terça-feira, 28 de novembro de 2017

O dia em que o futebol português se transformou num sketch de humor nonsense

Perto do final do Aves - Porto, Danilo cai na área da equipa da casa, mas nem o árbitro Rui Costa nem o VAR Bruno Esteves viram motivos para assinalar penálti. Na minha opinião, decidiram mal, mas isso acaba por ser irrelevante para o tema deste texto. É bem possível que, mesmo que tivesse sido assinalado penálti, os acontecimentos que se seguiram após o final do jogo fossem exatamente os mesmos.

Nas redes sociais as opiniões, como não poderia deixar de ser, dividiram-se. Um sportinguista filma uma das repetições com o telemóvel e coloca-a no Twitter, usando a sua conta Sporting Dependente. O vídeo, que acaba por sair com muito pouca qualidade, não capta de forma minimamente clara o momento em que o jogador do Aves toca na perna de Danilo. Fruto de várias partilhas, o vídeo começa a ganhar alguma embalagem mediática e chega aos olhos do responsável pela conta de Twitter que o Benfica criou para comunicar de forma privada com os jornalistas. Foi neste momento que o assunto se transferiu da esfera dos adeptos para as mais altas instâncias da propaganda do futebol português.


Nuno Farinha, subdiretor do Record, usa o vídeo como argumento para defender a decisão do árbitro Rui Costa num bate-boca no Twitter - o que, como calculam, levou a que os ânimos ainda se incendiassem mais entre quem assistia à conversa. Entretanto, começam a circular outras imagens, de melhor qualidade, que levam Farinha a mudar de opinião e retratar-se do que tinha escrito anteriormente.


O problema é que, quando algum conteúdo enganador é posto a circular a esta escala, não há forma de travar a sua disseminação. A polémica continuou acesa. No dia seguinte, Francisco J. Marques coloca, também no Twitter, um vídeo dividido em duas metades: a esquerda, uma imagem nítida, onde se pode ver o toque em Danilo; à direita, a imagem de fraca qualidade que circulava desde o dia anterior. Conclusão do diretor de comunicação portista: manipulação de imagens por parte do Benfica.

A conta Sporting Dependente, ou seja, o sportinguista que originalmente publicou o vídeo, que pode ser acusado de tudo menos de ser um apreciador do nosso vizinho da 2ª circular, confirmou que o vídeo divulgado pela conta do Benfica era o seu, e que não tinha havido qualquer manipulação.

Seguiram-se outros novos elementos, a mostrar como é fácil cortar frames num vídeo, e por aí fora, mas poucas pessoas se lembraram do óbvio: imagem de má qualidade + conversão manhosa do Twitter = vídeo impróprio para se analisar um lance em que há um toque tão rápido e subtil.

Para a coboiada ser ainda maior, a Sport TV entra ao barulho, dando ordem para remover os vídeos das redes sociais. A conta Sporting Dependente foi suspensa, e o vídeo divulgado por Francisco J. Marque foi bloqueado, dando, por sua vez, origem a acusações de censura octópode.


Entretanto a conta do Benfica decide negar as acusações de manipulação, prometendo levar o assunto para tribunal. Mais um processo de um clube a juntar-se às dezenas que contribuem para entupir os tribunais.


Mas estávamos apenas ainda a meio de segunda-feira, ou seja, ainda não tínhamos chegado ao período de excelência de debate nonsense do futebol português: os programas da segunda à noite. Como não poderia deixar de ser, a CMTV decidiu superar-se e recorreu a um dos seus profissionais da área de edição de vídeo para analisar se havia ou não manipulação nas tais imagens. Veredicto: houve manipulação de imagens.


E, para finalizar em beleza, André Ventura baralha-se completamente e semeia ainda mais a confusão: em vez de atribuir a publicação original do vídeo à conta de Twitter Sporting Dependente, atribui-a ao espaço Sporting Independente, uma página de Facebook sportinguista anti-Bruno de Carvalho. Considerando que Pedro Guerra também terá dito exatamente a mesma coisa, terá sido um momento menos bom do cartilheiro Carlos Janela.

No Twitter, todos perceberam a confusão que se gerou... mas houve quem lhe desse credibilidade...


... e a aproveitasse para desancar nos "sportingados" (confesso que não sei de onde surgiu esta nova terminologia, nem qual é a diferença para os "sportinguenses") que, neste caso, não tiveram nada a ver com o assunto. 

Resumidamente, foi isto que aconteceu nas últimas 48 horas: todo um sketch humorístico digno dos Monty Python, oferendo-nos vários protagonistas do mais elevado calibre que nunca deram um pontapé numa bola (com exceção de um ex-jogador do Damaiense), e provando que o conceito de fundo não existe no futebol português - há talento de sobra para escavar sempre mais um bocadinho.