quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A hora do jogador português?

Interessante o artigo de opinião escrito por José Manuel Ribeiro, diretor de O Jogo, que aborda a reunião que Fernando Gomes promoveu com os principais clubes formadores para discutir a defesa do jogador português:


Admito que a questão da competitividade dos clubes possa ser um dos pontos-chave que explicam a resistência de Benfica e Porto em apostarem em jogadores portugueses (e mais concretamente nos jovens da formação), mas não me parece que seja apenas isso. Na minha opinião há mais para dizer sobre as motivações das partes envolvidas, e creio que José Manuel Ribeiro falha completamente na análise que faz sobre as consequências para o futuro da seleção caso nada seja feito.

Em primeiro lugar é preciso relembrar que a defesa do jogador português foi o primeiro ponto do programa eleitoral de Fernando Gomes:


Começando agora a debater a sério a questão, talvez seja possível que Fernando Gomes ainda vá a tempo de implementar alguma medida antes do final do mandato. Por uma questão de imagem ficar-lhe-ia muito mal continuar a assistir passivamente ao definhar da seleção principal sem que fizesse nada para o evitar. Do ponto de vista eleitoral, a sua reeleição não depende disso - todos sabemos que o bem do jogador português é uma minudência na ampla teia de interesses que define o sentido de voto da grande maioria dos participantes no processo de escolha do presidente da Federação.

Mas independentemente dos motivos que levam Fernando Gomes a colocar finalmente a proteção do jogador português na agenda (foi eleito há mais de 3 anos), é positivo que se discutam e tomem medidas nesse sentido. Resta saber qual a profundidade das ações que o presidente da FPF está a pensar em implementar. Na minha opinião, tudo o que seja menos do que aquilo que a UEFA já impõe na Liga dos Campeões - um mínimo de 4 jogadores da formação mais 4 jogadores formados em Portugal - será incompreensível. No limite poder-se-ia definir a aplicação da medida de forma gradual para facilitar a adaptação dos clubes à nova regra.

No entanto, penso que a forte reserva que José Manuel Ribeiro coloca para a implementação destas medidas é uma falsa questão: colocar uma quota minoritária de jogadores portugueses nunca será um golpe fatal na competitividade dos clubes. Assumindo que uma regra do tipo da Liga dos Campeões seria aprovada, continuaria a haver a possibilidade de formar um plantel com 17 estrangeiros. 

D-E-Z-A-S-S-E-T-E.

Quão mais fraco ficaria o Porto (que neste momento é o clube que menos portugueses tem no plantel - apenas 3: Quaresma, Ricardo e Rúben Neves) se deixasse de poder contar com Andrés Fernandez, Campaña, Marcano, Reyes e Opare? Ou quão mais fraco ficaria o Benfica se colocasse 3 jogadores da formação (já tem Paulo Lopes) em vez de Derley, Benito ou Jara?

Ao contrário do que diz José Manuel Ribeiro, o problema não está na perda de competitividade das equipas. Aliás, parece que a perda de competitividade é desculpa para barrar qualquer medida que se queira implementar - já ouvimos essa conversa quando se debatia o fim dos fundos. O problema é que, à semelhança do fim dos fundos, isto vai obrigar os clubes a comprar menos e melhor, o que será um problema grave para a legião de intermediários, olheiros, empresários e funcionários que se governam à conta dos contentores de jogadores que fazem chegar todos os anos a Portugal. E olhando para o caso concreto de Benfica e Porto, comprar em quantidade é a forma mais segura de acabarem por acertar em algumas contratações. Implementar uma regra deste tipo levaria as atuais estruturas de Benfica e Porto a acertar menos, expondo um flanco de falta de competência que neste momento é mascarado pelos bons jogadores em que acabam por acertar.

E há uma outra questão que um jornalista como José Manuel Ribeiro devia ter consciência: se nada for feito, a seleção não só vai deixar de aparecer nos "quartos", como no "oitavos" e até em algumas fases finais. Provavelmente será uma questão de tempo até começarmos a falhar qualificações para os Mundiais, enquanto que no Europeu (que agora são disputados por 24 seleções) só por milagre conseguiremos passar a fase de grupos. Basta ver o que aconteceu no mundial deste ano: sem o melhor Ronaldo já somos uma seleção banal.

Voltando às motivações dos clubes, logo veremos até que ponto Benfica e Porto estão realmente empenhados em defender o jogador português. O Sporting aí parte de facto em vantagem, pois não necessita de fazer grandes ajustes. A realidade económica do país não pode sustentar mais anos de loucura gastadora, pelo que este pretexto acaba por ser uma magnífica oportunidade para justificar uma mudança séria de vida e métodos. Será também um bom indicador para perceber o quão vãs são as palavras e promessas dos dirigentes dos clubes.