sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Balanço do debate de ontem


O debate presidencial de ontem foi um momento importante do processo eleitoral porque deu a oportunidade aos candidatos de fazerem o sempre necessário e desejável contraditório mútuo - ao trabalho realizado do presidente em exercício e às propostas apresentadas pelo candidato que pretende assumir esse cargo. Mas a verdade é que, no cenário atual, com duas candidaturas de natureza tão oposta, duvido que existisse um grande número de indecisos que pudesse definir o seu sentido de voto em função da prestação dos dois protagonistas no debate, salvo na eventualidade de surgir alguma revelação bombástica. Como tal coisa não sucedeu, e independentemente da qualidade (ou falta dela) da prestação de cada um dos candidatos, não me parece que o debate de ontem venha a ter um impacto minimamente significativo no desfecho das eleições.

De qualquer forma, parece-me útil fazer um balanço do que como correu o confronto entre os dois candidatos. Não vale a pena estar a dizer quem, na minha opinião, saiu "vencedor" do debate, porque já se sabe que, nestas coisas, cada cabeça, sua sentença: os apoiantes de Madeira Rodrigues, os adeptos de clubes rivais e comentadores como Bruno Prata e Carlos Janela acharão que este "ganhou de goleada"; os apoiantes de Bruno de Carvalho dirão que o atual presidente venceu por falta de ideias do seu opositor. Prefiro, por isso, focar-me apenas nos momentos do debate que, enquanto sócio atento que irá votar no dia 4, me pareceram mais relevantes.

Os dois candidatos optaram por seguir estratégias diferentes: Bruno de Carvalho procurou mostrar as virtudes do trabalho que desenvolveu ao longo dos últimos quatro anos, enquanto Pedro Madeira Rodrigues jogou mais ao ataque. Em alguns casos, Madeira Rodrigues excedeu-se nesses ataques, entrando em considerações da vida pessoal e profissional de Bruno de Carvalho que nada têm a ver com a sua presidência. Não sei se a ideia seria tentar conseguir reações mais a quente de Bruno de Carvalho, mas o presidente manteve-se bastante calmo - aliás, mais calmo do que seria de esperar. Mas, na generalidade do debate, o tom do discurso de ambos os candidatos manteve-se dentro dos limites desejáveis.

Como é normal nestas circunstâncias, Madeira Rodrigues tentou tocar nos pontos mais sensíveis da presidência de Bruno de Carvalho, como a questão das assistências mais recentes, a estratégia de comunicação, a participação de Costa Aguiar em alguns negócios ou a contratação de Bruno Paulista, mas nem sempre concretizou as acusações, acabando por se ficar apenas pelas insinuações.

Bruno de Carvalho procurou dirigir a conversa para temas que lhe eram mais favoráveis, como os resultados financeiros, a evolução das receitas e a redução do volume de comissões pagas a agentes e intermediários. Obviamente que também contra-atacou sempre que teve oportunidade, nomeadamente procurando rebater algumas das promessas eleitorais do adversário. E foi aqui que, na minha opinião, Madeira Rodrigues esteve pior:
  • Obras no estádio: Madeira Rodrigues insistiu em como as obras (cobertura do fosso, substituição das cadeiras, painéis eletrónicos e safe-standing) iriam custar apenas 1,5 milhões. De novo, apenas a revelação que a parte da cobertura do fosso está orçamentada em 600.000 euros. Bruno de Carvalho contrapôs, apresentando um estudo em como obras estruturalmente bem feitas (com rebaixamento do relvado e construção das novas bancadas em betão) custariam 10 milhões. Perante isto, Madeira Rodrigues respondeu com: "Temos uma maneira de as pessoas que estão no fosso conseguirem ver". Imagina-se a qualidade da obra que tem planeada. Para além de que sobram 900.000 euros para trocar 50.000 cadeiras, ou seja, o orçamento por cadeira (remoção, material, transporte, instalação e margem do empreiteiro) não pode ultrapassar os 18 euros por lugar...
  • O centro náutico afinal, segundo Madeira Rodrigues, era "uma piada", e que não iria custar nada ao Sporting - os custos ficariam todos a cargo da Câmara de Lisboa.
  • O centro de estágios do norte também não iria custar nada, e seria conseguido através de um protocolo com um município que não especificou.
  • Voltou a insistir que a saída de Jorge Jesus seria "limpinha, limpinha", sem custos para o Sporting.

Portanto, segundo Madeira Rodrigues, será tudo de borla ou quase dado, o que é uma demonstração quase juvenil de wishful thinking. Aliás, pareceu muito mal informado em relação às contas do clube, responsabilizando as pessoas erradas pelo descalabro a que se assistiu, e mal preparado quando o assunto era sobre VMOC's, dívida à Doyen ou o equilíbrio entre custos e receitas.

Para além disto,  criticou a negociação que Bruno de Carvalho fez com a NOS, pois, na sua visão, o Sporting deveria conseguir contratos superiores aos de Benfica e Porto porque "os sportinguistas têm condições financeiras ligeiramente acima dos rivais". Isto é ridículo, e é reveladora de uma visão elitista completamente desajustada à realidade atual do clube.

Defendeu ainda o recurso aos fundos para adquirir melhores jogadores. Madeira Rodrigues parece não ter percebido que este foi um dos motivos que aproximou o Sporting da falência - para além do facto de a partilha de passes ser agora proibida pela FIFA.

Em relação ao seu treinador, não dá para perceber qual é o ponto em que está esse dossier. No debate disse que ainda não o apresentou para não desestabilizar a equipa, mas, no final, em conversa com jornalistas, disse que a próxima semana servirá, entre outras coisas, para fechar a questão do treinador. Mas afinal tem ou não tem treinador?

Resumindo, um debate em que Madeira Rodrigues acabou por ser o protagonista, não só por ter jogado mais ao ataque, mas também por revelar bastante impreparação na defesa do seu próprio programa e nos assuntos financeiros.