terça-feira, 2 de maio de 2017

As opiniões de Dr. Serpa e Mr. Vítor sobre o videoárbitro

Ao longo dos últimos meses, têm sido vários os organismos do futebol europeu e mundial a anunciar a adoção do videoárbitro pelas competições que tutelam. A FIFA já confirmou o recurso à tecnologia no mundial da Rússia, as ligas alemã, italiana e holandesa anunciaram a sua utilização a partir da próxima época, enquanto a liga inglesa planeia fazê-lo em 2018/19. Em Espanha existem desentendimentos entre a Liga e a Federação (a primeira quer implemantá-la o quanto antes, a segunda pede calma), o que dificilmente permitirá que o VAR (Video Assistant Referee) seja uma realidade já na próxima época. Em Portugal, diz-se que existe uma luta de poder entre a Liga e a FPF para ver quem consegue impor o seu modelo e as suas pessoas à gestão do videoárbitro. Como é costume por cá, o bem do futebol é colocado acima de tudo.

Independentemente disso, a implementação do VAR é uma inevitabilidade que obrigou muito boa gente a engolir sapos do tamanho das certezas que tinham em como isso seria mau para o futebol e não viria a acontecer num futuro próximo.

Ainda assim, há um conjunto de resistentes que continua a tentar encontrar no VAR tantos problemas quanto possível, num sinal evidente de dificuldades extremas em lidar com a futura realidade. Um desses resistentes parece ser o diretor do jornal A Bola, Vítor Serpa, que, no passado sábado encheu meia página com um texto carregado de sarcasmo e preocupação pelo impacto que o VAR terá no futebol tal como o conhecemos:


Vamos por partes. 


"Os clubes pequenos vão ficar totalmente desprotegidos"

A preocupação de Serpa está centrada nos clubes pequenos, que, na sua opinião, ficarão totalmente desprotegidos por existirem tantos lances a acontecer na sua grande área. Em primeiro lugar, é interessante ver que longe vão os tempos da narrativa de que os três grandes são sempre mais beneficiados do que os clubes pequenos. Se assim fosse, e partindo do princípio que o videoárbitro permitirá acabar com alguns tipos de erro, então a conclusão lógica a tirar seria que os clubes grandes deixarão de ser tão beneficiados face aos clubes mais pequenos e, por inerência, os clubes mais pequenos deixarão de ser tão prejudicados face aos grandes.

Mas Serpa prefere ignorar a imagem global e focar-se num determinado tipo de lance em específico: os agarrões na área. É uma falsa questão. Em primeiro lugar porque sendo natural que, numa primeira fase, existam algumas indefinições em relação ao tipo de contacto físico que será punido, o International Board não deixará de ir atualizando as recomendações dadas a quem tem de decidir. Em segundo lugar porque se esse tipo de contacto físico passar efetivamente a ser punido por indicações do International Board, o natural é que os jogadores das equipas pequenas (e grandes) se comecem a proteger não fazendo determinados tipos de ações na área - à imagem de outras adaptações que os defesas tiveram que fazer no passado - como colocar as mãos atrás das costas quando estão perante um cruzamento ou remate iminente.

O futebol, como em todas as mudanças profundas que aconteceram na sua história, encontrará forma de se adaptar. É tudo uma questão de tempo.


"A vitória dos comentadores encartados, contra os adeptos apaixonados"

Serpa recupera o discurso de que passará a haver um futebol menos genuíno e apaixonante por causa do videoárbitro. Mas haverá maior obstáculo à genuinidade e paixão do futebol do que situações em que os erros dos árbitros se sobrepõem à ação dos jogadores na determinação dos resultados finais?

E achar que Portugal é um caso específico só revela as vistas curtas de quem pensa que o futebol português é assim tão diferente dos restantes futebóis. Há particularidades no nosso futebol, evidentemente, mas não há quaisquer motivos lógicos para se pensar que o VAR terá um impacto negativo apenas em Portugal. Vendo bem, se calhar não é uma questão de vistas curtas: talvez seja apenas uma questão de desconforto em encarar o inevitável por parte de quem se sente tão aconchegado com a situação atual.


"Anda por aí muita gente eufórica..."

Mas a verdadeira gema desta prosa é mesmo a forma como Serpa carrega as suas palavras de sarcasmo para alvejar aqueles que defendem a implementação do videoárbitro. Expressões como "Anda para aí muita gente eufórica", "por mérito de um incorruptível videoárbitro", "a euforia de que vou dando conta, neste pagode chinês e seus derivados, pela aproximação da entrada em funções de um árbitro-robot" são tentativas óbvias de amesquinhar aqueles que, por cá, sempre viram benefícios nesta mudança. Uma demonstração de prepotência e cepticismo que não ficam bem ao diretor do jornal A Bola, quanto mais não seja porque, menos de um mês antes, o próprio Vítor Serpa escreveu isto sobre a implementação do videoárbitro...


No dia 30 de março de 2017, Vítor Serpa pedia a rápida implementação do videoárbitro, com especial urgência no caso português. Trinta dias depois, regressa ao tema dizendo que os efeitos do videoárbitro poderão ser nocivos face às particularidades do futebol português, para além de parecer invadido por uma série de questões filosóficas de segunda ordem. 

Como explicar tamanha inversão de opiniões no espaço de 30 dias? Estaremos perante uma espécie de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, versão futebolito português? Gostava de saber qual terá sido o soro que o Dr. Serpa ingeriu para se transformar em Mr. Vítor... confesso que não sei se é do tipo cartilhoso ou do espirituoso.