segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sol na eira e chuva no nabal: a grande questão da formação do Benfica

                                                                                                                                                   
Foi interessante ver a reação dos benfiquistas ao post que escrevi na sexta-feira sobre o que leva, na minha opinião, a academia do Sporting ser a melhor do país. Apesar de ter sido motivado pela excelente prestação do Benfica na Liga dos Campeões sub-19, procurei focar-me naquilo que o Sporting faz, recorrendo às elucidativas palavras de Aurélio Pereira.

Nos comentários feitos por benfiquistas que leram o post (e que não concordaram com o que estava escrito) foram apresentados alguns argumentos interessantes a favor da hegemonia do Benfica no setor da formação. Esses argumentos podem agrupar-se em dois pontos essenciais.
  • O Benfica tem ganho mais títulos que o Sporting nos últimos anos e coloca mais jogadores nas seleções jovens.
  • Agora é que o investimento que o Benfica fez há vários anos em infraestruturas, técnicos, e prospeção, vai começar a dar frutos; como tal, a formação do Sporting vai ficar definitivamente para trás.

O argumento dos títulos é uma falsa questão. Não só o Benfica sempre ganhou títulos nas camadas jovens, como o Sporting também já esteve vários anos consecutivos no passado sem os ganhar, e não foi por isso que deixaram de aparecer grandes jogadores.

Também já se percebeu que esse não é o objetivo principal do Sporting no planeamento do desenvolvimento dos seus jogadores. O projeto de formação do Sporting passa sobretudo por preparar jogadores para a equipa principal. Os títulos nas camadas jovens não são em si um fim.

De qualquer forma, ganhar campeonatos nas camadas jovens é sempre um indicador de qualidade (é evidente que é melhor ganhar do que não ganhar). O Benfica foi campeão de juniores em 2012/13, e muito provavelmente ganhará novamente a competição esta época.

Quanto ao investimento, também é indiscutível que o Benfica lidera de longe. Enquanto que no Sporting tem havido desinvestimento, o Benfica foi buscar know-how a Alcochete e dispõe de meios financeiros para montar uma rede mais eficaz de olheiros à procura dos talentos espalhados pelo país e mais além. Havendo orçamentos superiores, é mais fácil identificar alvos de prospeção e contratá-los a troco de condições financeiras que o Sporting não consegue igualar.

No entanto, o Sporting consegue compensar na medida em que qualquer jovem com potencial sabe que tem muito mais hipóteses de vir a ter uma boa carreira indo para Alcochete. Se os pais estiverem a pensar no melhor para o seu filho a longo prazo, e não cederem à tentação fácil de dinheiro rápido, não hesitarão em escolher o Sporting.

E isto tem uma explicação muito simples. Falta ao Benfica algo que faz toda a diferença: cultura de formação.

O Benfica é um clube que tem gasto nos últimos anos dezenas de milhões de euros na contratação de jogadores estrangeiros maioritariamente jovens, que são um produto bem mais acabado do que aqueles que estão a crescer no Seixal. Esses estrangeiros são jogadores caros e têm que ser valorizados, pelo que é impensável que haja o espaço desejável para os jovens da casa poderem ser integrados de forma definitiva no plantel principal.

No princípio desta época, o Benfica contratou Markovic, Djuricic, Sulejmani, Lisandro Lopez, Fariña, Steven Vitória, Funes Mori, Cortez, Siqueira, Sílvio, Pizzi e Mitrovic, que se foram juntar a um plantel que já era bastante rico. Que espaço possível poderia haver para os jovens da formação? Nenhum, como é óbvio.

E aparentemente as contratações para o ano já começaram: Dawidowicz, o novo Matic, de 18 anos, já assinou.

A não ser que o Benfica abandone a tentação das contratações em qualidade e quantidade, e faça um downgrade da equipa de futebol (vendendo ou dispensando mais jogadores do plantel atual do que aqueles que contrata), para o ano será novamente difícil para qualquer jovem do Seixal ser promovido.

Faço por isso uma pergunta simples para os benfiquistas: de que jogadores do plantel principal estão dispostos a abdicar para colocar um jovem da equipa B ou dos juniores?

Este ano houve uma tentativa real em apostar em Ivan Cavaleiro, mas fizeram tudo aquilo que não se devia fazer. O jovem estreou-se na equipa principal contra o Cinfães, e foi lançado às feras três dias depois, ao intervalo do Benfica - Olympiakos, quando perdiam por 1-0, debaixo de uma chuva torrencial. Seguiram-se dois jogos para o campeonato como titular, mas a partir daí foi perdendo tempo de jogo, até deixar de ser opção. Ivan já não joga para o campeonato desde 2 de fevereiro, e a última vez que foi titular foi a 15 de dezembro.

Os benfiquistas querem o sol na eira e chuva no nabal: querem que se prove que a sua formação é a melhor, mas ao mesmo tempo não aceitam que haja um decréscimo no nível competitivo imediato da equipa. Aceitam que se gastem dezenas de milhões todos os anos em contratações que permitem ter de longe o plantel com mais soluções em Portugal, mas depois coçam a cabeça quando não percebem o motivo pelo qual não se aposta na prata da casa.

Por todos os motivos e mais alguns, eu adoraria que o Benfica passasse a apostar a sério nos jogadores que cresceram no Seixal. Passariam finalmente a ser uma fonte de jogadores para a seleção principal, e também significaria a mudança do seu modelo competitivo, dando tempo aos jogadores para se desenvolverem, assumindo uma quebra imediata de qualidade -- que o Sporting poderia aproveitar.

Ora, está visto que não é isso que os benfiquistas querem. Não têm cultura de formação. Não têm paciência para terem um jogador jovem a ser utilizado de forma sistemática sem um rendimento constante e de topo. Para os benfiquistas, os seus jovens são sempre os melhores, até ao momento em que fazem três jogos seguidos na equipa principal. Aí, invariavelmente, passam do estatuto de "wonderkid" para "afinal ainda não está preparado", aceitando com naturalidade o regresso do jovem à equipa B.

A fantástica prestação deste ano dos jovens benfiquistas na Liga dos Campeões sub-19 acabará por forçar o Benfica a mostrar o que realmente espera da sua formação. Se não derem oportunidades a sério no plantel principal a esta geração no prazo de 2-3 anos, então será caso para perguntar para que é que gastam dinheiro na formação de jogadores, que poderia ser utilizado na compra de mais uma jovem estrela estrangeira. E será caso também para os jovens se questionarem no que mais têm que fazer para convencer os responsáveis do clube os deixarem cumprir o sonho de jogar no Estádio da Luz perante milhares de benfiquistas.