quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Santos da casa não fazem milagres

                                                                                                                                    
Já tive oportunidade de escrever, mais do que uma vez, que acho que Fernando Santos não é a melhor opção para selecionador nacional. Não estou sequer a levar em consideração a sua atual suspensão - refiro-me apenas ao seu perfil. Existem outros treinadores livres que na minha opinião seriam mais adequados à tarefa que aí vem, apesar de reconhecer que não há nenhum que me pareça indiscutivelmente o homem ideal para o cargo.

Mas sinto-me efetivamente incomodado por esta escolha. Não por Fernando Santos em si, que é um treinador que me merece todo o respeito, mas pelo processo e pelo racional seguido por quem tinha a responsabilidade de tomar esta decisão.

Em primeiro lugar, que alminhas é que se lembram de contratar um treinador que APENAS SE PODERÁ SENTAR NO BANCO NA 2ª JORNADA DA FASE FINAL DO EUROPEU??!! Não estamos a falar de um clube, em que o treinador, através do contacto permanente com os jogadores nos treinos, tem a possibilidade de passar as suas ideias de forma efetiva ao grupo - e em que a ausência do banco em alguns jogos numa época longa acaba por não ter grande impacto. Esta suspensão de 8 jogos representará um período de 23 meses em que Fernando Santos estará a ver todos os jogos que realmente interessam a partir do camarote, não tendo a possibilidade de intervir na partida, ou sequer observar e sentir in loco a postura, empenho e reação dos jogadores nos jogos a doer. A sua influência limitar-se-á a um punhado de treinos, divididos por meia-dúzia de estágios, que me parecem insuficientes para vender de forma convincente as suas ideias ao grupo de trabalho.

Para piorar, JURO-VOS que pensava que a FPF, através dos canais a que tem acesso, já teria a informação que a suspensão de Fernando Santos seria reduzida. Foi uma esperança a que me agarrei, porque está nomeação é tão absurda que me levava a assumir que Fernando Gomes & Cª já saberiam algo que o público em geral desconhecia. Mas nem isso, pois no próprio dia em que Fernando Santos é apresentado, a FIFA confirmou os 8 jogos de suspensão do selecionador.

Ou seja, a única hipótese que Fernando Santos tem de estar no banco na 1ª jornada da fase de grupos do Euro 2016 é se ficarmos em 3º lugar no grupo e nos apurarmos via playoff.

Tudo isto faz-me lembrar a conversa de Gilberto Madail na altura em que Carlos Queiroz estava suspenso, ao afirmar que a ausência do selecionador não era um problema pois os jogadores tinham capacidade de jogarem em piloto automático. Dias mais tarde empatámos 4-4 com o Chipre e perdermos na Noruega por 1-0. É caso para dizer que a bússola devia estar com algum problema. O público pode deixar-se levar por estas conversas, mas será que os jogadores aceitarão ter um selecionador que não estará com eles no calor do jogo?

Não me entendam mal: estou apenas a questionar a decisão da FPF - que escolheu a saída mais fácil numa tentativa de agradar a todos os poderes do futebol nacional - e não o selecionador em si, que merece o benefício da dúvida e não tem seguramente a obrigação de inverter tudo o que de mau tem acontecido já nos jogos com a França e Dinamarca. Fernando Santos não é obrigado a fazer milagres - e não estando no banco, ainda menos.

Apesar desse benefício da dúvida, devo dizer que o novo selecionador deixou-me apreensivo em relação ao tema renovação da seleção:
"Não há bilhetes de identidade. Essas coisas, feitas por empurrão, não vão a lado nenhum. No Mundial a Grécia tinha um jogador com 35 anos e outro com 36, o Katsouranis e o Karagounis. Mas também 17 dos 23 jogadores foram lançados por mim. Era uma seleção que ia dos 18 aos 36 anos."
"É um processo aberto. Não gosto da palavra renovação, pois parece que os velhos vão para o lixo e os novos vão tomar conta disto. Vamos estar muito atentos ao percurso da formação. Não serei juiz dos treinadores da formação, mas vamos ter que partilhar ideias. Tanto faz ter 17 anos ou 35. Se tiver valor, vem."

Concordo que, do ponto de vista individual do jogadores selecionáveis, não se deve olhar para o BI. Os melhores deverão, por norma, ser sempre chamados - e só por aí Fernando Santos poderá trazer melhorias imediatas em relação a Paulo Bento. O problema é que isso não é suficiente, pois muitos dos que são os melhores hoje seguramente que, daqui a 4 anos (altura em que se disputa o Mundial 2018), estarão numa fase descendente das suas carreiras (se é que alguns deles não chegaram já a essa fase). Tudo isto significa que é imperativo que se comece a apostar já em alguns dos miúdos que começam a dar nas vistas nos seus clubes - pois são esses jovens que daqui a 4 anos serão a solução para a maior parte dos nossos problemas.

Jogadores como Marcos Lopes, Cédric, Rúben Neves, Carlos Mané, João Mário, Bernardo Silva, Ilori, Rúben Vezo ou Bruma deveriam começar a ser inseridos no grupo de trabalho o quanto antes. Alguns deles, se calhar, poderiam começar inclusivamente a serem lançados nos próximos compromissos internacionais. Numa fase de apuramento em que se podem qualificar até três seleções, é um desperdício não começarmos a preparar desde já o Mundial 2018. Se não o começarmos a fazer, estaremos a reduzir em grande medida as nossas hipóteses de qualificação para a Rússia, que terá muito menos espaço para as seleções europeias - e em que apenas as realmente boas terão lugar.

Se cabe ao selecionador escolher os jogadores em cada convocatória, cabe à Federação definir metas e orientações relativamente a um horizonte temporal mais longínquo. Esperemos que todos saibam fazer o seu trabalho na defesa dos melhores interesses de curto, médio e longo prazo da seleção. Se continuarmos a pensar apenas no próximo jogo, certamente que teremos grandes desilusões daqui a uns anos.