sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Focos de conflito entre Bruno de Carvalho e Marco Silva

Com o passar dos dias, têm sido motivo de conversa algumas eventuais causas do (aparentemente) irreconciliável conflito entre Bruno de Carvalho e Marco Silva. Apesar de ser tudo um exercício especulativo (enquanto nem um nem outro confirmarem o que está na base das dificuldades no relacionamento entre ambos), existem algumas que me parecem plausíveis - nomeadamente quatro. Vou abordar cada uma deles individualmente:


As críticas públicas de Bruno de Carvalho à equipa

Foram polémicas as declarações de Bruno de Carvalho via Facebook após a derrota em Guimarães, e voltaram a ser polémicas as críticas aos resultados do futebol no comunicado da semana passada.

Eu, pessoalmente, não gosto de reprimendas públicas. No entanto, o presidente tem que responder aos sócios e tem toda a legitimidade para o fazer se achar necessário. É agradável? Claro que não, e tem a agravante de colocar uma carga psicológica enorme sobre os jogadores. Curiosamente, a equipa respondeu bem em campo nos jogos imediatamente a seguir a ambos os comunicados (Schalke e Nacional).

Preferia claramente que Bruno de Carvalho não tivesse optado por este caminho. A lavagem de roupa suja deve ser feita preferencialmente longe de olhares indiscretos, principalmente quando existe uma legião de opinion makers a criticarem tudo o que o presidente do Sporting faz. E não foi surpresa nenhuma assistir a um total exagero nas reações na comunicação social, nomeadamente no aproveitamento que foi feito da frase 
"Quer a equipa principal quer a equipa B brindaram os sportinguistas com péssimas exibições que não dignificaram o nosso Clube e a nossa camisola."

Se eu digo que não fui inteligente num determinado momento, não estou a dizer que me considero uma pessoa pouco inteligente. A extrapolação que foi feita desta frase foi que os jogadores são indignos, o que demonstra má fé ou uma gritante incapacidade de interpretar um texto.

De qualquer forma, e apesar de criticas públicas e neste tom não serem novidade no futebol internacional, nacional ou mesmo no próprio clube, são situações que Bruno de Carvalho poderia facilmente ter evitado. Não só pela clima de turbulência que causou no clube e adeptos, mas também por ter colocado os jogadores na ingrata situação de terem que comentar as palavras do seu presidente (e mais uma vez as interpretações feitas pelos media foram claramente abusivas e especulativas).


Marco Silva não aposta em determinados jogadores do plantel principal e da equipa B

Neste caso o treinador merece o benefício da dúvida. É ele que lidera e que avalia os treinos, e é ele que tem que decidir quais os jogadores que estão mais aptos a interpretar a ideia de jogo que tem para a equipa. Bruno de Carvalho mencionou no comunicado de há uma semana o nome de João Mário como reforço deste ano - mas Leonardo Jardim também não viu nele material para ser útil à equipa principal (parece discutível agora, mas foi pacífico na altura). 

Todos estranhamos que Gauld e Slavchev ainda não tenham tido qualquer minutos de utilização (pelos valores e expetativas que rodearam a sua contratação), tal como a falta de oportunidades de alguns jogadores da equipa B que têm tido melhor comportamento (como Wallyson ou Iuri). Apesar disso, também é preciso considerar que temos um plantel principal muito extenso e, felizmente, as lesões não têm sido em grande número. 

De qualquer forma, Marco Silva não pode ficar melindrado pelo facto de a direção tentar impôr-lhe esta ideia. Basta olhar para o outro lado da 2ª circular e vemos o presidente a mandar recados insistentes ao seu treinador (que já vai na 5ª época) em como é importante apostar nos jovens da formação. Se a maior parte das pessoas (adeptos e comentadores) acham que Vieira tem o direito de querer ter um peso maior na formação do plantel, não faz sentido que achem que no caso do Sporting (por se tratar de Bruno de Carvalho) já se trata de uma ingerência inaceitável nas competências do treinador.

É normal que a direção tenha uma ideia para o plantel e tente vendê-la ao treinador, mas em última análise é ao treinador que cabe decidir quem utiliza.


Marco Silva não teve um comportamento solidário com a direção nos casos Rojo e Slimani

Pouco tempo antes da participação no Torneio Teresa Herrera, numa altura em que se falava com iminência da transferência de Rojo para o Manchester United, o empresário Carlos Gonçalves (que representa Marco Silva, Rojo, Maurício, Montero, Wilson Eduardo, Betinho e vários outros jogadores da equipa B e formação) pediu ao Sporting que Rojo não fosse utilizado nessa competição. Bruno de Carvalho recusou. No entanto, Marco Silva optou por utilizar o argentino em apenas 45 minutos (em 180 possíveis), sendo apenas o 16º jogador mais utilizado, a par de Marcelo Boeck, André Geraldes e Paulo Oliveira (todos os outros prováveis titulares foram bastante mais utilizados).

Para além disso, na conferência de imprensa que antecedeu a estreia do Sporting no campeonato contra a Académica, Marco Silva afirmou que Rojo e Slimani (suspensos pela direção por se recusarem a treinar) eram jogadores fundamentais e demarcou-se da decisão do afastamento dos jogadores:
O treinador do Sporting admitiu nesta quinta-feira que a suspensão interna de Marcos Rojo e Islam Slimani, além de afastar da equipa "atletas fundamentais", afectou o resto do plantel na semana em que se inicia a I Liga.
"Não foi uma semana fácil - não há que esconder isso. São casos que nunca é fácil de gerir, mas temos de estar preparados para isso. Afecta sempre um pouco: os jogadores não gostam, ninguém gosta e para mim, como líder desta equipa, também não é agradável", disse Marco Silva na conferência de imprensa de antevisão do jogo da jornada inaugural, no sábado, frente à Académica, em Coimbra.
"São decisões do Sporting. Dois dias depois de isso acontecer estive a elogiar os jogadores e não vou dizer agora que são decisões minhas. Não teve nada a ver comigo. A conversa que existiu [com os jogadores] foi possivelmente com o presidente ou com alguém da direcção", disse Marco Silva, referindo que são questões da direcção do Sporting e não técnicas.

Se no caso destas últimas declarações de Marco Silva até podemos tolerar a falta de sintonia com a direção (poderia desdramatizar a ausência dos jogadores, valorizar a participação dos seus substitutos, e simplesmente não comentar a questão disciplinar) por falta de experiência em situações delicadas com tanta visibilidade, já é mais difícil compreender o motivo que o levou a limitar tanto a utilização de Rojo no Teresa Herrera.


Marco Silva não foi consultado na escolha da maior parte dos jogadores 

Por princípio parece-me saudável que um treinador possa apontar a dedo cada um dos jogadores que pretende, mais do que o perfil pretendido. Mas como é evidente, para que tal aconteça, é necessário que: 

  • o clube considere que existem lacunas nos elementos da estrutura responsáveis pela deteção de jogadores; 
  • o clube tenha recursos financeiros para satisfazer os desejos do treinador; 
  • o treinador já tenha anos suficientes de casa ou uma carreira comprovadamente sólida para que lhe seja colocado esse poder na mão.

Olhando para o exemplo do Porto, alguém acredita que Vítor Pereira ou Paulo Fonseca tenham escolhido a dedo jogadores como Danilo, Alex Sandro, Reyes, Herrera ou Quintero? O paradigma mudou esta época com a chegada de Lopetegui, mas a regra dominante sempre foi o reduzido papel do treinador na construção do plantel - e nunca ninguém criticou esse facto.


Olhando para Marco Silva, sabemos que chegou ao Sporting vindo do Estoril, clube da Traffic (empresa que ganha a vida através da compra, valorização e venda de jogadores), e tenho imensas dúvidas que o treinador alguma vez tenha tido o poder de escolher os jogadores com quem trabalhou ao longo dos três anos em que liderou a equipa. A Traffic contrata jogadores em vários mercados (principalmente o brasileiro) e coloca-os nos clubes que detém para os valorizar e ganhar dinheiro - e certamente que não estarão minimamente dependentes das capacidades prospetivas dos treinadores dos seus clubes. Mais: certamente que farão pressão para alguns serem mais utilizados que outros.

Estar a defender Marco Silva por não poder escolher a maior parte dos jogadores com que trabalha (que é a postura de muitos dos comentadores que tenho ouvido) é uma hipocrisia. Marco Silva é um treinador altamente promissor, mas não tem um passado que lhe dê direito a amuar por não ter tido um papel decisivo na escolha do plantel, principalmente quando a estrutura do Sporting até teve um aproveitamento razoável das aquisições que fez na sua primeira época (Jefferson, Montero, Slimani, e mesmo Maurício tiveram um bom rendimento). A não ser, claro, que no momento da sua contratação alguém lhe tenha prometido que teria um papel ativo na escolha dos jogadores.


Irreconciliável?

Serão estes factos suficientes para justificar a impossibilidade de haver uma reconciliação entre Bruno de Carvalho e Marco Silva? Na minha opinião, não. É claro que se pode ter passado muito mais do que estes quatro pontos de discórdia, no calor da discussão podem ter sido dito coisas que não ajudaram à pacificação, mas gostaria que ambos os intervenientes considerassem o seguinte:

  • Bruno de Carvalho tem que compreender que nem todos podem ter o seu espírito irredutível perante a adversidade, e que o treinador e jogadores são profissionais que nunca colocarão as prioridades do Sporting acima de qualquer outra coisa (nomeadamente as suas carreiras);
  • Marco Silva tem que compreender que é um funcionário do clube e que está sujeito a cumprir ordens que vêm de cima - como qualquer outro profissional em qualquer atividade.