sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Os alertas de Vítor Serpa

Vítor Serpa, diretor do jornal A Bola, decidiu usar o editorial de quinta-feira para comentar a entrevista dada por Jorge Jesus à Sporting TV, no dia anterior, e que foi assunto de capa dessa edição.

No entanto, ao contrário do que seria de esperar, Vítor Serpa não centrou os seus comentários no conteúdo da entrevista. Não fez quaisquer considerações sobre o discurso do treinador, não mencionou as acusações feitas ao setor da arbitragem, nem sequer criticou a incapacidadade de Jesus em assumir erros próprios, que estão à vista de todos.

Para Serpa, a questão mais relevante da entrevista reside no facto de Jesus... ter dado a entrevista à Sporting TV.


Compreendo parcialmente o ponto de vista de Vítor Serpa. Quando um profissional de um clube dá uma entrevista a um órgão de comunicação do próprio clube, é evidente que se reduzem significativamente as probabilidades de serem feitas perguntas realmente incómodas. A partir do momento em que existem restrições destas, é legítimo que se diga que a entrevista tem menos interesse do que teria caso fosse conduzida por jornalistas totalmente independentes.

No entanto, conforme referi no início do parágrafo anterior, Serpa apenas tem razão parcial naquilo que escreve. O que não faltam por aí são exemplos de entrevistas realizadas por órgãos de comunicação social (em teoria) independentes que, apesar desse estatuto, parecem revelar idêntica aversão a perguntas incómodas. 

Como não referir, por exemplo, as entrevistas de ano novo que o próprio jornal A Bola faz, por intermédio do seu diretor adjunto, José Manuel Delgado, a Luís Filipe Vieira? Falamos de entrevistas que mais parecem conversas amenas entre dois amigos de longa data, em que o jornalista se limita a lançar temas previamente combinados, sem qualquer contraditório, nem interesse em dar sequência a respostas que não esclarecem nada nem ninguém.

Ou então, podemos também recordar a longuíssima entrevista que a TVI fez ao mesmo Luís Filipe Vieira, dividida em duas partes: a primeira, conduzida por José Alberto Carvalho, em que foi óbvia a falta de preparação do entrevistador - com a atenuante de o futebol não ser a sua área; e a segunda, que foi conduzida por adeptos / antigos atletas do Benfica - Pedro Ribeiro, Domingos Amaral e Diamantino.

Não me recordo de ver o diretor do jornal A Bola mostrar-se incomodado por Luís Filipe Vieira escolher interlocutores tão tenrinhos quando decide sair da sua zona de conforto (BTV).

Mas as palavras de Serpa ganham contornos de hipocrisia suprema se fizermos um pequeno exercício de memória e recuarmos ao verão de 2014, para recuperar as palavras que o diretor de A Bola escreveu por ocasião de uma entrevista dada por Luís Filipe Vieira à BTV. Relembre-se que esse período foi particularmente quente para o Benfica, pois o clube estava envolvido em polémica por causa de vários assuntos, como a questão BES, a fuga de Oblak ou os empréstimos de Bernardo Silva, Cancelo e Cavaleiro. Vítor Serpa dedicou à entrevista um pequeno comentário, num canto da sua página semanal, com o título "A entrevista do presidente".


Será que se mostrou igualmente incomodado pelo facto de a entrevista ter sido feita pela BTV, e com a consequente limitação da "total liberdade de expressão e do manifesto interesse do público"? Vejamos:


Condições restritivas? Lógica comunicacional que oscila entre a informação e a propaganda? Nada disso: Neste caso, Vítor Serpa considerou que Vieira "fez bem em falar", numa entrevista que classificou de rigorosa e digna.

Não é novidade nenhuma esta falta de coerência e de princípios em Vìtor Serpa, característica que se estende também aos seus adjuntos. O próprio confirma a sua própria falta de princípios na coluna de ontem, ao escrever: "É, aliás, pelos perigos que assinalamos, que o recente congresso dos jornalistas fez aprovar uma recomendação para que, nestas condições, nenhum jornal publicasse este tipo de entrevistas. Por respeito a Jorge Jesus e aos leitores de A BOLA publicamos as declarações do treinador".

Curioso: Serpa faz questão de assinalar os perigos das entrevistas a canais de clube, mas não deixa de pactuar com elas ao dar-lhes eco. E deveria ter-se abstido de justificar essa decisão com um suposto respeito por Jorge Jesus e pelos leitores do jornal, porque isso não é verdade: Serpa publicou a entrevista por simples motivos comerciais. É evidente que não existe qualquer respeito por Jorge Jesus - desde que trocou de clube, claro está - nem qualquer respeito pelos leitores. Se respeitassem os leitores, não mudariam de opinião sobre as mesmas coisas em função dos interesses do momento, nem seriam o patético meio de propaganda benfiquista em que se transformaram.