quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Não há estratégia que resista às derrotas em campo

Na primeira semana de dezembro, algo de anormal aconteceu. A comunicação social, em massa, começou a falar de arbitragem. Toda. Mesmo aqueles que dizem ter o princípio de não falar de arbitragens, decidiram dar os seus dois tostões para a discussão. Motivo? A berraria feita pelo Benfica, no final da derrota com o Marítimo, por causa do antijogo. Num jogo sem casos, em que não existiram penáltis por marcar, em que os três golos marcados foram legais, em que não houve nenhum golo mal invalidado, em que não ficou nenhum jogador por expulsar nem houve nenhum jogador injustamente expulso, não houve jornal ou site desportivo que não desatasse a condenar o antijogo e a exigir/propor alterações para acabar com tal flagelo. Uma pessoa menos atenta poderá ter ficado com a sensação de que teria sido o primeiro jogo em Portugal em que uma equipa simulava lesões para perder tempo. A comunicação social, por uma vez na vida, tomou as dores do clube que reclamava contra a permissividade demonstrada pelos árbitros perante o antijogo.

No mês seguinte, decorreram vários jogos com erros de arbitragem realmente grosseiros. Daqueles que definem resultados de jogos e ajudam a definir competições. O Sporting podia ter saído da Luz na liderança no campeonato. No entanto, dois penáltis ignorados na área do Benfica - um dos quais deu origem ao primeiro golo do Benfica - deixaram o Sporting a cinco pontos. Podíamos também falar da forma como fomos afastados da Taça da Liga. Como reage a comunicação social a tudo isto? Passando uma esponja pelo sucedido: os árbitros são pessoas, sujeitas a errar; o erro é aleatório e faz parte do jogo; todos são beneficiados e prejudicados em igual medida; as arbitragens não decidem o desfecho dos jogos; há demasiada pressão sobre os árbitros e há que castigar exemplarmente quem os critica.

A ação branqueadora de diversos indivíduos, colocados nos jornais e televisões para passar a mensagem que for mais conveniente, foi mais do que evidente. Podem dizer que estão a apelar à calma, a proteger o setor, mas essa argumentação cai por terra quando se vê que esse discurso é abandonado provisoriamente quando lhes é conveniente. 

Curiosamente, nas pormenorizadas análises que fizeram, não vi ninguém a encarar o problema da perspetiva de quem é continuamente prejudicado.

É que existem dois níveis de análise relevantes. A primeira, mais imediata, é o impacto que os erros têm nos jogos em que são cometidos. Todas as equipas, ao longo de uma época, ganham alguns jogos com maior dificuldade do que outros. Nesses jogos mais equilibrados, se há equipas que têm o triplo ou o quádruplo (ou mais) de decisões erradas em seu prejuízo em comparação com um rival, é inevitável que acabem por ceder pontos em mais partidas do que o tal rival menos azarado. Numa competição que premeia a regularidade, este acaba por ser um fator de influência indiscutível. 

Mas existe um segundo nível, que, não sendo imediato, é muito pernicioso pela forma como pode, durante um período de tempo mais prolongado, envenenar todo o trabalho feito até então: falo de toda a carga psicológica que se abate sobre a equipa que tem resultados negativos. Quem segue o futebol sabe da importância da motivação de uma equipa, da confiança com que encara os jogos. Não se pode comparar o espírito de uma equipa que vai acumulando maus resultados com o espírito de uma equipa que vai passando por entre os pingos da chuva. Os jogadores parecem piores do que são, a inspiração coletiva aparece com menos facilidade, a paciência dos adeptos reduz-se, a tensão e os nervos têm a tendência de tomar conta de todos quando as coisas se complicam. Ao invés, os menos azarados acabam por usufruir de uma situação inversa. É muito mais fácil tudo correr bem, transpiram confiança e, não menos importante, não sentem o mesmo nível de pressão por terem muito mais margem para errar.

No Dia Seguinte de segunda-feira, Rogério Alves abordou, e bem, este tema. Vale a pena ouvir. 


"Não há estratégia que resista às derrotas em campo". Tal e qual. Atrevo-me a complementar essa afirmação com isto: quando há vitórias em campo, qualquer estratégia parece fantástica.