terça-feira, 21 de março de 2017

A ladainha de Bernardo Silva

A saída de Bernardo Silva é um assunto mal resolvido entre os benfiquistas. Custa-lhes que um jogador, indiscutivelmente talentoso, que sempre mostrou ser um adepto fervoroso no seu clube não tenha tido oportunidade de se impor na equipa principal do Benfica. E como lhes custa, manda a sua consciência que encontrem um responsável pelo sucedido. E quem melhor do que Jorge Jesus para levar com as culpas?

Sim, Jorge Jesus, na sua qualidade de treinador, podia ter aberto caminho a uma maior utilização de Bernardo Silva... mas haveria realmente condições para o fazer perante a concorrência que existia? É que falamos de um plantel que tinha jogadores como Gaitán, Salvio, Markovic, Rodrigo, Djuricic ou Sulejmani, que ganhou tudo o que podia ganhar internamente (Liga, Taça de Portugal e Taça da Liga) e atingiu a final da Liga Europa. É óbvio, perante a riqueza do plantel e a exigência do calendário, que Jesus não tinha grande margem para lançar jogadores da equipa B. E convém relembrar que, nessa época (2013/14), Bernardo Silva tinha 19 anos e estava longe de ser o produto acabado que é hoje.

Em 2014/15, Bernardo Silva integrou os trabalhos do plantel na pré-temporada. Foi suplente utilizado nos dois jogos da Taça de Honra da A.F. Lisboa. Três dias depois, foi suplente utilizado contra o Marselha. Não foi utilizado na Eusébio Cup. Voltou a não ser utilizado contra o Sion mas, no dia seguinte, foi suplente utilizado contra o Athletic. Depois seguiu-se a participação na Emirates Cup, também disputada em dias consecutivos: Bernardo Silva não jogou contra o Arsenal, mas foi suplente utilizado contra o Valência. O jogador não teve uma grande utilização ao longo da pré-época, é certo, mas não foi propriamente um vazio de oportunidades.

Pelo meio, rebentou uma polémica causada pelo pai do jogador, que não gostou de ver o filho a treinar a defesa esquerdo. Uns dias mais tarde, antes do início oficial da época, Bernardo Silva foi emprestado ao Mónaco.

Para evitar discussões desnecessárias, partamos do princípio de que Jesus não gosta do jogador, e que não colocou entraves ao empréstimo do jogador. Terá a sua quota parte de responsabilidade pela não afirmação de Bernardo no Benfica? Sim, certamente. Mas então e a estrutura? Se a estrutura benfiquista confiava assim tanto no jogador, por que razão não o emprestou a outro clube sem cláusula de opção de compra? Ainda por cima, vale a pena recordar que isto aconteceu apenas 10 meses antes de o contrato de Jesus terminar - e certamente que, nessa altura, Vieira já estaria a ponderar não renovar com o treinador, como se veio a verificar. Se era apenas uma questão de o treinador não gostar de Bernardo Silva, no final da época o problema ficaria definitivamente resolvido.

Se tiver que haver uma distribuição das responsabilidades, diria que Jesus não terá mais do que 25%. A maior parte das culpas deveria ser atribuída à estrutura, que precipitou a saída de um jogador que ainda tinha vários anos de contrato - ao contrário de Jesus.

E, já agora, Bernardo Silva poderia sempre ter recusado assinar com o Monaco. Certamente que ninguém o obrigou a pôr a sua assinatura no papel. Suponho que tenha sido uma decisão difícil, seguramente ajudada por conselhos importantes que terá recebido nesse sentido - e que não terão sido dados por Jorge Jesus.

Daí que não faça qualquer sentido que o jogador aponte unicamente na direção do treinador para justificar a sua não afirmação no Benfica, como voltou a fazer ontem:


Será que seria mesmo assim? É que Rui Vitória também já demonstrou ter as suas obsessões por determinados jogadores que não demonstram um rendimento convincente... como Salvio ou Luisão. Rui Vitória também tem as suas prioridades, e não perder a mão do balneário é uma delas.

É fácil perceber o objetivo destas declarações. Bernardo Silva é uma pessoa inteligente, e sabe que ao fazer declarações destas está a ir ao encontro daquilo que os adeptos do seu ex-clube querem ouvir, mesmo que isso não faça grande sentido.

Mas, mesmo que tivessem sido palavras sinceras, bastaria que Bernardo Silva perdesse um minuto da sua vida a ouvir estas palavras do homem que o vendeu...


... para perceber que a sua estadia no Benfica estava destinada a não ser muito prolongada, mesmo que a titularidade lhe aterrasse no colo. É ver o tempo que Renato Sanches ou Gonçalo Guedes ficaram a partir do momento em que começaram a ser titulares com regularidade. Se Bernardo Silva não ficou o tempo que desejava no Benfica, não foi por causa de Jorge Jesus: o seu destino já estava traçado por Luís Filipe Vieira e por Jorge Mendes.