segunda-feira, 20 de março de 2017

"O suplente do Enzo" de 2ª geração

Há pouco menos de três anos, quando se discutia quais os jogadores que Paulo Bento deveria levar para o mundial do Brasil, Rui Pedro Braz criou uma das mais extraordinárias teorias da história do comentário desportivo português, ao dizer que Adrien Silva - que, nessa época, foi um dos melhores jogadores do campeonato - estaria sempre atrás de Rúben Amorim nas hierarquia de escolha do selecionador, apesar de o médio benfiquista não ser titular no seu clube.

Para Braz, o facto de Rúben Amorim ser suplente de Enzo dava-lhe um estatuto que Adrien, na sua opinião, não tinha:


Ao que parece, Paulo Bento estava de acordo com esta teoria e decidiu convocar Rúben Amorim, deixando Adrien de fora - apenas uma de várias decisões absurdas que acabaram por ser uma preciosa ajuda para o desastre que foi a nossa participação nesse torneio.

Três anos depois, em 2017, parece que vários comentadores estão a recuperar essa linha de raciocínio. Não tão radical como o caso de Rúben Amorim, é certo, mas também a desvalorizar o nível de utilização de um jogador face ao nível do clube a que pertence. Aqui ficam dois exemplos:



Já o escrevi aquando da convocatória da passada quinta-feira: compreendo a convocatória de Renato Sanches e André Gomes - apesar da sua escassa utilização (no caso de Renato) e mau momento de forma (no caso de André)- , mas era só o que faltava que o facto de um jogador pertencer aos quadros de um colosso europeu lhe abra automaticamente as portas da convocatória.

Uma coisa é falarmos de um Cristiano Ronaldo ou de um Pepe, ainda na posse das suas melhores faculdades técnicas e atléticas, jogadores consagrados com um grande historial na seleção. Outra é de jogadores como Renato Sanches e André Gomes (ou mesmo João Mário ou Raphael Guerreiro, para dar outros exemplos) que, apesar de jogarem em grandes clubes de ligas muito mais competitivas do que a nossa, não fizeram ainda o suficiente para justificarem um estatuto idêntico.

Se o critério fosse esse, então por que razão é que Eduardo, suplente de Courtois, não foi convocado? Se o critério fosse esse, então Adrien nunca poderia ambicionar ser titular na seleção enquanto André Gomes estivesse disponível - e vimos todos como correu isso no Euro 2016. Se Secretário fosse hoje jogador do Real Madrid, isso dar-lhe-ia acesso automático ao lote dos convocados?

São legítimas as dúvidas sobre a convocatória de um jogador sem ritmo de jogo para um duplo compromisso. O jornal O Jogo publicou um gráfico com a utilização dos convocados de Fernando Santos desde a última partida da seleção:


Como se pode ver, a diferença de utilização entre Renato Sanches e a generalidade dos outros jogadores é imensa. São 270 minutos de competição em 4 meses. Certamente que não serão um par de treinos e 180 minutos de competição que o farão recuperar a sua melhor forma. Numa convocatória para uma fase final seria diferente: com várias semanas de treino e vários jogos particulares, isso já seria perfeitamente possível.

Existem argumentos válidos para justificar a convocatória de Renato Sanches, mas o clube em que joga não pode servir de escapatória para qualquer tipo de situação.