quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

As "movimentações estratégicas" do Benfica


Apreciei a invulgar sinceridade com que António Pragal Colaço, comentador da Benfica TV, descreveu, na semana passada, algumas das movimentações de mercado do seu clube. Apreciei, mas não fiquei surpreendido, pois Pragal Colaço não é homem que habitualmente se fique por meias palavras. No entanto, há que dizer que, apesar de ter tocado num assunto que raramente alguém se atreve a abordar na comunicação social, o comentador apenas tocou de raspão num tema que tem muito, mas muito mais para dizer.

Olhando para o historial de aquisições/empréstimos/vendas do Benfica, até me atrevo a dizer que a espionagem é uma das coisas que menos interessará aos responsáveis pelas contratações. Não deve existir nenhum clube no mundo que use o mercado de transferências para efeitos extra-desportivos, de forma tão diversificada e descarada, como o Benfica.

Vamos recapitular algumas dessas situações.


1. Interesses estratégicos (Luís Fariña) 

Contratado ao Racing por 3 milhões de euros em finais de julho de 2013, o jogador argentino nem deve ter tido oportunidade para conhecer os principais pontos turísticos de Lisboa. Apenas duas semanas após a oficialização da sua contratação pelo Benfica, Vieira emprestou Fariña ao Baniyas, do Dubai - um clube que já tinha tentado contratar o jogador alguns meses antes de o Benfica entrar em cena. Vieira justificou a trasfega de duas formas: 

1) O empréstimo iria permitir ao Benfica reaver 40% do investimento no jogador.

2) Tratava-se de uma operação estratégica, pois... o Dubai era uma região de grande interesse para o Benfica.

Não sei se esta operação acabou ou não por ter influência, mas há que dizer que o Dubai deu, entretanto, algum retorno ao Benfica: um patrocinador de prestígio - a Fly Emirates - que, sabemos agora, afinal não paga mais do que outros patrocinadores portugueses (LINK); e um prémio de melhor academia do mundo no Globe Soccer Awards, uma categoria de tal forma importante que, na edição seguinte, os organizadores até se esqueceram de a atribuir (LINK).

Em relação ao investimento, resta saber se os outros 60% foram recuperados. Depois do Baniyas, Fariña foi emprestado ao Deportivo Coruña, Rayo Vallecano, Universidad de Chile e Asteras Tripoli. Ainda tem contrato com o Benfica, que termina em junho de 2018.


2. O carrossel dos mendilhões (Rodrigo, André Gomes, Cancelo, Bernardo Silva, Cavaleiro, Helder Costa, Raul Jimenez, Pizzi)

As decisões que envolvem grandes somas de dinheiro costumam basear-se em critérios minimamente racionais. No entanto, racionalidade é um conceito que não abunda nas transferências do carrossel dos mendilhões, uma espécie de cooperativa restrita a clubes que vivem dentro da esfera de influência de Jorge Mendes - com o Benfica posicionado bem no centro da ação.

Estes negócios caracterizam-se por transferências sobreavaliadas de jogadores que, uma vez entrando no circuito, dificilmente saem de lá. A lista é extensa e, em comum a todos os nomes, está o facto de, à data das respetivas transferências, estarem muito longe de justificar o valor "acordado" entre os clubes. Muitos dos atletas continuam a saltar de clube em clube, as verbas anunciadas são sempre impressionantes, mas fica a (séria) dúvida sobre se, realmente, todo aquele dinheiro chegou algum dia a trocar de mãos. A verdade é que, depois de tantos e tantos milhões (supostamente) encaixados, o Benfica nunca conseguiu reduzir a sua dívida bancária e obrigacionista.

Há, no entanto, um efeito imediato e indesmentível de compras e vendas sobreavaliadas entre os mesmos clubes: melhoram artificialmente as contas, com o registo imediato de lucros fabulosos das vendas e empurrando para a frente os custos das compras, contornando desta forma o problema do Fair Play Financeiro. 


3. Ligações perigosas com lavagem de dinheiro e evasão fiscal (Vera)

A compra de Francisco Vera pelo Benfica é, provavelmente, o negócio que mais sinais de alarme levanta em relação a uma possível ilegalidade. Aqui, tudo tresanda.

Começa no facto de o Benfica ter decidido pagar 2,8 milhões de euros por um jogador de 21 anos completamente desconhecido no Paraguai, que não era internacional A - nem sequer internacional sub-20 -, ao Rubio Ñu, um clube da segunda metade da tabela desse país. Vera nem sequer era titular nesse clube, e estava avaliado pelo Transfermarkt em 25.000€. O caso despertou a atenção dos media paraguaios, que lançaram suspeitas de lavagem de dinheiro e evasão fiscal (LINK).

Um ano depois - após uma passagem mal sucedida no Benfica - foi emprestado ao CA Fenix, um clube desconhecido do Uruguai, mas que está assinalado como um dos paraísos fiscais desportivos que ajudam os clubes europeus a cometerem fraudes fiscais (LINK).

Assumindo que o Benfica efetivamente pagou esta verba ao Rubio Ñu, trata-se de uma decisão desportiva e de gestão incompreensível, o que não ajuda a dispersar as suspeitas de lavagem de dinheiro. Por que razão existem essas suspeitas? Porque, caso se tratasse de uma transferência fictícia (ou seja, que não tivesse movimentado os valores anunciados), o clube (ou uma pessoa ligada ao clube) que "faturou" os 2,8 milhões passou a ter margem para puxar 2,8 milhões de euros provenientes da economia paralela. Por sua vez, o clube comprador gera custos fictícios, que permitem abater os impostos que teriam que pagar, ao mesmo tempo que também podem colocar 2,8 milhões em cash fora do radar das autoridades - que podem ser usados para todo o tipo de despesas que não passam fatura - if you know what I mean (LINK).


4. A robertada com o Zaragoza

No verão de 2010, o Benfica adquiriu Roberto ao Atlético Madrid (quem diria?) por 8,5 milhões de euros, representando, à data, uma das maiores transferências de sempre de um guarda-redes.

O jogador teve uma época completamente desastrosa, custando pontos atrás de pontos ao Benfica. No final da época, ninguém ficou surpreendido quando se soube que o Benfica estava a tentar vendê-lo. O que ninguém estava à espera era que, após uma prestação desportiva tenebrosa, o Benfica conseguisse vendê-lo... com lucro! Mas foi precisamente isso que aconteceu: o Benfica anunciou a venda ao Zaragoza por 8,6 milhões de euros.

Na altura, ninguém com dois palmos de testa acreditou que a venda fosse real - foi daqui que surgiu a expressão milhões da treta -, algo que se acabou por confirmar um ano mais tarde, quando o Benfica anunciou o regresso do jogador. Afinal, o Zaragoza tinha pago apenas 86 mil euros, ou seja 1% do valor declarado.

Falharia assim a óbvia tentativa dos responsáveis benfiquistas em salvar a face de um negócio desastroso.

As confusões com Roberto não ficaram por aqui. Houve uma devolução ao Atlético, com uma passagem imediata para o Olympiakos, mas por valores significativamente inferiores.


5. Protocolos e empréstimos de jogadores a clubes com estádios em construção ou remodelação

Este é um dos maiores clássicos da presidência de Vieira, homem que tem negócios pessoais (e muitos amigos com negócios) na área da construção e imobiliário. Quando o Benfica anuncia um protocolo ou empréstimos de jogadores a equipas estrangeiras, a primeira coisa que qualquer pessoa atenta faz é verificar se esse clube tem algum estádio em construção. Normalmente... tem.


6. Contratações em vésperas de jogo (Jardel, André Horta, José Fonte e Djaniny)

A questão de André Horta está fresca na memória. Na época passada, o Benfica demonstrou interesse em recuperar um jogador da sua formação e, curiosamente, acabou por não ser utilizado no Benfica - V. Setúbal.

O caso de Jardel é um pouco mais antigo, mas o modus operandis foi semelhante: o Benfica conseguiu contratar o central poucos dias antes de defrontar o Olhanense para o campeonato.

O episódio de José Fonte é o mais complexo de todos. Em 2005, o jogador era titular indiscutível do V. Setúbal, mas um dia antes de a equipa da foz do Sado defrontar o Benfica, José Fonte rescindiu... e uma semana depois foi apresentado no Benfica (LINK). No entanto, ao contrário dos dois casos anteriores, Fonte nunca chegou a alinhar com a camisola do Benfica, pois foi imediatamente emprestado ao Paços de Ferreira.

Houve também, em 2011/12, o caso de Djaniny, ligeiramente diferente dos restantes. O interesse do Benfica no jogador propagou-se nas semanas que antecederam um U. Leiria - Benfica. Djaniny foi utilizado nesse jogo, e a contratação veio a consumar-se 3 depois. Não surpreendentemente, o Benfica emprestou Djaniny ao U, Leiria no resto da época. Na época seguinte, Djaniny foi colocado na equipa B do Benfica, onde fez 2 jogos, e foi emprestado, ainda no mercado de verão, ao Olhanense. Nunca mais voltou a vestir a camisola do Benfica.


7. Contratações a custo zero ou a custo reduzido para colocar imediatamente noutros clubes (Candeias, Marçal, Hugo Vieira, Djavan, Pelé, Dálcio, Steven Vitória, José Fonte, Marco Ferreira, e tantos, tantos outros)

Algumas para desviar jogadores de rivais, outras para fazer um jeito aos clubes vendedores, outras para fazer um jeito aos clubes que receberam os jogadores por empréstimo. Quanto ao interesse do Benfica nisto, a imaginação é o limite.