terça-feira, 11 de março de 2014

Algumas notas sobre os relatórios e contas dos grandes

Após ter lido os R&C's que os grandes apresentaram à CMVM, fiquei com mais perguntas do que respostas. Apesar de ter algumas noções macro de contabilidade e de saber interpretar a maior parte das rubricas de um balanço e de uma demonstração de resultados, confesso que não tenho acompanhado a evolução da função das várias empresas que fazem parte do grupo dos clubes e, como é evidente, desconheço o detalhe que está para além daquilo que é obrigatório apresentar por lei. Como tal, não tenho habilitações para fazer grandes comentários sobre as contas semestrais divulgadas por Sporting, Benfica e Porto.

Para além disso, tenho consciência de que é perfeitamente possível manipular este tipo de informação através de diversas técnicas contabilísticas, umas legais, mas outras nem tanto. E conhecendo à partida a matéria de que são feitos a maior parte dos dirigentes dos clubes portugueses, capazes de tudo para conseguirem manipular resultados desportivos, muito me espantaria que não cedessem à tentação de mascarar, mesmo que parcialmente, os resultados financeiros que têm que apresentar periodicamente.

É complicado levar a sério todas as fabulosas vendas que vão saindo da Luz e Dragão, como a de Roberto ao Zaragoza por €8M, de André Gomes e Rodrigo por €45M a um fundo (que depois não tem onde os colocar, preferindo deixar o português a aquecer o banco no Benfica), ou a de Otamendi por €12M a um clube falido que nem sequer se lembrou de o inscrever para o resto da época. É certo que nenhuma destas transações diz respeito ao 1º semestre de 2013/14, mas creio que percebem a ideia do que quero dizer.

De qualquer forma gostaria de deixar alguns comentários e questões sobre as contas dos 3 grandes, assumindo o pressuposto que os relatórios apresentados traduzem verdadeiramente o estado das contas dos clubes.


Sporting

As contas do Sporting não me parecem comparáveis às de Benfica e Porto. O relatório apresentado pelo Sporting diz respeito apenas à SAD, enquanto que Benfica e Porto apresentaram contas consolidadas, ou seja, considerando todas as empresas do seu universo e retirando as transações intra-grupo.

No caso do Sporting a minha principal dúvida está em relação à Sporting Património e Marketing (SPM), empresa proprietária do Estádio José de Alvalade XXI e, suponho, responsável pela manutenção do estádio e pelos empréstimos bancários que financiaram a sua construção. Em Maio do ano passado foi anunciada a incorporação da SPM na SAD, mas creio que essa fusão ainda não se terá concretizado. Não só os ativos da SAD não parecem conter o estádio, como os empréstimos bancários parecem ser demasiado baixos. Para além disso, nas contas deste semestre ainda aparecem €2,5M pagos pela SAD à SPM pela renda de utilização do estádio.

Independentemente das dúvidas que tenho, olhando para o estado geral das contas, parece-me evidente que os números do Sporting são os mais preocupantes no universo dos grandes. Nada de novo.

A reestruturação anunciada vai melhorar significativamente o panorama geral, em virtude do aumento de capital (pela entrada da Holdimo e pela fusão com a SPM) e de uma presumível renegociação dos empréstimos bancários, mas o estado geral das finanças do clube continuará a ser dramático, prevendo-se que ainda sejam necessários muitos anos de disciplina orçamental para conseguirmos voltar a ter contas desafogadas.

Segundo Bruno de Carvalho, após a reestruturação, o passivo do grupo Sporting passará a ser de €206M, dos quais €158M serão dívida aos bancos. O panorama ficará sem dúvida bastante mais desafogado.

Daí ser importantíssimo que a direção tenha levado a cabo uma redução brutal de custos, de forma a não comprometer a reestruturação negociada com os vários credores.

Os resultados estão à vista, tendo o Sporting conseguido, em pouco tempo, reduzir o prejuízo operacional para €7,5M. Com a venda dos passes de Bruma e Ilori, conseguiu-se o resultado positivo de €3,7M que foi anunciado. E mesmo assim é preciso considerar que:
  • O clube não teve receitas da UEFA (um eventual apuramento direto para a Liga dos Campeões será um enorme balão de oxigénio).
  • Existem pesos mortos que ainda tiveram impacto nas contas deste semestre, como o salário de Labyad e Jeffren, ou os €2M de indemnizações pagas aquando da rescisão de outros profissionais do clube como Pranjic, Evaldo e Boulahrouz; no próximo semestre voltará a ser considerado o salário de Elias.
  • Vimos de 4 anos consecutivos de más prestações desportivas que impediram a valorização esperada da maior parte dos jogadores e, como tal, prejudicaram a realização de vendas interessantes.

Numa altura em que a banca não se pode dar ao luxo de financiar os luxos dos clubes de futebol, e em que as taxas de juro continuam a níveis proibitivos, estancar as perdas operacionais é fundamental. O Sporting conseguiu dar grandes passos nesse sentido, e sem comprometer o rendimento desportivo.

E é aí o ponto em que, neste momento, estamos indiscutivelmente à frente de Benfica e Porto. Mais cedo ou mais tarde, ambos os clubes também terão que apertar o cinto.

Se por acaso detetarem alguma incorreção ou omissão importante no que escrevi, peço-vos que me digam. Este post serve tanto para dar a minha ideia em função do que li sobre o assunto, como para eu próprio ficar melhor esclarecido sobre o estado das finanças do Sporting.


Benfica

Comparando com Porto e Sporting, salta à vista os valores monstruosos de ativos e passivos. À primeira vista a situação não é tão preocupante (os capitais próprios também são negativos, mas em muito menor escala que no Sporting), mas é preciso considerar o seguinte:
  • Os €410M de ativo metem respeito, mas até que ponto se traduzem em valor efetivo para o clube? €163M dizem respeito aos investimentos consecutivos em infra-estruturas (estádio, centro de estágios, expansão de centro de estágios, museu, marquise da estátua de Eusébio, Lisboa VIP Lounge). €120M referem-se a passes de jogadores, e também à utilização da marca e direitos televisivos (que o Benfica pode valorizar da maneira que bem entender).
  • Os €450M de passivo são assustadores, porque nunca se irão embora. O clube vai ter que viver com isso durante anos e anos. Desse valor, €320M são de empréstimos bancários e obrigacionistas, o que significa que não só terão que os pagar, como ainda suportar juros elevadíssimos (€11,5M só no 1º semestre). Do ano passado para este ano, o financiamento do Benfica aumentou em €35M.

É claro que o Benfica tem no seu plantel muitos jogadores com enorme potencial para a realização de mais-valias, mas ninguém se pode esquecer que só valem aquilo que os clubes compradores estejam dispostos a oferecer.


Porto

Olhando para o balanço do Porto, chegamos à conclusão que têm as contas mais saudáveis dos grandes. O racio ativo / passivo parece ser o mais saudável, tendo empréstimos bancários e obrigacionistas de €120M, quase 1/3 em relação ao Benfica.

No entanto, a situação tem vindo a degradar-se ao longo dos últimos anos, e agora o Porto também já tem capitais próprios negativos, apesar das inúmeras vendas milionárias que o clube conseguiu realizar ao longo dos últimos anos.

E isto deve-se a um enorme fosso que existe entre os custos e os proveitos operacionais, como os €20M de prejuízo do semestre comprovam. Como é possível que o clube tenha tido no ano passado apenas €20M de lucro quando encaixou vendas no valor de €120M? Não só sugere que, entre comissões e percentagens de passe atribuídas a fundos e amigos, parte do dinheiro tenha tido outros destinos, como também o Porto se tem habituado à vida de novo-rico, contratando caro e em quantidade, e pagando extraordinariamente bem a alguns jogadores.

O Porto é, dos três grandes, aquele que tem o orçamento mais desequilibrado, se não considerarmos as vendas de passes de jogadores, significando que é enorme a dependência na realização de mais-valias através da valorização e venda dos jogadores.