terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Jesus e o guião de Palhinha

As qualidades e os defeitos de Jorge Jesus são bem conhecidos pelos adeptos de futebol em Portugal. Dois dos defeitos mais referidos são o ego - com a consequente dificuldade em admitir erros próprios - e a capacidade oratória. Não acho que a capacidade de comunicação de Jesus seja má. Quando não se deixa tomar pelo ego e quando escolhe as palavras com um mínimo de cuidado, é muito eficaz a passar a mensagem que quer. E, quase sempre, a mensagem está totalmente alinhada com a estratégia delineada pelo clube. Tomara que todos os treinadores que passaram pelo Sporting fossem assim.

Não sejamos ingénuos: Jorge Jesus tem estado na mira da comunicação social e da propaganda benfiquista desde que trocou de clube. A partir do momento em que passou a ser treinador do Sporting, têm sido constantes as especulações que envolvem o seu trabalho, o seu caráter e o seu relacionamento com o resto da estrutura. Tem valido de tudo - mas mesmo de tudo - para colocar em causa o treinador: invenções atrás de invenções, e até chegou a haver um caso em que um jornalista mentiu, em plena conferência de imprensa, de forma a obter uma reação mais sensacionalista de Jesus. Esteja o Sporting a atravessar uma série de bons ou maus resultados, não há conferência de imprensa em que mais de metade das perguntas não sejam feitas com o único intuito de meter carvão

Perante uma comunicação social que (de há ano e meio para cá) lhe é abertamente hostil, Jesus responde exemplarmente em 95% das situações. Relembro a forma como soube sempre matar as especulações sobre um hipotético mau relacionamento com Bruno de Carvalho, ou como foi publicamente solidário com a decisão da direção em afastar Carrillo do plantel quando se percebeu que a renovação era impossível.

Claro que é inegável a existência de momentos em que Jesus teria feito melhor em manter-se calado. Na maior parte desses casos foi traído pelo ego, noutros por se ter atrapalhado nas palavras utilizadas, e, nos restantes, por responder com uma franqueza que é cada vez mais rara, em oposição à tendência revelada pela generalidade dos treinadores em escudar-se na hipocrisia ou em lugares-comuns.

O caso das declarações do técnico sobre João Palhinha encaixa-se na segunda hipótese: palavras mal escolhidas. Só ontem vi a flash interview completa, e não tive dúvidas de que Jesus assumiu as responsabilidades pelo mau início de jogo no Dragão. Jesus não crucificou Palhinha. Jesus disse que Palhinha foi para dentro de campo com o guião errado, ou seja, com as instruções erradas. Quem tem a responsabilidade de dar as instruções ao jogador? A equipa técnica, como é óbvio.

Infelizmente, Jesus não usou as palavras certas - se calhar pela falta de hábito que tem em admitir erros próprios - e isso foi o suficiente para alimentar a ânsia da comunicação social, dos rivais, e até de alguns sportinguistas - desiludidos com o resultado e/ou mal informados em relação ao sentido exato da afirmação - em atacá-lo.