quarta-feira, 13 de novembro de 2013

João Querido Manha, o paineleiro primordial


João Querido Manha, diretor do jornal Record, é um homem que há muitos anos acompanha profissionalmente o fenómeno futebolístico português, nas mais variadas condições.

É possível que muitas pessoas não saibam ou não se lembrem, mas o primeiro programa sobre futebol com um painel composto por três adeptos assumidos dos grandes, foi na TSF. Não me lembro nem do nome do programa nem do ano exato em que começou, mas sei que foi no princípio da década de 90.

Também me lembro que era emitido no princípio da tarde de sábado ou domingo (ouvia o programa enquanto me deslocava ao velhinho Estádio de Alvalade para assistir aos jogos), e que os participantes eram José Manuel Freitas pelo Sporting, António Tavares Teles pelo Porto e João Querido Manha pelo Benfica.

Não me lembro de nada em concreto desse programa pois já na altura, apesar da novidade do formato, o conteúdo aproximava-se ao que vemos e ouvimos nos programas atuais, ou seja, uma discussão sobre casos polémicos que servia de entretenimento imediato e descartável. Mas lembro-me que o mais faccioso dos três era precisamente o representante do Benfica.

Por isso, a partir dessa altura foi-me impossível dissociar o nome de João Querido Manha a um benfiquismo primário que fica mal num jornalista desportivo.

Voltando aos tempos atuais, o diretor do Record escreveu na sequência do Benfica - Sporting de sábado um editorial intitulado "Os erros e os homens". Permitam-me destacar as passagens que me parecem mais relevantes e que representam perfeitamente o espírito do editorial.

"Por muito esforço que alguns tenham feito e vão continuar a fazer no jogo das palavras, o último dérbi terá um lugar na história e não será por causa dos erros de arbitragem, por mais graves que tenham sido. Será para sempre o dérbi de Rui Patrício, por causa de um lance invulgar, altamente penalizador, a partir de uma falha de concentração, depois de quase duas horas de extrema intensidade e pressão."
"Parafraseando o presidente do Sporting, é realmente uma enorme palermice tentar desfocar a ordem de importância dos fatores decisivos deste jogo inesquecível, a saber: primeiro, o erro de Patrício, depois, os três golos de Cardozo e, finalmente, o imbróglio em torno da verdade desportiva. É assim que a história reserva um espaço para este embate, (...)"
"Rui Patrício ainda vai a meio de uma carreira que teve um início fulgurante, mas tem vindo a estagnar pela dificuldade em conquistar títulos, mantendo-se no topo da confiança do selecionador, mas ultrapassado sistematicamente nas escolhas dos grandes clubes europeus."

Existem dois pontos diferentes neste artigo de João Querido Manha que quero comentar, seguido de uma conclusão pessoal.

A carreira de Rui Patrício

Escrever que a carreira de Rui Patrício tem vindo a estagnar pela dificuldade em conquistar títulos é redutor. 

Rui Patrício teve uma enorme exposição enquanto guarda-redes titular da seleção portuguesa que foi derrotada nos penalties pela vencedora da competição. Teve uma enorme exposição na carreira que o Sporting fez na Liga Europa até às meias-finais, com uma defesa no último segundo do jogo que segurou a eliminatória contra o Manchester City, e com uma defesa de um penalty que salvou o Sporting na eliminatória contra o Metalist nos quartos de final. 

De facto, a carreira interna do Sporting tem sido dececionante nos últimos anos, mas Rui Patrício foi dos poucos jogadores do plantel a sair valorizado, devido a um conjunto de prestações de nível elevadíssimo e consistente.

Já agora, os jogadores do Benfica não se têm propriamente banhado em títulos nos últimos 3 anos, mas a sua valorização tem continuado a ser uma realidade.

Manha conseguiu a proeza de superar o nível das críticas de todos os paineleiros de Benfica e Porto, que apontando o óbvio frango não esqueceram o passado recente do jogador e, acima de tudo, os dois jogos decisivos que a seleção vai ter na próxima semana. Paineleiros esses que não têm nenhuma obrigação profissional de serem ponderados e isentos.

O que fica para a história?

Dizer que um jogo destes ficará para história mais pelo erro de Patrício do que pela arbitragem e pelos golos de Cardozo é, num jornalista profissional, incompreensível. Permitam-me comprovar a minha afirmação com três exemplos distintos.

1. A final do mundial de 1966 acabou com uma vitória da Inglaterra sobre a Alemanha por 4-2, após prolongamento. Terá sido um dos jogos mais emocionantes da história, mas o que ficou realmente na memória foi o remate que deu o 3-2 mas que não chegou a entrar na baliza.










A verdade é que hoje poucos se lembrarão de quem é Geoff Hurst, e de que houve um hat-trick nesse jogo, mas a polémica do golo fantasma é sempre recuperada quando há lances do mesmo género, como foi o caso do Inglaterra - Alemanha no mundial de 2010.

2. Nos quartos de final do mundial de 1986, a Argentina eliminou a Inglaterra após vencer por 2-1. Mais do que o resultado, o jogo é essencialmente recordado pela célebre mão de Deus, de Maradona. Tão grande foi a polémica que deixou para segundo plano um outro golo marcado por Maradona, que foi considerado "apenas" o golo do século pela FIFA (vale a pena verem o link do golo do século, não só pelo golo em si mas também pelo relato da jogada e celebração, é arrepiante).

3. No dia 2 de Março de 2012 o Porto venceu o Benfica por 3-2. Poucos se lembrarão do extraordinário golo de Hulk para 0-1, do falhanço incrível de Cardozo na cara de Helton (apesar de o paraguaio ter marcado os 2 golos do Benfica) ou da paragem cerebral coletiva da defesa do Benfica no 2-2 de James. O que dominou a discussão do jogo nos meses que se seguiram e que permanece na memória de todos foi o golo em fora-de-jogo de Maicon.

Para ajudar a comprovar a minha tese, suporto-me de uma crónica insuspeita sobre o Benfica-Porto, que preferiu focar-se na polémica da arbitragem e não no futebol jogado.


Ainda poderia falar do jogo "limpinho, limpinho" arbitrado por João Capela. Na altura, João Querido Manha preferiu não comentar o jogo na sua crónica semanal, preferindo concentrar-se nos benefícios de arbitragem do Porto, apesar de esse Benfica - Sporting ter tido um fenomenal golo de Lima após uma jogada incrível de Gaitan. Sim, houve um golo absolutamente extraordinário nesse jogo. O que ficou para a história? João Capela.

As únicas conclusões possíveis

O erro de Patrício não vai ficar para a história. Vai correr mundo, como qualquer vídeo viral que se espalha instantaneamente mas que morre passados três dias. 

Mesmo não tendo sido uma das piores arbitragens da história recente, o desempenho de Duarte Gomes foi mau e vem na sequência de um historial pautado por beneficiar constantemente o mesmo clube e prejudicar com frequência o outro. Por isso é que daqui a dois anos todos se lembrarão de Duarte Gomes, enquanto que o frango de Patrício será uma memória bastante mais vaga. 

A história dá mais ênfase a questões extra-desportivas (erros de arbitragem acima referidos, cabeçada de Zidane a Materazzi, a tragédia de Heysel) do que a erros pontuais cometidos por jogadores de altíssimo nível.

João Querido Manha, por inerência do cargo que ocupa (diretor de um jornal da Cofina, parceira da Benfica TV), sentiu-se à vontade para soltar o seu fanatismo clubístico sem ter qualquer preocupação com a reputação do jornal e dos jornalistas que chefia. 

Este editorial não é mais que uma extensão do inenarrável comunicado que o Benfica emitiu no princípio da semana, em que Manha se permite fazer o trabalho sujo a que nem João Gabriel se atreveu. 

Isenção, rigor e profissionalismo, que são os valores que qualquer jornalista deve defender, foram substituídos por uma vontade pessoal de servir de biscateiro a Vieira e ao Benfica, resultando em opiniões de sarjeta intoleráveis para uma pessoa com esta responsabilidade. A incoerência, a hipocrisia, a omissão e a mentira são a imagem de marca de João Querido Manha, e ficarão obrigatoriamente ligadas ao Record e a todos os seus profissionais enquanto esta figura por lá se mantiver. João Querido Manha, faça um favor ao Record e demita-se.