que se impuseram no plantel principal sem terem rodado noutros clubes. Gelson Martins é a exceção a uma regra que conta com os exemplos de Cédric, Rúben Semedo, William Carvalho, Adrien Silva e João Mário. Carlos Mané, Tobias Figueiredo e Matheus Pereira também foram promovidos sem terem rodado noutros clubes, mas nunca se chegaram a impor. A evolução normal de um jogador passa por ganhar experiência num patamar intermédio entre a equipa B e o plantel principal do Sporting.

10. Apesar de estatisticamente compreensível, a decisão de Jorge Jesus não encaixa na cultura que existe no Sporting - a aposta contínua em jovens da formação. O normal é que, todos os anos, um, dois ou três jogadores da formação sejam integrados no plantel principal. Na época passada Jesus lançou Gelson e Rúben (e Matheus, a um nível menos regular). Bastava uma aposta regular em Matheus para manter essa tradição com uma chama minimamente acesa. No entanto, nem isso Jesus fez.

11. Ao invés, abriu espaço no plantel para um conjunto de jogadores que, ao fim de meia época, ainda estão por justificar o porquê dessa aposta, como Petrovic, Meli, Elias, Alan Ruiz, Markovic, André e Castaignos. Alguns desses jogadores prometiam, outros nem por isso. O que é facto é que nenhum destes rendeu aquilo de que o clube precisava: alguns por falta de categoria, outros por problemas de adaptação, outros, se calhar, por falta de vontade ou estaleca psicológica.

12. Olhando para o panorama global do ataque ao mercado, são poucas as contratações que, neste momento, se podem considerar acertadas. Dost é, de longe, a melhor contratação. Campbell, mais irregular, também é uma mais-valia. Outros, mesmo jogando pouco, mostram capacidade para estar ao nível das exigências se forem chamados a competir - como Beto e Douglas.

13. Considerando tudo isto, parece-me que os maiores pecados da estrutura do Sporting estão no trabalho que foi feito na formação do plantel. Gastou-se demasiado dinheiro para tão poucos reforços efetivos. Não nos podemos esquecer que, segundo o R&C do primeiro trimestre, este deverá ser o plantel mais caro da história do Sporting. Neste momento, parece óbvio que Jorge Jesus apenas confia num conjunto de 14 ou 15 jogadores - o que é muito curto para uma época tão preenchida. 

14. A prospeção de jogadores é um dos grandes problemas do Sporting. Desde que Bruno de Carvalho tomou posse, a percentagem de acerto nas contratações é muito reduzida. Na época de Leonardo Jardim houve um acerto razoável, mas o nível de exigência era inferior. Na época de Marco Silva, as contratações foram um desastre. Nestas duas épocas, há uma atenuante importante: não havia dinheiro para comprar jogadores acima de preços de saldo. Nas épocas de Jorge Jesus, o paradigma mudou. O acerto subiu bastante na época passada, mas na atual voltou a cair significativamente.

15. Parece-me que Bruno de Carvalho cometeu um erro: colocou demasiado poder nas mãos de Jorge Jesus. Vieira cometeu o mesmo erro em julho de 2010 e arrependeu-se. Jesus tem várias qualidades, mas a identificação de jogadores não é uma delas. O caso de Alan Ruiz é paradigmático: o Sporting gastou cerca de 8 milhões (2 desses milhões foram em prémio de assinatura para o jogador) para satisfazer um pedido do treinador. O problema é que as características do atleta nem sequer se encaixam no esquema tático de Jesus. Com este dinheiro, teria sido possível contratar dois jogadores habituados ao futebol europeu e com margem de progressão igual ou superior.

16. Os resultados das opções tomadas em julho/agosto estão à vista de todos: há poucos jogadores que entrem nas contas do treinador, e muitos dos atletas mais utilizados estão agora a ressentir-se fisicamente da sobrecarga de jogos a que foram sujeitos.

17. Paralelamente à questão de confiar num núcleo de jogadores tão reduzido, Jesus também tem responsabilidades na forma como não está a conseguir tirar o melhor proveito de alguns dos seus atletas. Por exemplo, continua a colocar Campbell fora de posição, Ruiz a fazer de Teo, e a teimar em exigir de Gelson e Dost aquilo que exigia de João Mário e Slimani. São jogadores muito diferentes. Jesus pode tentar adaptar os jogadores ao seu esquema de jogo, mas também deve adaptar o seu esquema de jogo às características dos jogadores que tem. É inadmissível que Dost não tenha mais do que 2 ou 3 oportunidades de golo em cada jogo. Por vezes, nem 2 tem... e assim fica difícil marcar.


O que fazer no que resta de dezembro e em janeiro?

18. Tem, obrigatoriamente, de haver um esforço para reestruturar o plantel. Aqueles que não têm nível para representar o Sporting, devem sair já. Desses, é vender quem tiver algum mercado, e tentar chegar a um acordo de rescisão com aqueles que não tiverem clubes interessados.

19. Fazer regressar alguns dos jovens da casa que podem fazer posições para as quais não há quaisquer alternativas aos titulares. Não fazê-los regressar só por regressar - se é para jogarem pouco ou nada, mais vale continuarem a ganhar experiência onde estão. Seria importante por vários motivos: recuperar alguma empatia dos sportinguistas com a equipa, e começar a preparar a próxima época ao mesmo tempo que se luta pelos objetivos que ainda nos restam.

20. Jorge Jesus é o melhor treinador que o Sporting pode ter. Escrevo isto convictamente - e mesmo considerando as críticas que fiz nos pontos anteriores. Mas o facto de ser um técnico excecional, não significa que seja igualmente excecional em todas as vertentes do seu trabalho. Bruno de Carvalho precisa de gente, no departamento de futebol, que complemente Jesus nas suas lacunas. Há, por isso, que retirar a Jorge Jesus o poder em excesso que lhe foi atribuído. Jesus não tem competências de olheiro e não tem competências de diretor desportivo. Bruno de Carvalho precisa de um diretor desportivo forte e com poder, e precisa também de rever a estratégia ao nível da prospeção. Não sei se já existem pessoas com as qualidades necessárias na estrutura atual. Se sim, é dar-lhes a oportunidade. Se não, há que os recrutar. Mais do que as eleições, a prioridade de Bruno de Carvalho deve ser a de se rodear de pessoas competentes - e não apenas de yes-men. Conseguindo isso, a vitória nas eleições - se é que não está já garantida - surgirá como inevitável consequência.