terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Medalhas há muitas

Para além de não vislumbrar interesse suficiente para fazer uma única chamada de capa ao assunto dos emails de Pedro Guerra - o que se compreende, porque é muito mais relevante dar destaque a um almoço supresa oferecido por Vieira à restante direção benfiquista em vésperas da sua partida para a China -, o jornal Record decidiu hoje vestir a capa de moralista e partilhar com os seus leitores o seguinte juízo de valor em relação à publicação e divulgação da correspondência eletrónica do ex-diretor de conteúdos da BTV:


Com muito boa vontade, pode-se encontrar aqui uma crítica ao email que Pragal Colaço envia a Pedro Guerra com a morada de Bruno de Carvalho, mas a grande conclusão que se pode retirar é que o jornal apenas se incomoda a questão da partilha de dados privados. Em relação ao lamentável conteúdo dos emails, que demonstra, sem margem para dúvidas, uma total podridão ética e moral, para além de incluir provas irrefutáveis de práticas criminosas como tráfico de influências e suspeitas razoáveis de corrupção, João Socorro Viegas, responsável pela atribuição das medalhas, não encontra motivo de espanto ou de repulsa. E é pena, porque a última frase - "inacreditável onde chegou o futebol fora dos relvados" - assentava que nem uma luva ao que o Benfica está disposto a fazer para influenciar o decurso do que se passa dentro de campo.

Não deixa de ser curioso esta postura do jornal, pois, há pouco mais de dois anos, o próprio Record teve o exclusivo dos primeiros documentos do Football Leaks - que, como todos se lembram, eram quase todos sobre o Sporting. Nessa altura não houve problemas em colocar o assunto na primeira página.





Ainda que um ou outro assunto justificassem a atenção dada, como o recurso do Sporting a Mosquito para a contratação de Bruno Paulista, os restantes - como a troca de SMS entre Inácio e Marco Silva, o contrato oferecido a Carrillo, ou mesmo...


... o contrato de Jorge Jesus, que por acaso também contém dados de natureza privada como a sua morada ou o número de cartão de cidadão - não tinham o mesmo nível de interesse jornalístico, servindo apenas para satisfazer a curiosidade mórbida do público sobre polémicas que envolviam dois clubes em guerra aberta.

Entretanto, a divulgação de dados confidenciais dos clubes passou a ser prática quase corrente, e tocando em assuntos bastante mais sensíveis. Como tal, depois de tudo o que se tem passado no futebol português, e depois de tudo o que o próprio jornal fez em casos similares num passado recente, o pseudo-moralismo com que o jornal hoje nos brindou é completamente dispensável. Como me disse um amigo em conversa, só faltou ao Record atribuir uma medalha de ouro a André Carreira de Figueiredo pelo esforço dispendido na promoção de boas relações entre clubes rivais.