quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Cinco singularidades na venda de Rodrigo e André Gomes

Já me referi a alguns destes pontos em posts anteriores, mas agora que passaram alguns dias e mais alguns elementos foram conhecidos, vou fazer um ponto de situação em relação às questões que me parecem mais estranhas nesta transação.


1. A super-valorização de Rodrigo e André Gomes

Ninguém anda na vida com o objetivo de perder dinheiro, principalmente um magnata que enriqueceu através da especulação bolsista e um dos agentes de jogadores de futebol mais bem sucedidos do mundo. Valorizar Rodrigo por €30M + €10M por objetivos (que não são conhecidos) e André Gomes por €15M é uma das mais irracionais decisões negociais que já vi alguém tomar na minha vida (ao nível da compra dos submarinos pelo Estado português).

Quem tem muito dinheiro e pouca pressão para o usar tem sempre vantagem negocial. Quem não tem dinheiro e precisa urgentemente de realizar vendas tem sempre desvantagem negocial. Isto é verdade em todos os setores de atividade económica, e o futebol não é exceção. O Benfica pode ser um clube muito especial para os seus sócios e adeptos, mas no mundo dos negócios não é mais do que os outros.


2. A venda a um fundo

Esta é outra originalidade. Fundos com percentagens de passes de jogadores é um fenómeno bastante frequente nos dias que correm. Mas vender 100% dos direitos económicos de uma vez só é, no mínimo, raro. 

Faz todo o sentido que um fundo fique com uma parcela minoritária dos direitos económicos de um jogador, e que o clube onde o jogador joga tenha a parcela maioritária. Desta forma, o clube tem motivação para continuar a valorizar jogador e o fundo tem mais probabilidades de rentabilizar o seu investimento.

Ao comprar 100% dos direitos económicos de um jogador, o fundo não tem forma de controlar se esse jogador continua ou não a jogar. Está a deixar nas mãos de um treinador que não controla a valorização ou desvalorização de um seu ativo. 


3. O cúmulo da excentricidade

O cúmulo da excentricidade é alguém pagar €15M por um jogador que jogou 5 minutos em 16 jornadas do campeonato, e deixá-lo nesse mesmo clube para o resto da época. 

Falo de André Gomes. Já toda a gente percebeu que Jorge Jesus não conta com ele. Faz algum sentido que o fundo o tenha deixado no Benfica até ao final da temporada?

A Santa Casa tem aqui uma ideia interessante para servir de base a um novo anúncio do Euromilhões.


4. Compra sem utilidade aparente

in O Jogo

Assumindo que os valores divulgados são verdadeiros, dificilmente o fundo conseguirá lucrar com uma futura venda destes dois jogadores. Será razoável pensar que a compra dos passes dos jogadores terá alguma coisa a ver com as sucessivas tentativas de Peter Lim entrar no capital de um clube inglês ou espanhol?

Não me parece. Se a ideia de Peter Lim é utilizar os jogadores como arma de sedução para o deixarem entrar no capital de um clube europeu de renome, dificilmente Rodrigo e André Gomes serão nomes suficientemente aliciantes.

No caso do Atlético de Madrid, que tem jogadores como Villa, Turan ou Diego Costa, seria preciso peixe mais graúdo. E nem sequer no Valência, que no passado recente teve jogadores como Villa, Aimar, Soldado, David Silva, Joaquin ou Cañizares, os nomes de Rodrigo e André Gomes poderão causar grande emoção. 

Só se Peter Lim quiser comprar um clube de um nível do Getafe ou do Charlton, com todo o respeito por esses clubes. Mas isso será pouco provável.


5. O comunicado do Benfica e a percentagem de direitos económicos

Olhando para o comunicado que o Benfica enviou à CMVM, foram vendidos 100% dos direitos económicos de Rodrigo e André Gomes.


Acontece que em de Dezembro de 2013, o Benfica não era detentor de 100% dos direitos económicos dos dois jogadores.


Há um mês atrás, 24% do passe de Rodrigo e 20% do passe de André Gomes pertenciam ao Benfica Stars Fund. Apesar de ser um fundo em que o Benfica tem uma pequena participação, não é verdade que a totalidade do passe pertença à SAD do Benfica. A não ser, claro, que tenha havido em Janeiro uma recompra das percentagens de passe. Mas não consegui encontrar qualquer comunicado do Benfica à CMVM nesse sentido.


Conclusão

Assumindo que existe algum nível de racionalidade nas decisões que as diferentes partes de um negócio tomam, é-me completamente impossível compreender esta venda que Vieira conseguiu alcançar.

Para os mais céticos em relação à minha argumentação, deixo esta pergunta: imaginem-se com €1000M para gastar. Eram capazes de ir a um clube húngaro dar €5M por jogadores de segunda linha sem terem um destino imediato onde os colocar?