quinta-feira, 10 de julho de 2014

Scolari

                                                                                                                                         
Tivemos por cá muitas manifestações de satisfação pela estrondosa derrota do Brasil contra a Alemanha, não tanto pelo sucesso alemão ou pelo fracasso brasileiro, mas sobretudo pela humilhação a que Luís Felipe Scolari foi sujeito. Não fiquei surpreendido.

O treinador brasileiro nunca foi uma figura consensual enquanto responsável pela nossa seleção, principalmente desde que comprou uma guerra com o Porto ao não prestar vassalagem a Pinto da Costa, e cujo efeito mais visível foi deixar de convocar Vítor Baía quando o guarda-redes estava no auge da sua carreira. Scolari chegou ao ponto de convocar o 3º guarda-redes do Porto numa atitude claramente provocatória, semelhante ao que Paulo Bento fez ao pré-convocar João Mário ao mesmo tempo que excluía Adrien Silva dessa lista. Devo dizer que após a convocatória de Paulo Bento comecei a compreender um pouco melhor a animosidade dos portistas contra Scolari.

É verdade que o selecionador brasileiro desperdiçou praticamente dois anos de trabalho durante a preparação do Euro 2004 ao insistir na aposta em jogadores com um passado mais longo na seleção, em detrimento de uma geração de jogadores que despontava no Porto. Mas não é menos verdade que Scolari não hesitou em fazer as devidas alterações logo após a derrota contra a Grécia, no jogo inaugural do Euro 2004 que foi, também, o seu primeiro jogo oficial ao serviço da seleção portuguesa. Até aí não tinha tido oportunidade de ver a sua equipa em jogos a doer. Já tivemos treinadores mais teimosos que nem à quarta ou quinta oportunidade corrigiram erros que eram óbvios à generalidade do público.

O que é indiscutível é que Scolari conseguiu os melhores resultados de sempre com a seleção: uma final num europeu e uma meia-final num mundial.

Sim, no Europeu jogávamos em casa, mas está mais que provado que isso é uma vantagem virtual (a não ser que os árbitros queiram dar uma alegria ao povo anfitrião, como sucedeu na Coreia do Sul em 2002). Aliás, sabem quais foram as últimas ocasiões em que o país anfitrião chegou à final de uma grande competição? Precisamente, Portugal em 2004. Antes disso, a França em 1998. A derrota na final com a Grécia foi um desastre difícil de entender, concedo, mas isso não deveria apagar aquilo que foi uma campanha notável da seleção que afastou, entre outras, a Espanha, Inglaterra e Holanda.

Tínhamos a melhor geração de jogadores da nossa história? Na minha opinião, não. A melhor geração de jogadores que alguma vez tivemos teve o seu auge em 2000 / 2002, altura em que Figo, João Pinto, Rui Costa, Fernando Couto e Vítor Baía estavam no pico das suas carreiras. E o melhor que conseguimos foram as meias-finais de 2000. No Euro 2004, Figo já tinha 31 anos e Rui Costa 32 anos, por exemplo. No Mundial 2006, Figo já tinha 33 anos.

Scolari limitou-se a aproveitar o trabalho de Mourinho no Porto? Sim, é verdade que aproveitou, mas desde quando é que isso é um defeito? Pelo contrário. Felizmente para nós, Scolari apercebeu-se a tempo do erro que estava a cometer e acabou por aproveitar até ao tutano o conhecimento que Paulo Ferreira, Nuno Valente, Ricardo Carvalho, Costinha, Maniche e Deco tinham entre si. Será que Paulo Bento teria feito o mesmo?

Já agora, alguém tira mérito a Low por estar a aproveitar a base do Bayern? Ou a Del Bosque por tentar replicar ao máximo a filosofia de jogo do Barcelona?

Mais: Scolari enfrentou um grupo cujo líder, Figo, se opunha abertamente à entrada de Deco na seleção (e muito provavelmente à chegada do próprio Scolari). Soube ultrapassar isso e os dois acabaram por se entender e levar a seleção aos seus melhores resultados de sempre. Scolari conseguiu compatibilizar duas gerações de jogadores e colocá-las ao serviço dos melhores interesses da seleção. Conseguiu galvanizar os jogadores e um país inteiro. Não me parece que fosse uma tarefa assim tão simples e, tirando Mourinho, não estou a ver outro treinador que na altura fosse capaz de atingir os mesmos resultados.

Pode-se discutir se o ciclo de Scolari não devia ter terminado em 2006, mas compreende-se a decisão da FPF prolongar o contrato por mais dois anos. Infelizmente, Scolari acabou por fazer uma tristíssima figura no final do Portugal - Sérvia, ao tentar agredir um jogador adversário, e os quartos de final alcançados nesse Europeu acabaram por ser uma desilusão.

Os fracassos que Scolari acumulou após a saída da seleção ajudaram a alimentar a fama de mau treinador, expondo de forma perfeitamente clara os seus defeitos, numa realidade em que qualidades como capacidade de planeamento, organização e competência tática acabam por ter um peso completamente diferente do que no trabalho de selecionador.

Nos últimos anos, o nome de Scolari acaba por ser lembrado na comunicação social e nas redes sociais sobretudo pelos seus defeitos e quase nunca por aquilo de bom que conseguiu enquanto foi o nosso selecionador. Scolari é visto por muitos como alguém que teve um papel marginal nos sucessos, e por vezes como um empecilho que impediu os nossos jogadores de conquistarem o europeu de 2004 e o mundial de 2006. Como se fosse uma coisa perfeitamente natural Portugal vencer provas desta dimensão.

Na minha opinião, Scolari merece mais reconhecimento dos portugueses pelos resultados que conseguiu. A mais temível seleção que alguma vez tivemos não é apenas resultado da qualidade dos jogadores. O selecionador teve um papel importante que foi bem para além das ações de marketing e das ajudas das divindades que invocava.