quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Serpa, o escudeiro da santíssima trindade do futebol português

A parcialidade com que Vítor Serpa analisa os acontecimentos do futebol português não é novidade para ninguém. A linha editorial d' A Bola está muito bem definida de há bastantes anos para cá: infelizmente para o jornal, não assentam numa postura de isenção e equidistância. Os exemplos que este e outros blogues têm mostrado são mais que muitos. Pegando em exemplos recentes, basta ver a forma como A Bola ignorou o caso dos emails durante meses a fio. Se houvesse alguém que não consumisse notícias sobre futebol a partir de outras fontes, não faria ideia de que tal polémica tinha rebentado até ao dia em que a PJ finalmente bateu à porta do estádio do Benfica e da residência de alguns dos seus dirigentes, colaboradores a recibos verdes e meninos queridos.

Basicamente, A Bola limitou-se a seguir - de forma que não duvido ter sido concertada - a estratégia definida pelo Benfica para reagir aos emails: manterem-se em silêncio - estratégia, reconheça-se, mais sábia do que tentar defender o indefensável a todo o custo. Aliás, basta ver as trapalhadas em que se viu metido o único protagonista do Apito Abençoado que não se pôde remeter ao silêncio em virtude do seu biscate das segundas à noite: quando a crise rebentou, Pedro Guerra reagiu dizendo que não se lembrava de ter recebido tais emails; neste momento, não só se lembra dos emails, como até já reconheceu que até falou várias vezes ao telemóvel com Adão Mendes. Sentir de perto a respiração de inspetores da PJ deve fazer maravilhas à memória.

Numa altura em que é impossível ignorar o escândalo dos emails e as profundas implicações que isso tem para o que se passou nos últimos anos no futebol português, acho magnífico como é que nenhum dos pesos pesados do jornal A Bola ainda não encontrou tempo para se pronunciar de forma detalhada sobre todo este fenómeno. Uma atitude que não surpreende, face ao vergonhoso alinhamento que têm com o clube do atual regime, e que é indigno da profissão que exercem.

Igualmente indigna tem sido a postura do presidente da FPF, que parece viver numa realidade paralela. Fernando Gomes manteve-se calado que nem um rato perante os dois acontecimentos mais graves do futebol português nos últimos anos - o assassinato de Marco Ficini e o escândalo dos emails -, e tem preferido tentar, ao invés, colocar o centro da discussão no bate-boca dos dirigentes. Este posicionamento de Fernando Gomes é um escândalo, e é óbvio que só o Benfica pode ficar satisfeito com isso.

Daí que não surpreenda que Vítor Serpa tenha produzido mais um artigo inenarrável, desta vez a sair em defesa de Fernando Gomes e tentando colocar o Sporting e o Porto como os maus da fita do futebol português.


Ao mesmo tempo em que defende acerrimamente a agenda de Fernando Gomes, o diretor do jornal A Bola aproveita a oportunidade para fazer mais um ataque cerrado ao presidente do Sporting - que, como sabemos, é para Serpa o símbolo da geração rasca do dirigismo desportivo. 

É impossível, também, não reparar em dois pormenores no discurso serpiano:

  • a falta de huevos para fazer críticas diretas a Pinto da Costa - como se o presidente do Porto não tivesse nada a ver com o ataque que o Porto tem feito ao Benfica;
  • a patética tentativa de colar o escândalo dos emails a algumas figuras menores da arbitragem e uns quantos benfiquistas marginais, como se o círculo de poder de Vieira (Paulo Gonçalves, Domingos Soares Oliveira e o próprio presidente) não estivesse enfiado neste lamaçal até ao pescoço, e como se Ferreira Nunes e os presidente e presidente da AG da Liga não fossem personagens com cargos muito relevantes no edifício do futebol nacional.

Serpa não é mais do que um lacaio da tríade que controla o futebol português: está sempre pronto a defender o Benfica, como todos sabemos; não perde oportunidade para elogiar o presidente da FPF, por muito inundado de sonsice que esteja o seu discurso - como este texto bem demonstra; e também, se houver necessidade disso, terá postura idêntica com Jorge Mendes - há quem diga que Serpa fez um discurso emocionado, num briefing que a FPF organizou para os órgãos de comunicação social em vésperas da partida da seleção para o Euro 2016, em que apelou à contenção de notícias sobre os recém-descobertos problemas fiscais em que Mendes estava metido, como se de uma espécie de desígnio nacional se tratasse.

Benfica, FPF e Mendes são uma espécie de santíssima trindade do futebol português, que se protege mutuamente com todos os meios que tem ao seu dispor. A promiscuidade entre Benfica e Mendes é mais que evidente. O entendimento entre Mendes e a FPF é mais discreto, mas existe - ao que se diz, também a FPF fez pressão junto dos jornalistas para não darem relevo aos problemas que o empresário arranjou com a lei em Espanha. E também salta a vista a recusa da FPF em agir contra o Benfica em situações gritantes como o das claques ilegais, o caso dos emails ou dos vouchers, ou mesmo a impunidade a que assistimos nos relvados quando o Benfica está em campo.

Como se pode facilmente avaliar pelo texto acima, Serpa é apenas uma ferramenta ao serviço da única Santa Aliança do futebol português.